sábado, 14 de abril de 2018

TRÊS POEMAS DE ROGEL SAMUEL

casa abandonada

as janelas estavam assassinadas
assistiam a tudo
ao mar, às aves, à montanha
nunca mais fechadas
fecundadas de vento
arrebatadas de sol
batidas pelo firmamento
e as janelas nunca mais se fecharam
porque não havia ninguém mais lá dentro
porque os poros da casa se abriram
às verdejantes trepadeiras
que cobriram todo traço do passado


Noite negra

Noite. Noite negra, nesta montanha.
Unidos pelo mesmo hálito,
o mesmo manto sem estrelas.
Nesse mundo, onde estamos nós?
Nessa noite negra. Tão negra
que deixamos acesa aquela luz.
Entre nós. Nossas luzes.
Negra noite


um poema azul

um poema azul
sai da parte nova
da velha cidade
que escreve a cena
do azul poema
sob sol tão belo

por que neste zelo
esta cor tão velha
renova revela
risco no vermelho
sua prova senha
que azul aceita

por que neste traço
não se lança, pássaro
sobrevoa aquela
longínqua montanha?

esta cor tamanha
faz-me prisioneiro
e do ar cordeiro
que do texto inteiro
sou escrito nela?

leva me revela
sobrevejo aquela
forte aquarela
e naquela tela
me lanço no ar.

meu amor primeiro
vejo-te inteiro
neste meu ofício
de fantasiar.

mas triste é a noite
e esta senhora
que me trouxe a hora
para vida a fora
eu me lastimar.

cada vez mais perto
estende o seu mundo
seu ponto segundo
seu sagrado ato:
que não creio revele
seu pior segredo:
nem por mais sentir
o menor dos medos
pois neste ofício
pois neste tinteiro
o azul faz poema
e a tua pena
vai-te envenenar.

(maio de 2000)

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