“O
objeto que indica a civilização do mundo – o jornal”
X.
(A
Alvorada, 18.2.1917, Ano V, N.40, p.2)
Contexto histórico
A
presença efetiva de exploradores e colonizadores brancos na região que hoje
compõe o município de Tarauacá, berço de inúmeros povos indígenas, começou em
fins do século XIX e início do XX. A economia da borracha, nesse período, dava
ao país o segundo PIB. A borracha era tão valiosa, a ponto de ser chamada de o “ouro
negro”, alcançando o seu apogeu em 1912, com o Brasil exportando mais de 42 mil
toneladas do produto. Ironicamente, fastígio e miséria compunham as faces dessa
mesma moeda. Sob o boom gomífero,
cidades, como Manaus e Belém, vão viver a sua belle époque, elevando-se a condição de metrópoles em plena
floresta amazônica.
É
nesse contexto, inspirado, sobretudo, por essas duas metrópoles regionais, por
sua vez, simulacro das metrópoles europeias, com seus teatros imponentes,
cafés, jornais, etc. que as pequenas cidades e vilas também reivindicarão o seu
ingresso na “civilização”. A imprensa, por meio dos jornais, era, por
excelência, o símbolo da cultura, o signo do progresso, ao mesmo tempo em que
significava o distanciamento, e mesmo, a negação da cultura local para dar
lugar ao sentimento de pertencimento à “grande” civilização. E o modelo de
civilização, em questão, é a europeia cristã.
Nesse
sentido é que se pode compreender melhor a criação da imprensa em Tarauacá,
seringal transformado em vila em 1907, esta elevada à categoria de cidade em
1913. Em uma década, por exemplo, de 1910 a 1920, nove jornais, de modesta a
grande circulação, serão editados na cidade. O pioneiro é O MUNICÍPIO, cujo
primeiro número saiu em 28 de setembro de 1910; seguido por A ALVORADA
(14.7.1913); O ESTADO (29.1.1914); O TARAUACÁ (11.10.1914); EVOLUTIVO
(15.4.1915); O DEPARTAMENTO (15.11.1914); JORNAL OFFICIAL (14.4.1916); A
REFORMA (12.5.1918); e O REGIONAL (1917). Alguns tiveram vida curta; outros
subsistiram, a mudar apenas de nome, conforme o prefeito da ocasião, quando se
tratava de órgão público. O Município e A Reforma foram os de maior circulação
e que mais tempo duraram. O primeiro circulou de 28 de setembro de 1910 a 26 de dezembro de 1937; o segundo, de 12 de maio 1918 a 25 de novembro de 1934.
Ressalte-se,
ainda, que, à época, as cidades eram secundárias. Na região, a importância
maior recaía sobre os seringais. Alguns seringais, com seus esmerados
barracões, dispunham de “progressos” que só posteriormente chegariam às
minúsculas cidades, como luz elétrica e pequenas fábricas de tecelagem, além de
alambiques, engenhos etc. A sede do seringal, a depender da sua importância e
tamanho, chegava a formar uma pequena vila. Não é a toa que praticamente todas
as cidades do Acre surgiram a partir do núcleo de seringais. Portanto, os
seringalistas, sequer, em muitas ocasiões, paravam na sede dos municípios. Dirigiam-se
direto de seus seringais às cidades de Manaus e Belém. Nesse sentido é que, em
alguns seringais, também era editado jornais, como é o caso de “O Porvir”,
“jornalzinho” editado no seringal Paraíso, nos altos do rio Muru, por Bento
Marques de Albuquerque, em 1915.
A
Alvorada
A
partir de 19 de abril de 1913, a região composta pela então Vila Seabra, Vila
Feijó e Vila Jordão irá formar um novo departamento político-administrativo, o
Departamento do Tarauacá, desmembrado do Alto Juruá. A sede do novo
departamento será Seabra, que, cinco dias depois, 24 de abril, será decretada
como cidade. Na ocasião, ela já dispunha de um jornal, O Município, que existia
desde 28 de setembro de 1910. O proprietário e fundador era Pedro Gomes Leite
Coelho (1859-1937), considerado também “o fundador da Imprensa no Alto Amazonas
em 1886”, com o jornal O Purus, editado na cidade de Lábrea. Três anos depois
da fundação d’O Município, os funcionários deste resolveram criar outro jornal,
cuja preocupação principal não era mais as notícias, e, sim, o aspecto
literário. E assim nasceu o pioneiro A ALVORADA.
A
Alvorada circulou pela primeira vez no dia 14 de julho de 1913. A data é
simbólica, e faz alusão a Tomada da Bastilha que, naquela ocasião, completava-se
124 anos. Certamente, a escolha da data deveu-se a presença de um jovem
francês, de 18 anos, Henri Froissart, que era o chefe das oficinas do jornal O
Município e um dos fundadores do nascente A Alvorada. Froissart será um nome
importante na imprensa tarauacaense, como diretor e redator dos principais
jornais da cidade, em suas primeiras décadas.
O
jornal saía, de início, quinzenalmente. E se denominava “periódico literrario e
noticioso, tendo por único fim o desenvolvimento intelectual da mocidade do
Departamento”, cujas colunas estavam “à disposição de todos seus leitores”, e
aceitavam “toda colaboração sobre literatura, (prosas, versos), logogrifos,
enigmas e charadas.” Além de ser, talvez, o primeiro jornal em todo o
território acreano dedicado exclusivamente à literatura, A Alvorada se
caracterizava, ainda, por ser um jornal autoral, criado para dar vazão e
expressão à produção local. Raramente encontra-se, em suas páginas, a reprodução
de textos de “grandes” autores, como era comum em outros periódicos. O jornal
não só publicava, bem como encorajava o surgimento de novos autores. Um dos
quais, sob o pseudônimo de Dulce Mar, assim se manifesta:
À
LUCTA, MOÇOS!
Moços
tarauacaenses! Animae-vos, enchei vossos peitos de coragem em desenvolver
vossas idéas! Expandi-vos com vossos escriptos, na grande lucta intellectual.
Aparecer
na imprensa, é ver deante de nós, um horizonte, cuja nuvem, espessa, oculta o
ambicionado Thezoiro da mocidade; é ter-se deante dos olhos a certeza da mais
nobre tarefa, a qual é compensada com os elogios do generoso público. O jornal,
como disse um grande historiador, é o melhor livro, estando ele ao alcance de
todos; ele nos ensina praticamente, e, mais tarde, nos offerece um campo amplo,
livre para exclarecermos o que pensamos, o que sentimos, e, finalmente, nos
mostra um caminho que, seguindo-o com coragem, com o firme propósito de não
recuar, assim como quem vae para uma glória, em busca d’um ideal, encontraremos
o ponto terminal, que será justamente a segurança da phrase escripta e
impressa!
