A casa de farinha
[...] não era uma casa de farinha propriamente dita, isto é, o local onde se
procede o fabrico de farinha de mandioca com caititu, roda bolandeira, prensa,
forno, tacho de torrar, cocho para separar a goma do tucupi e demais apetrechos
dessa faina de pequena e artesanal indústria de herança nativa, de
transformação da macaxeira. A “casa de farinha” era um grande galpão cujas
tesouras, linhas, caibros, longarinas e pernas-mancas, eram feitas de madeira
roliça, sem descascar e coberto com palha de ouricuri. O assoalho era de tábuas
grosseiras, sem aplainar, postas, ajustadas e pregadas lado a lado. Esse grande
barracão assim descrito, construía-se periodicamente em Tarauacá, mais ou menos
no mesmo lugar, nas épocas de eleições, daqueles tempos em que havia comícios e
quando se ia falar, não se fazia boca-de-siri. Era edificada na beira do rio,
bem em frente de onde o Muru conflui com o Tarauacá. Aliás, essa denominação de
Casa de Farinha, foi oferecida pelos adversários que assim a denominavam,
pejorativamente, a fim de causar raiva aos opositores, querendo significar que
o local de suas festas políticas, pela aparência tosca da construção,
assemelhava-se mais ao galpão da bolandeira e do caititu.
Aconteceu que os
partidários do PTB que construíam o barracão, ao invés de se apoquentarem,
glosaram o chiste, transformando-o em sigla de propaganda político-partidária,
popularíssima, invertendo, desse modo, a provocação dos pessedistas.
Os trabalhistas de
Tarauacá falavam com euforia e até com uma certa vaidade: – “Pois é; é nossa
Casa de Farinha mesmo. Lá nós ralamos no caititu a macaxeira para fazer
farinha, beiju e tapioca”. As palavras aqui vão além do seu simples
significado: é uma alegoria para mangar do chefe principal do PSD no Acre que
também era conhecido como deputado “macaxeira” devido a uma comparação pouco
feliz que o mesmo, em uma das campanhas políticas, em um certo comício, fez com
as raízes amidógenas dessa euforbiácea com os hábitos alimentares primitivos
dos acreanos.
Assim, o povo do
“peteba” queria dizer que ia triturar o político, na casa de farinha,
transformando-o em farinha, goma e tucupi. Dessa forma, com o passar do tempo,
Casa de Farinha no município de Tarauacá, na linguagem política local, deixou
de ser um simples galpão improvisado, para o povo humilde se divertir, nas
épocas de campanhas políticas. Casa de Farinha tornou-se uma instituição de
forte significado político, com características próprias e interessantes. Dessa
concepção farinosa, institucionalizada pelos habitantes dos vales daqueles
rios, principalmente nos períodos de propaganda para os pleitos eleitorais,
costumam criar-se várias expressões populares derivadas desse fato, no sentido
figurativo de exaltação do Partido, em suas manifestações folclóricas, tais
como: “vamos fazer farinha”, “vamos à farinhada”, “vamos torrar beiju” ou
“fazer tapioca”, expressões que no período da campanha política, equivalem a:
“vamos mandar brasa”; vamos pular, gritar, dançar e dar “vivas” aos nossos
candidatos, “vivas” ao nosso partido e “morras” aos adversários. Casa de
Farinha, portanto, em Tarauacá, significa povo humilde, simples, de mãos
calosas; gente afeita ao trabalho da agricultura, do seringal, dos roçados, das
praias, dos rios e dos barrancos do Muru e do Tarauacá.
Outro nome que
venha a ter a agremiação representativa dessa gente e desses valores,
vericar-se-á sem esforço que a expressão “Casa de Farinha” vai ficando,
sedimentando-se, enraizando-se e enriquecendo de significado, já agora não mais
simbolizando um galpão de palha, porém, sim, um estado de espírito social,
político-partidário, cada vez mais consistentes em seu fim, influindo
significativamente na sociedade local. De fato, extinguiram-se partidos,
criaram-se novas siglas, mas a alma alegre das farinhadas não se extinguiu. Ela
continuou e continua transformando a macaxeira em farinha, beijus e tapiocas. E
não é mais só em Tarauacá. Todo o Acre está na farinhada, aderiu a farinhada e
quanto mais macaxeira houver, mais caititus aparecerão para ralá-la. Assim, a
expressão “Casa de Farinha” permanece viva, mesmo quando aquele galpão de
madeira roliça e palha de ouricuri vai se acabando até se construir outro no
mesmo lugar.
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