Música
de Câmara
é o primeiro livro do irlandês James Joyce (1882-1941), publicado em Londres em
1907. Os versos, raras vezes irônicos, falam da arte da poesia, de amor e
traição, amor e solidão. Na época em que escreveu os versos, Joyce dizia que
ele “era um rapaz estranho e distante dos outros, andando sozinho à noite e
pensando que algum dia uma moça me amaria”.
VI
Quem dera o doce peito eu habitasse
(Tão belo ele é, tão doce e vero!)
E o vento rude nunca me rondasse...
Por causa do árido ar severo
Quem dera o doce peito eu habitasse.
Tivesse nesse coração morada
(De leve, bato, imploro à moça!)
E nele a paz me fosse partilhada...
Esse ar severo fora doce
Tivesse nesse coração morada. p.61
VII
Amor, vestes leves, passeia
Entre as macieiras – via
Por onde o vento alegre anseia
Correr em companhia.
Lá, onde o vento alegre para
E corteja a jovem rama,
Amor vai lento, a se inclinar à
Sombra sobre a grama,
E o céu pálido e azul é a taça
Por sobre a terra gaia,
Amor vai leve, a mão com graça
A segurar a saia. p.63
IX
Ventos de maio, em dança mar afora,
Dançando lá numa giranda em glória,
De sulco em sulco, a espuma esvoaçando
Ao alto, até tornar-se uma guirlanda
De arcos prateados que atravessam o ar –
Não viram meu amor nalgum lugar?
Malandança, malandança!
Ah ventos de maio em dança!
Amor é triste se amor está a distância! p.67
XXII
Do doce cárcere a prender-me,
Disso carece, amor, meu ser –
Ternos braços que põem-me inerme
E que também me impõe deter.
Eu fira alegre por lograr
Ser encerrado nesse cárcere!
Na teia de braços que o amor,
Minha querida, deixou trêmulos,
Tal noite atrai-me, onde o temor
Não possa nunca perturbar-nos;
Só um sono-em-sonhos vá se unir a
Um sono, a alma e a alma prisioneira. p.93
XXIII
Junto ao meu peito vibra um peito
Que é todo o bem, toda a esperança;
Num beijo e noutro, satisfeito;
Insatisfeito, se a distância.
É todo o bem que me foi dado – é! –
Minha única felicidade.
Pois lá (o musgo onde a corruíra
Aninha vários bens num canto)
Guardei os meus, antes de vir a
Descobrir o que era o pranto.
Teremos tal sabedoria
Se bem o amor dure um só dia? p.95
XXIV
Em silêncio, ela penteia,
Penteia os longos cabelos,
Em silêncio, com graça
E com uns gestos tão belos.
O sol está no salgueiro
E nos matizes sobre a erva:
Ela ainda se penteia,
Diante do espelho se observa.
Peço, não penteies mais,
Não penteies o cabelo,
Pois sei de certa magia
Sob aspecto o mais belo,
Que torna indistinto ao amante
Estar vivo ou se finar
Por ela, ó tu que és tão bela
E de um descaso sem par. p.97
XXVII
Mesmo que eu fosse um Mitridates
Imune à seta com veneno,
Me envolverias sem cautela
Até o teu êxtase mais pleno
E eu me render e confessar-me
Essa malícia do teu charme.
Para uma frase bela e antiga,
Querida, a boca é bem esperta;
Não sei de amor que se bendiga
Com o flautear de nossos poetas,
Nem de um amor onde não há de
Haver alguma falsidade. p.103
XXVIII
Gentil senhora, não me cante
Canções tristes, de amor que acaba;
Deixe pra a tristeza; cante
Como esse amor tão breve basta.
Cante o longo torpor de amor
De amantes mortos, lado a lado,
E como, em sua cova, o amor
Vai repousar. Está cansado. p.105
XXXVI
Escuto um exército em carga pela terra,
E estrondo de cavalos se arrojando, a espuma
nos joelhos:
Arrogantes, com armadura negra, atrás deles
se erguem,
Desdenhando as rédeas, com chicotes
flutuantes, os cocheiros.
Eles bradam para a noite os seus nomes de
guerra:
Choro dormindo e ouvindo ao longe o vórtice
da gargalhada.
Eles cindem o escuro onírico, fulgor que
cega,
E martelam, martelam meu peito como a uma
bigorna.
Eles vêm sacudindo em triunfo a verde e longa
cabeleira:
Eles surgem do mar e aos berros correm pela
praia.
Coração, não tens prudência nenhuma, com tal
desespero?
Amor, amor, amor, por que me deixaste só?
p.121
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