*
* *
Aqui
tendes, moços, como eu, a lanterna que vos há de illuminar nesse túnel de
difícil passagem!
Segui!
Não encareis obstáculos e, lá, nas entranhas da terra, então, como se
estivesses a sonhar coisas apenas imaginárias, vereis, longe, muito ao longe,
um branco que, à princípio, se apresentará do tamanho d’uma ostia, e augmentará
aos poucos, conforme o vosso avanço nas trevas: será, indubitavelmente, o
clarão do céu, límpido, e, então, passareis d’uma phrase à outra; da escuridão,
à luz, que é o cultivo da intelligência, obtido no livro do povo – a Imprensa.
E,
d’esse modo, tereis ao vosso alcance o que julgastes impossível!
Ficar
no indifferentismo, tendo um guia que nos póde conduzir ao mais elevado triumpho,
é conservar, sinistramente, sob uma enorme pedra tumular, todas as esperanças
que gyram dentro dos nossos corações de moços.
(A
Alvorada, 18.2.1917, Ano V, N.40, p.1)
O
texto “Nova Luz”, ao modo de editorial, que consta na primeira edição, escrito
por alguém que se assina apenas por “S.” ressalta que o jornal é um convite
para os que ainda não afeitos nem atirados ao mundo literário pudessem
experimentar os seus primeiros voos:
Como
um astro mais, dentre muitos já existentes no nosso amado solo pátrio, com luz
a expandir focos d’ouro a illuminar os recônditos deste meio lettro-social, –
nasce hoje A ALVORADA.
Este
jornalzinho, creado por um pequeno grupo de amadores sinceros da vida
publicista, embora não tendo as bases fundamentaes quer para a beleza de
expressão de seus escriptos, devido à frágil competência de seus autores,
jamais deixará de ser um guia, um mestre amigo dos que teem em mira esclarecer
o espírito, expandir suas idéas.
A
ALVORADA, prezadíssimos leitores, vem à luz para todos; tem como seu único
programma, fazer o nosso desenvolvimento, o nosso engrandecimento, e,
finalmente, o nosso conhecimento moral, physico e social.
Os
seus fundadores notaram, por certo, algo de precisão de sua publicação, e foi
procurando fazer desaparecer esta necessidade e satisfazer o desejo de seus
apreciadores da mais bella canção da nossa vida – as letras, – os amigos das
idéas fáceis, que por um esforço de nobre vontade, chegaram ao fim da rota
almejada – crear um jornalzinho para os que ainda não feitos nem atirados ao
mundo literário experimentarem seus primeiros voos.
Partiu-se,
portanto, o elo que fortalecia este obstáculo: termina hoje a solução do
desejado quão difícil problema; já temos um periódico para os pequenos adeptos
do imortal Gutenberg.
Eis,
pois, chegado o momento de fazerdes conhecidas as vossas idéas, educardes o
vosso espírito, amardes com mais fervor as letras, dardes à instrucção o apreço
merecido.
(A
Alvorada, 14.7.1913, Ano I, N. 1, p.1)
É
preciso lembrar que estamos a falar de uma Amazônia num tempo sem rádio, sem
televisão, sem telefone, sem estradas, sem avião, onde o jornal era, talvez, o
meio de comunicação mais eficiente e que alcançava os mais distantes lugares,
ainda que com alguns meses de atraso. A Alvorada era mais uma possibilidade da
pequena comunidade interagir, se reencontrar e se distrair, como ressalta
Freire, num texto exaltando o aparecimento do jornal:
FIAT
LUX
Salve
hoje à luz da publicidade, A ALVORADA, que vem trazer à mocidade desta terra
mais um momento de distração, de recreio e alegria.
O
aparecimento d’A ALVORADA, devemos unicamente aos operários do ilustrado O
MUNICÍPIO, que tiveram a feliz idea de fundal-a para o único fim do
desenvolvimento de todo aquele que quiser aplicar-se às letras.
Muito
bem!
E
assim, que rejubilado, por ver mais um progresso nesta bella e futurosa villa
Seabra, saúdo aos patrióticos fundadores d’A ALVORADA.
Salvé
A ALVORADA!
Salvé
os seus fundadores!
(A
Alvorada, 14.7.1913, Ano I, N. 1, p.1)
O
papel social do jornal é preponderante para a cidade. É uma forma de se
manifestar e de se mostrar para o mundo. É uma afirmação de identidade, e um
modo de expressar seus valores, e sua cultura.
Por isso, Felicio Flavio chamou o jornal de “desmedida temeridade”:
“Para que negar, se aqui, nesta região
esquecida da vida e dos homens, a que bem podia chamar-se o Paiz do Isolamento,
é uma desmedida temeridade arrostar com um periódico qualquer, seja ele grande
ou pequeno, literrario, ou politico?” (13.5.1915, Ano III, N.21, p.1). De fato,
era uma empresa ousada criar e manter um jornal numa pequena cidade amazônica.
Todavia o esforço, a sensibilidade e o talento de algumas pessoas, aliados à
economia do látex, possibilitou tal empreitada. Além do mais, o jornal era também
uma forma de integração e de dialogar com o mundo. Daí o sentimento de alegria,
a cada edição, como escreveu L.L.: “E nós que aqui neste “charco seabrense”,
como bem já o disse há tempos um nosso valente chronista, passamos uma vida
mais vegetal do que humana, mergulhados sempre em mágoas e tristezas,
devemos-nos sentir alegres cada vez que lemos um novo número d’A Alvorada.” (11.4.1915,
Ano III, N.20, p.1)
Embora
o jornal dissesse aceitar “toda colaboração sobre literatura”, nem tudo que era
enviado era publicado. Havia um crivo, sobretudo para textos com graves erros
de ortografia, o qual garantia certo nível de qualidade e/ou de exclusão social.
Os textos rejeitados eram respondidos numa seção chamada “Caixa d’Alvorada”,
onde se dizia, mordaz e claramente, os motivos da rejeição. Eis um exemplo:
Para
isso não precisa ser ave; como deve saber, temos os Zeppellins que podem fazer o mesmo efeito ou melhor!..., mas a ortografia
é que não se pode engulir!... Se acha
que não é o que dizemos, olhe o primeiro trecho que não alteramos:
“Que
trestezas cruéis tem se apuderado di mem neses poucos dias.” (Os
gryphos são nossos). Bonito! Não é, sr. escritor?!...
Além d’isso, o título não está d’accordo com as suas tristezas e a sua vontade
de vôar!...
Volte
à escola e venha dar o seu recado, ouviu seu commandante?!
(A
Alvorada, 15.3.1915, Ano III, N.19, p.3)
A
Alvorada, de modo geral, teve boa acolhida. Recebiam elogios, inclusive, “do
belo sexo”, como faziam questão de registrar. Aliás, a mulher era um dos temas
recorrentes no jornal. Por meio dos textos pode-se ter uma ideia da visão do
homem acerca da mulher, ou de como se compreendia o protagonismo e o lugar da
mulher na sociedade, que fica patente num texto escrito por Ramalho Ortigão: “A
grande, elevada e importante função da mulher nas sociedades humanas não é ser
boticária, jornalista ou ser doutora, é ser mãe e ser esposa.” Nesse tom
prossegue, e arremata: “que tenha enfim, superiormente instruída, que não seja
médica, filosófica, nem literata, e que empregue todo o seu espírito e todo o
seu coração em ser unicamente uma esposa e uma mãe.” (21.4.1916, Ano IV, N.32)
Era
comum, à época, a interação entre sociedades recreativas e grêmios literários,
na permuta de exemplares, como ocorreu d’A Alvorada com a Sociedade Recreativa
e Instrutiva Club “7 de Julho”, de Tubarão-SC e com o Grêmio Recreativo
Sobralense, do Ceará. Também ocorria a permuta com outros jornais, como, por
exemplo, “O Antigal”, de Salvador-BA e “A idéa”, de Teresina-PI.
O
jornal, de quatro páginas, com exceção da última edição, com seis, era composto
por artigos, que versavam sobre temas gerais (local, nacional ou internacional),
crônicas, poesias, logogrifos, enigmas e charadas, esses três gêneros sempre a
ocupar a última página. Ainda havia a sessão dos aniversariantes, das visitas,
chegadas e partidas. Os autores mais recorrentes eram: Henri Froissart, Rocha
do Brazil, Angelo Silveira, Floros Orlando, Adalberto Rosas, Paulo Viana,
Alberto Jacyranha, J. Assumpção, Lino de Sá, Kallermann, Oscar Castelo Branco,
José Pereira de Albuquerque, Arthur Castelo Branco, Lauro Rose, Walkmar, Raulino,
Felicio Flavio, Marques Sobrinho, Abílio Probem, Osman Jacy, Alberto da Lyra,
Luiz de França, João Roberto, Targino Silveira, Amaral Ornellas, Cyro Borjona,
José Augusto Correa, Teixeira de Albuquerque, Garcia Redondo, Sandoval
Ornellas, Ignacio Bicoterio Detto. Há também muitos pseudônimos, entre os quais
prevalecem: Dulce Mar, Vesper, Dr. Xisto, K.C. Tinho, Rolinha do Bosque,
Seringueiro Acreano, Jodoval, Lince da Grei, Mar de Val, Matuto Embirense,
Ribeirinho, Carioca.
Embora
se dissesse quinzenal, A Alvorada, às vezes, contava com longos intervalos
entre uma edição e outra. A partir, por exemplo, do sexto ano, isto é, 1919, o
jornal acrescenta em seu cabeçalho o mote “humorístico”, tornando-se, assim, um
“Periódico Literário, Humorístico e Noticioso”. Entre seus redatores encontrava-se
Abílio Probem, que era tipógrafo, João Motta e Waldemar de Albuquerque, sob a
direção de Henri Froissart. A última edição que consta no acervo da Biblioteca
Nacional, data de 28 de fevereiro de 1919, o jornal estava em seu sétimo ano,
na edição de número 44.
A
poesia
Dos
32 exemplares pesquisados, e que constam digitalizados e disponibilizados no
acervo digital da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, no Rio Janeiro, apenas a
edição d’A Alvorada de 12 de outubro de 1915 (Ano III, N.27) não consta nenhum
poema. Ao todo, foram encontrados 49 poemas de 43 poetas diferentes, alguns a
constar apenas as iniciais do autor ou o pseudônimo. Dos 43, apenas quatro eram
mulheres, a saber: Maria Augusta Menezes, Maria Jacy Menezes, ambas com poemas
de amor, Soledade d’Albuquerque, com uma poesia de cunho religiosa e o
pseudônimo LIA-ANA, com um soneto de amor. Os demais poetas são: Rocha do
Brazil, Alberto Jacyranha, Fritz-Night, Zelio, Pery, Antonio d’A. Sabo de
Oliveira, Myrto d’Alva (pseudônimo do poeta Ulisses Castelo Branco), Adalberto
Rosas, Criseo Tyreo, Ruhtra Nilo, Romiluz, João do Muru, Oscar Castello Branco,
Marques Sobrinho, A. T. ou C., A. Q., Chico do Acre, Vesper, Poty Potyguara,
Francisco C. Araújo, Gonçalves Crespo, A. P. (Abílio Probem, provavelmente),
Felicio Flavio, S. S., Dilermando Cruz, anônimo, Levy Saavedra, Arthur Roberto,
Daniel Valle, Lauro Sombra, Felix Pedreira, Paulo Borba, Julio Olympio, Rozildo
Bracha, Roberto Cruz, Furtado Filho, Apollo, X. e Moura Azeredo.
A
forma poética que predomina é a do soneto, ao todo, vinte e oito. Talvez por
inspiração bilaquiana. Mas há, também, quadras, tercetos, entre outros, a
constar, em todos, a presença de rimas. Os poemas gravitam, a maioria, em torno
de temas como o amor, onde se sobressai os apelos, encantos, frustrações, advertências
e galanteios ao público feminino. O fato de o jornal ser feito por jovens, e,
sobretudo, destinado a eles, talvez explique a proficiência da temática. Todavia
há, ainda, os de cunho religioso, ufanista, político e existencial.
Por
fim, a existência d’A Alvorada, um entre diversos jornais locais, nos leva a
questionar a tese comum a certas historiografias que afirmam ser a colonização
dessa região feita predominante por pessoas rudes, de pouca ou nenhuma
instrução, ainda que, certamente, houvesse. Como se explica a abundância de
jornais numa cidade que não tinha mais que dois mil moradores? Por outro lado,
sabe-se que o jornal era expressão, se não da elite financeira, certamente da
elite intelectual que estava a se formar, composta por promissores jovens de
“boas famílias”. No entanto, é preciso frisar, a massa que habitava as cidades se
diferenciava da que habitava os seringais. A Alvorada circulava tanto por um
quanto por outra. Todavia, nos fica a incógnita se, a furar a barreira dos
barracões, ele conseguia chegar aos distantes centros, onde viviam e
trabalhavam os seringueiros. Estamos propensos, dado as evidências, a pensar
que não. Embora houvessem textos que fossem feitos e enviados dos seringais,
eles eram de autoria dos filhos de seringalistas, e não propriamente dos
seringueiros. Porém, devido à falta de algumas edições, e de informações de
quem eram os autores, muita coisa ainda fica em aberto e a se responder.
Poemas
de A ALVORADA
MUSAS
PASSADO CONJUGADO
Rocha do Brazil
Quando eu te amei,
fizeste o mesmo, e nos amamos
Com tanto esforço,
tanta asneira e tanta lida,
Que eu te jurei, tu
me juraste e então juramos
Que nunca mais nós
dois brigávamos, querida.
E desde então,
retendo as mágoas, nos juntamos
Com tanta ardência e
tanta história tão sentida,
Que eu te noivei, tu
me noivaste e então noivamos
Na quadra ardente
mais gentil de nossa vida.
Passou-se o tempo, e
foste ingrata, e nos perdemos
Tu te afastaste, eu
me afastei, nos afastamos
Sem nos lembrarmos do
contrato que fizemos.
Tu me beijaste, eu te
beijei, nós nos beijamos,
Tu me esqueceste, eu
te esqueci, nos esquecemos,
Tu me deixaste, eu te
deixei, nós nos deixamos.
A Alvorada, 14 de
julho de 1913, Ano I, N. 1, p.1
SONHOS...
Alberto Jacyranha
(Ao Dr. Pedro Leite)
Ausente de ti...
deslumbrante Eunice,
Vivo os tempos idos
recordando!
Lembras-te ainda do
momento em q’eu disse:
Amo-te muito, e
morrerei te amando?...
Não te esqueças, Eunice,
um só instante,
D’aquela tarde
cândida e feliz;
Em que tu eras a
estrela cintilante,
E eu o desventurado
cantor de Beatriz!
Eu desejava... ó
querida Eunice
Que n’aquela hora o
céu nos cobrisse
Com um manto de prata
e pétalas de rosa.
À noite... penso em
ti, meu peito estua,
E vejo-te em sonhos
inteiramente nua,
Como a deusa pagã,
tão majestosa.
A Alvorada, 14 de
julho de 1913, Ano I, N. 1, p.2
AVE MARIA
Soledade d’Albuquerque
Tarde serena, amorosa
Oh! que infinita
poesia
No céu, nuvens cor de
rosa
Vão passando em
romaria...
Morre a tarde
silenciosa,
Tudo diz
hipocondria...
Apenas se ouve
saudosa
Vibração: Ave Maria!
Ricos, pobres, se
ajoelhando
À Mãe de Deus vão
saudando
Nessa angélica
oração.
Ave Maria, eu
murmuro...
E sinto um eflúvio
puro
Me invadindo o
coração.
A Alvorada, 14 de
julho de 1913, Ano I, N. 1, p.2
JAMAIS HEUREUX
Fritz-Night
Feliz?... Jamais
serei, em toda vida,
enquanto o peito
palpitar de amor,
e minh’alma carpir,
entristecida,
da fria indiferença a
grande dor!
Feliz?! Quando
minh’alma arrependida
de amar tanto, de
amar com tanto ardor,
e, exercitada em
muita e muita lida,
viver d’angústias?
Quando morta for?
Ser feliz é sentir no
peito quente
pulsar o coração
apaixonado
de virgem meiga a nos
amar, ardente.
Feliz?! Jamais serei,
pois não me é dado
e sentir e dizer
eternamente:
Sou feliz porque sou,
amando, amado...
A Alvorada, 14 de
julho de 1913, Ano I, N. 1, p.3
A FLOR
Zelio
Pelas folhas de uma
rosa
Vi uma flor sorrir,
Fui-lhes logo as boas
novas
Dos meus amores
pedir.
Não respondeu:
ponderou-se
Sobre o cálix de uma
rosa
E desfolhou n’um
bafejo
A florinha tão mimosa
Quedei-me triste:
este agouro
É talvez dos meus
amores;
Brisa da morte
esfolhou-se,
Como esfolhou estas flores
Enganei-me, que eram
vivos
(Oh!) antes fossem
assim!
Eram vivos para
outrem
Eram mortos para mim.
A Alvorada, 14 de
julho de 1913, Ano I, N. 1, p.3
CORAÇÃO QUE SOFRE
Pery
Ai! que vida, que
tormento,
Que sina, que
maldição!
Pranto e dor, e sentimento,
Trago neste coração.
A Alvorada, 14 de
julho de 1913, Ano I, N. 1, p.4
HINO PATRIÓTICO
Antonio d’A. Sabo de
Oliveira
Terra livre, pátria
amada,
Terra de beleza e
arte,
Pátria santa e
cobiçada
Sê bendita em toda
parte!
Quando Cabral te descobria,
Por sob um céu de
anil radiante,
Fulgiste como um
diamante,
Brilhaste como a luz
do dia!
Foi pelo meio da
floresta,
Entre selvagens
seminus,
Que ele te viu...
porém que festa,
Que maravilha e
quanta luz!
Quanta grandeza
palpitante...
Debaixo desse vasto
azul,
Viu-te, Brasil, como
um gigante,
Deitado, assim, de
Norte a Sul.
Não viu porém, o teu
primeiro
Descobridor, oh meu
país,
Que ias talvez no
mundo inteiro
Ser o mais belo e
mais feliz!
Pátria livre, pátria
amada,
Terra de beleza, etc,
etc.
A Alvorada, 31 de
outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.1
NOITE DE INVERNO
Myrto d’Alva
(A um poeta)
Foi n’uma noite
assim, flor, de astros apagados,
Que a morte arrebatou
desses braços franzinos
Tua doce mulher, a
mãe daqueles hinos,
Feitos longe daqui, à
sombra dos valados.
O céu azul, o mar, a
viração dos prados,
Tudo era triste como
a voz triste dos sinos,
Na noite em que subiu
aos paramos divinos,
Essa santa senhora,
exemplo dos casados.
É por isso que quando
a tarde vem caindo,
Envolvendo a natura
em negro e denso mato,
Eu te vejo chorar,
olhando o céu infindo...
É que vês nesse céu –
país maldito e santo –
Alguém, um anjo teu,
tão luminoso e lindo,
Que te adorou demais
e que adoraste tanto!
A Alvorada, 31 de
outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.2
PENSAR NÃO PENSAR
Adalberto Rosas
(Para alguém)
Pensar em ti, oh!
querida
É ter um Éden na vida
Juncado talvez de
flores...
Onde um bando de
anjinhos
Bem ledos quais
passarinhos
Soltam cânticos de
amores.
Não pensar em ti,
querida,
É ter um inferno na
vida,
E viver qual
condenado...
Sem nunca obter
ventura
Vivendo em plena
amargura
Sendo sempre um
desgraçado.
A Alvorada, 31 de
outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.2
QUANDO ERAS
CRIANCINHA...
Criseo Tyreo
Tu, Maria, quando
criancinha,
Juntavas retalinhos
de chita,
E pedias, ao teu
primo, fita
P’ra enfeitar a tua
bonequinha!
Era interessante e
bonitinha...
E tu depois de
vesti-la, aflita
Ficavas, e achavas
tão catita
Que beijava-lhes a
rósea boquinha,
Dizendo: como é
interessante
O olhar imóvel e
fascinante
De minha querida
bonequinha!...
E, assim passaste a
mocidade!...
Resta-te, hoje,
somente saudade
Dos tempos quando
eras criancinha...
A Alvorada, 31 de
outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.2
A LÁGRIMA
Ruhtra Nilo
Bálsamo que despimos
de noss’alma,
Se no seio sentimo-la
ferida:
Ou por paixão no
coração retida,
Ou se a dor nos
arrebata a calma.
Ídolo que no rosto se
derrama
Simbolizada na paixão
fingida;
E se de luto fica
revestida,
– Faz então, no seio
a sua cama.
Tem aroma de dor e
d’amargura;
E quando se desfaz a
acre sensação
Da noss’alma quando
em vão procura
Afagar no peito a
ruim paixão;
Ou de quando vivemos
no estertor, –
– Da miséria vencidos
de horror.
A Alvorada, 31 de
outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.2
CONSELHO CONJUGAL
Romiluz
Dizem que o casamento
é um abismo,
Onde caem os
incautos, tão somente.
Não, digo eu, não! O
celibatarismo
É, o inimigo atroz de
toda gente.
É o condutor fatal da
impuridade,
O pastor horroroso e
repelente,
Casulo transmissor da
incastidade,
Que cai sobre a
família brutalmente.
Digo também, casar
senhores é,
Como a ciência, a
imagem do progresso,
É como a cruz, o
símbolo da fé.
Mas, é porém preciso
que os casais,
Saibam, como o poeta
mede o verso,
Medir os mandamentos
conjugais.
A Alvorada, 31 de
outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.3
ESTROFE
João do Murú
(À M. J. B.)
Quando apertei Maria
A tua linda mão,
Pequenina e macia,
Enorme comoção
Repleta d’alegria
Sentiu meu coração
Quando apertei, Maria
A tua linda mão!
A Alvorada, 31 de
outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.3
AMOR FICTÍCIO
Oscar Castello Branco
(À F... M...)
Não me impressionou o
teu Amor fingido;
Casa-te, mulher,
expande os teus desejos!
Mas não mostres ao
teu noivo estremecido,
Sobre tua boca a
sombra de meus beijos!
O meu coração está
quase esquecido,
Dos teus negros olhos
cálidos Lampejos!
Hoje sinto nos lábios
um beijo querido,
Ouço murmúrios
ternos, benfazejos...
Odeio-te, Mulher,
porque foste infiel,
Consentiste q’minha
alma tragasse fel,
P’ra se realizar o
teu Sonho Predileto.
Tudo enfim, q’me
disseste, era loucura;
E eu perdoo sorrindo
esta Amargura,
Quando acabares de
ler este Soneto.
Rio Muru
A Alvorada, 31 de
outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.3
DEUS
Marques Sobrinho
(Oú est le Dieu?)
No mar, na terra, no
céu na corrente
da fonte cristalina
que desliza;
na flor, no lento
perpassar da brisa,
das aves no cantar
dulciloquente;
No plano campo ou
prado enverdecente,
no alto cume da serra
pitoresca;
no mergulhar da vaga
gigantesca,
no seio inculto da
floresta ingente;
Na terrível corrente
que amordaça
Ou no sentido pranto
da desgraça;
no vivo azul,
celeste, lá dos céus;
No mais oculto canto
da natura,
no próprio coração da
criatura
e enfim, em tudo que
existe, existe Deus!
A Alvorada, 31 de
outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.4
IRMÃS DE CARIDADE
A. T. ou C
Essas que aí vão em
longa fila e aos pares,
Vestindo azul, mais
fortes que a saudade,
Abandonaram pais,
amigos, lares,
Festas e risos pela
caridade.
Firmes, afrontam
guerras, pestes, mares,
Sem ambições, somente
por piedade;
Levam consolo à todos
os pesares,
Têm carinhos de mãe
para a orfandade.
Sobre as cabeças onde
passou breve
Um sonho, olhai, como
singela e calma,
Cada uma passa
conduzindo, leve,
Uma serena borboleta
espalma,
Simbolizando, em seu
alvor de neve
Toda a doçura que
lhes mora n’alma.
A Alvorada, 15 de
março de 1915, Nº19, Ano III, p.1
SONETO
LIA-ANA
Quem sabe se é,
talvez, por f’licidade,
Ou tormento, que
vejo-te e procuro
Ouvir da tua voz, com
ansiedade:
As doces notas –
símb’los de amor puro...
Sinto a mágoa e a dor
e o desalento!
D’esta vida tão
triste e tão cansada;
A fugir eu vejo-te
n’um momento
P’lo sol d’uma
esperança amargurada.
Dos céus bênçãos
caiam em teu caminho...
Deus te pague, meu
bem, todo o carinho
Do teu bondoso olhar
tão lindo e brando!!
Ai, meu Deus, eu peço
por ventura
Esta suave e tímida
amargura,
De ver o meu amor de
quando em quando.
A Alvorada, 15 de
março de 1915, Ano III, Nº19, p.2
SONETO
Adalberto Rosas
(para alguém)
Amo a formosa, a
encantadora
Menina que, logo à
tardinha,
Senta-se numa
cadeirinha,
Próxima à casa aonde
mora.
E muitas vezes assim
cora,
Vendo-me ao longe,
essa santinha,
Pensando essa hora,
assim sozinha,
N’um moço de tempos
de outr’ora...
Às vezes traja uma
formosa
Bem justa e delicada
bata,
Que a torna assim
bastante airosa.
Ah! Quando eu passo,
junto a santa,
Um quer que seja me
arrebata:
– É seu rosto que me
encanta!
A Alvorada, 15 de
março de 1915, Ano III, Nº19, p.3
A CASA DO CORAÇÃO
A. Q.
O coração tem dois
quartos
neles moram, sem se
ver
num a Dor, noutro o
Prazer.
Quando o Prazer, no
seu quarto,
acorda cheio de ardor
no seu adormece a
Dor.
Cuidado, Prazer!
Cautela...
fala e ri, mas
devagar...
não vás a Dor
acordar.
A Alvorada, 11 de
abril de 1915, Ano III, N.20, p.1
TERCETOS
Maria Augusta Menezes
Quanto pesar eu sinto
por não ver-te!
Entanto espero que um
só momento
Tu não me esqueças;
nunca hei de esquecer-te.
Quão feliz que seria
se ao vento
Perguntando por ti,
me respondesse:
– Ele sempre te traz
no pensamento.
Quanto prazer gozava
se pudesse
Ver-te bem junto a
mim; juntos n’um ninho
Feito por nós, que
apenas nos coubesse.
Quanto prazer gozava
se de arminho
O amor conduzisse-nos
a um leito
De flores, risos, –
cheios de carinho!
A Alvorada, 13 de
maio de 1915, Ano III, N.21, p.1
NO CAMPO
Chico do Acre
– Oh campo querido e
amado,
Tu porque estás
triste assim,
Muito seco e
acabrunhado?...
Oh! que tristeza sem
fim!...
Quantas vezes, eu,
sozinho,
Correndo de estrada
afora,
Em busca de
passarinho,
Brinquei-te, oh campo
d’agora!...
Hoje, vendo-te
isolado,
O que me vem em
lembrança:
– Saudade do meu
passado!...
– Vida alegre, a de
criança!...
A Alvorada, 13 de
maio de 1915, Ano III, N.21, p.2
SONETO
Maria Jacy Menezes
Maria Jacy Menezes
Coração que muito
sente,
Por não te ver ao meu
lado,
Carpirá eternamente
Se não cumprir o seu
fado.
Entretanto, a Deus
clemente,
Pede o triste e
contristado,
Prazer, amor
refulgente,
Delicias do seu
passado!...
Tenho esperança de um
dia
Ver-te junto a mim
gozando,
Este amor que
acaricia;
Noss’alma, oh! meu
anjo adorado,
Amando a mim, e eu te
amando,
– Num idílio
apaixonado!
A Alvorada, 13 de
maio de 1915, Ano III, N.21, p.3
POSTAL
Vesper
Postal mimoso, meigo
e delicado,
Cheio de encanto,
graça e formosura,
O teu, nele continha
a essência pura
Da rosa, inteiramente
perfumado.
Nele dizias, com
meiga ternura,
Que amando estavas e
que eras amada
E com linguagem doce
e delicada,
Transportaste-me a um
céu de ventura.
Falaste-me em
firmeza, finalmente,
Em tudo, foste boa.
Calaste a dor
Que em meu peito
fremia fortemente...
Reposta não pediste,
terna flor!
Mas..., amplexo te
envio alegremente,
Oh! musa, oh! deusa,
oh! meu querido amor!
A Alvorada, 13 de
maio de 1915, Ano III, N.21, p.3
SONETO
Poty Potyguara
(À alguém)
Para guiar-me os vacilantes
passos
Pela senda escabrosa
desta vida,
Falta-me o doce
amparo dos teus braços
E a luz divina desse
olhar, querida.
Jesus, trilhando a
dolorosa via,
Sofreu; mas, para
suavizar-lhe a pena,
Teve o sagrado pranto
de Maria,
E o apaixonado amor
de Magdalena...
Mas, eu, que sigo,
só, triste e precito,
Por este mundo
tumultuoso e vario,
Hei de morrer assim
como um maldito,
Muito antes de chegar
a meu Calvário.
E, no momento em que
perder a fala,
Eu não terei na minha
cabeceira,
Assim como Jesus, uma
Magdala
Para beijar-me à hora
derradeira...
A Alvorada, 29 de
agosto de 1915, Ano III, N.25, p.2
ESTROFE
Chico do Acre
Este amor que me
devora
O coração, senhorita,
Foi gerado num
momento,
Quando eu vos
cumprimentei!
E desde esse triste instante
Meu coração vos
adora,
Soluça, geme e
palpita,
Faz queixa sentida ao
vento!
.......................
P’ra que, mulher, vos
amei
E tornei-me vosso
amante?!
A Alvorada, 29 de
agosto de 1915, Ano III, N.25, p.2
SAUDADE
Francisco C. Araújo
(À minha noiva Analia)
Quanta saudade eu
sinto quando ausente
De ti, na solidão,
anjo querido,
Quantas vezes me
sinto entristecido
À recordar nossa
paixão fremente?!
Quantas vezes, da
dor, se vê ferido,
Nas chamas vivas
d’este amor ardente,
Meu pobre coração que
tanto sente:
Não poder ver-te, oh!
anjo extremido...
Destino negro o meu,
– devo dizer-te,
Que já sinto
minh’alma quase inerte
– Crivada pelas setas
que lhe invade.
Mas quero, no
entanto, recordar-te
Que não deixará nunca
de adorar-te
– Meu coração, que
morre de saudade!
A Alvorada, 29 de
agosto de 1915, Ano III, N.25, p.4
LENDO-AS...
Vesper
Sonho, esperanças,
ilusão, quimera,
Minh’alma embalam em
ridente enleio,
Quando em doce manhã
de primavera,
As tuas cartas
perfumadas leio.
Sinto-me bem feliz,
quando o não era,
Quando sonho
deitar-me no teu seio;
De beijos devorá-lo –
ah! Se pudera,
Então nas chamas da
paixão me ateio.
Sinto, pois, que o
meu ser todo se agita;
Ébrio de amor meu
coração palpita,
Num palpitar dolente,
terno e alheio...
Mas longe estou de
ti, meu doce amor!
Só? Só me resta um
lenitivo à dor:
– São tuas cartas
quando, triste, as leio.
A Alvorada, 29 de
agosto de 1915, Ano III, N.25, p.4
A IMPRENSA
Gonçalves Crespo
Eu sou a Imprensa
Deusa sublime
Que face a face
Castiga o crime!
Sou a palavra
Da sã verdade
Na grande luta
Da liberdade!
Estendo os braços
Para os vencidos,
Enxugo o pranto
Dos oprimidos:
Eu sou a Imprensa,
Deusa sublime,
Que face a face
Castiga o crime!
Não tenho pátria
Mas tenho berço;
De fronte erguida
Corro o universo!
Não há tesouro
Que me fascine,
Nem ameaça
Que me fulmine!
Para os covardes
Sou a vingança,
P’ra o vitimado,
Sou a esperança...
Eu sou a aurora
Da liberdade,
Eu sou a Imprensa,
Sou a verdade.
A Alvorada, 28 de
setembro de 1915, Ano III, N.26, p.1
O TIPÓGRAFO
A. P.
Curva sobre a caixa
do tipo enegrecido
O corpo, trabalhando
o herói compositor,
Molhado de suor – o
modo aborrecido
Em frente a um
inimigo – o mau Revisor!
A noite vai em meio;
a lua resplandece
No firmamento azul de
estrelas semeado;
E enquanto o
querosene as máquinas aquece
Emenda ainda provas o
pobre, o desgraçado!
E vai assim... e
morre, aos poucos definhando,
A recompensa é
escassa, vive pobremente;
E às vezes, com tristeza
ainda ele vai cantando
Poema doloroso ou
música dolente!...
Um dia, o pobrezinho,
à fria sepultura
Vai descansar enfim,
jogado como um vil!...
(Findou do miserável
a crua desventura)
Sem louros, sem
glórias, paupérrimo senil!...
D’ele apenas fica
saudoso, com afeto,
Silencioso, mesto, ao
compungir da dor,
É um velho amigo
certo – um mísero objeto
De ferro enferrujado:
– é o seu “componedor”.
A Alvorada, 28 de
setembro de 1915, Ano III, N.26, p.2
MONGE
Felicio Flavio
Noite. Entre as verdes
franças do arvoredo,
O vento passa a
gargalhar, lá fora.
Estarrecido de pavor
e medo
O velho monge, no
mosteiro, chora.
– “Fou n’uma noite,
diz, como esta agora,
De um céu assim,
enfarruscado e tredo,
Que nos meus braços,
apertando, Cora,
Arrebatei-lhe o seu
maior segredo...
Rosa que pende,
espetalado lírio,
Ela, tremeu
enraivecida e louca,
Quando, beijei-lhe em
sensual delírio...
Não sei onde estará
neste momento!
Nunca mais osculei
aquela boca,
E nunca mais sai
deste convento... –”
A Alvorada, 28 de
setembro de 1915, Ano III, N.26, p.4
VERSOS
Chico do Acre
(À uma senhorita)
Quando te vejo,
menina,
A minha alma fica
aflita
Mais o meu sangue se
agita,
Quando te vejo,
menina,
Com esse laço de
fita!
Se eu, a tardinha, te
vejo*
Pela rua a passear,
De te pegar e beijar,
Oh! santo Deus! que
desejo!
Se eu, a tardinha te
vejo
Mais se aumenta o meu
penar!
Eu, se te vejo ao
piano,
Correndo os dedos
macios
Nas teclas, fazendo
trios,
Sinto-me alegre, me
ufano
Eu, se te vejo ao
piano
E a voz sair-te dos
lábios!
Se eu te vejo e tu me
vês,
E o nosso olhar se
fitando,
Vou cada vez mais te
amando,
Mais te amando cada
vez,
Se eu te vejo e tu me
vês
Toda hora, de quando
em quando.
A Alvorada, 15 de
dezembro de 1915, Ano III, N.28, p.1
VAIDADE
S. S.
Se eu fosse velho,
dava-te conselhos,
que te servissem de
farol na vida,
mas à minha palavra
colorida
falha a prudente
sensatez dos velhos.
A Beleza é uma glória
fementida
é o fogo imenso de
clarões vermelhos...
– E a Dor? – A Dor e
a Morte são espelhos
onde a ciência
perfeita é refletida.
Foge à fascinação
moral da chama,
que a juventude dalma
te alvoroça...
a verdade é modesta;
é uma centelha...
Foge à vaidade fátua
que te aclama,
que os galanteios que
recebes, moça,
serão motejos, quando
fores velha...
A Alvorada, 15 de
dezembro de 1915, Ano III, N.28, p.2
TIRADENTES
Dilermando Cruz
“É em nome de el-rei”
o arauto exclama,
Diante do povo,
ansioso e alvoroçado.
“Que este que contra
as leis do reino trama,
Seja diante do povo
justiçado”
“Assim o ordena
el-rei e lei reclama
Para que aos maus o
exemplo seja dado”,
Disse e partiu. Vai
começar o drama
E o cadafalso a ser
alevantado,
Chega, em breve, o
momento do martírio,
A multidão comprime-se
em delírio
A murmurar ameaças
entre dentes...
Encarando de frente,
o cadafalso,
Sobe-o, sereno e
firme, passo a passo,
O vulto varonil de
Tiradentes!
A Alvorada, 21 de
abril de 1916, Ano IV, N.32, p.2
ANNITA (DIÁLOGO)
Vem cá Annita,
P’ra onde vais
Assim tão bonita,
Tão por demais?!
– P’ra onde vou!
Vou passear;
Que tem isto,
P’ra perguntar?
Eu não lhe tenho
Contas a dar.
– Bem sei, meu anjo,
Mas... oh! perdoa...
Porque te zangas
Assim à toa?!
Não vês que é noite!
Só por aí...
Me dás cuidado.
Gosto de ti.
Gosta de mim!...
Eu não sabia;
Pois, meu amor,
Té outro dia.
– Vem cá, querida,
Não sejas má!
Fala comigo
Anda, vem cá.
Junto contigo
Queres q’eu vá?
– Junto comigo!
Que gentileza!...
Muito obriga
Pela fineza;
A noite é clara,
Parece dia
E não preciso
De companhia.
– Olha, louquinha,
Deixa q’eu vá...
A rua é cheia
De gente má!...
– Disto, bem sei.
De tudo há;
Por isto mesmo,
Fique-se lá.
A Alvorada, 14 de
julho de 1916, Ano IV, N.34, p.2
DESEJO
Levy Saavedra
(À ela)
Nunca mais me
esqueci, virgem formosa,
Dessa noite de festa
e de alegria...
Daquela linda valsa
misteriosa,
Do teu nome sagrado
de Maria!
Não sabias por ti
quanto sofria,
Quando entre a minha
tua mão mimosa
Com receio apertava,
e recebia
A luz doce do teu
olhar de rosa.
Jamais esqueci,
gentil morena,
Enquanto de manhã
brilhar serena,
A estrela d’Alva que
me viu chorar
No astro do sonho é
que minh’alma adeja,
Se as asas pousar ela
só deseja
Adormecer nos braços
teus, sonhar!
Foz do Jordão
A Alvorada, 14 de
julho de 1916, Ano IV, N.34, p.2
A PORTUGAL
Arthur Roberto
Feriu-te, enfim, a
guerra desumana,
Pátria formosa e
forte em demasia,
Quando feliz a tua
gente ufana
Arava os campos no
albor do dia.
Mas, a formosa raça
lusitana,
Que nas lides de
Marte nunca esfria,
Ergue-se altiva,
heroica e soberana
Num seguro penhor de
galhardia.
É assim, ó Portugal –
velho guerreiro
Que ao fragor da
batalha não se assusta –
Te vais à guerra
audaz e sobranceiro.
Que esse teu gesto
passe às gerações,
Qual seguimento da
epopeia augusta
Que ao mundo inteiro
recitou Camões!
A Alvorada, 14 de
julho de 1916, Ano IV, N.34, p.3
O TEU RETRATO
Daniel Valle
Num cofrezinho
d’oiro, ornado de brilhantes,
É com carinho e amor
o teu retrato posto,
Para evitar, assim,
que uns olhos causticantes,
O porte sonhador,
perturbem do teu rosto.
Quando mirá-lo vou, à
hora da saudade,
Pulsar com força
sinto o pobre coração,
Como se aos pés do
Cristo cheio de bondade
Receber ele fosse a
santa comunhão.
No entretanto qual é
o motivo da alegria?
Abraço, beijo, falo
mas me não envia
Um gesto, uma palavra
que minore a dor!?
Desesperado, então,
suplico ao Poderoso
Que o original me dê,
pois é-me doloroso
O tumular silêncio de
uma imagem, oh! flor!
A Alvorada, 14 de julho
de 1916, Ano IV, N.34, p.3
NEGRA
Lauro Sombra
Quando Negra chegou,
nesta cidade,
De saia curta,
esbelta e pequenina,
Gerou tal amizade,
Que toda gente,
unânime, dizia
Ser ela a mais
simpática menina
Que nesta terra
havia.
Pisara este torrão desconhecido
Como quem pisa
estranhos lugarejos,
Pois tinha inda o
espírito embebido
Nos paternais e
inconsoláveis beijos.
Era triste demais
Nossa cidadezinha.
E ela, nos seus ais,
Retendo a mágoa que
seu peito aninha,
Tinha, às vezes,
saudades de seus pais,
De sua terra, ai! bem
saudades tinha.
Hoje está moça. É
linda; e, sempre bela,
Guarda a altivez dos
grandes corações,
Se sai à rua, os
moços, para vê-la,
Correm logo à janela,
Inflados de paixões.
O povo deste terra,
(Que é rainha de
todas as aldeias)
Sempre que dela fala,
Sente o sangue
correr-lhe pelas veias,
Tal qual a água que
corre numa vala
Do alto de uma serra.
Por exceção de regra,
Às vezes vejo a
encantadora Negra,
Por essas tardes
claras e serenas,
A brincar no jardim
Com seu sobrinhozinho,
um querubim
De seis meses apenas.
Ambos são lindos,
ambos inocentes:
Ele, o bem pequenito,
O Djalma bonito,
Diverte-a com
gracejos surpreendentes.
Ela, a jovem formosa,
Alegre e prazerosa,
Vê no sorriso desse
inocentinho,
Toda a sua alma
angélica e bondosa
A desdobrar-se em
nuvens de carinho.
Negra – nome caseiro
que contrasta
Com sua cor d’um
claro amorenado –
Dá-nos a ideia
luminosa e vasta
D’uma alma alegre e
casta
E um peito imaculado.
Dês que ela aqui
chegou,
Linda e gentil, tal impressão
gerou,
Que toda gente,
unânime, hoje, insiste
Em afirmar ser
A mais linda donzela
Que nesta terra
existe.
A Alvorada, 27 de
agosto de 1916, Ano IV, N.35, p.1
OLHOS DE MARIA
Felix Pedreira
Esses teus olhos,
Maria,
Ternos, doridos, tristonhos,
Causam-me sempre
alegria
Quando os encontro em
meus sonhos.
Maria, os teus olhos
tristes
São como uns sóis
indecisos:
Flamejam, brilham, se
insistes
Em m’os volver com
teus risos.
Teus olhos brilham de
dia
Como faróis entre
escolhos.
Deus os conserve,
Maria,
Deus guarde sempre os
teus olhos.
A Alvorada, 27 de
agosto de 1916, Ano IV, N.35, p.2
POSTAIS
Paulo Borba
(À sábia mulher que adoro)
Para que, em sonhos,
te afoites
A dar-me a flor do
teu pejo,
Vergas o corpo aos
açoites
Dos furacões do
desejo...
Beijas-me todas as
noites!
Todas as noites te
beijo!
Rasga esses teus
alfarrábios,
Joga-os à margem do
leito.
Deixa de lado os teus
sábios,
Esses fantoches sem
jeito...
Teus lábios junta a
meus lábios!
Teu peito encosta a
meu peito!
A Alvorada, 27 de
agosto de 1916, Ano IV, N.35, p.3
LÁGRIMA DA NOIVA
Julio Olympio
Lágrima ardente,
pérola que desce
Dos olhos de uma
noiva, escrínio santo,
Onde de amor em
beijos estremece
Da virgindade o
delicado manto.
Joia tremente que desaparece
Nuns seios virgens de
mulher, enquanto
Sai da inocência a
derradeira prece
Cristalizada em ti,
gota de pranto!
Raro penhor que Deus
concede à virgem,
Quando do amor nas
fúrias da procela,
Tomba de gozos, na
fatal vertigem:
Gota de pranto, peregrina
estrela,
De uma flor preciosa
tens a origem
Murchando n’uma c’roa
de donzela!
A Alvorada, 8 de
outubro de 1916, Ano IV, N.37, p.1
MEU VIVER
Rocha do Brazil
Já viste, por
ventura, um trêmulo velhinho
Tateando pela
estrada, em prantos, em soluços,
E ao retalhar os pés
nas pedras dos caminhos,
Sentindo-se abatido,
em lágrimas, sozinho,
Tombar, tombar,
tombar... cair depois de bruços?
Pois bem. Como o
velhinho exausto e solitário
Eu sigo o meu destino
estúpido e sem calma...
E pobre, e cego, e
triste, e louco, e mudo, e vário,
Já vou sentindo ao
longe o espectro funerário
Da morte que espedaça
as crenças de nossa alma.
A Alvorada, 8 de
outubro de 1916, Ano IV, N.37, p.2
CANTARES
Rozildo Bracha
Quando a tarde vai
morrendo,
Quando a noite vem
chegando,
Vai minh’alma
entristecendo,
Vai meu peito
espanejando
Tantos sonhos, tantas
dores,
Tanta lágrima
sentida,
Vendo a flor da minha
vida
Desfolhar-se entre as
mais flores.
Como um pobre e mau
poeta
Quase todos os
instantes
Vou cravando a aguda
seta
Sobre os seios das
amantes.
Vou soltando os
meigos laços
Destas quadras tão
penosas,
Vendo as virgens
lacrimosas
Desmaiarem nos meus
braços.
Quando, à noite, a
lua cheia
Vai tornando o céu de
prata,
Qual a voz de uma
sereia
Numa ardente serenata,
Canto a dor dessa
donzela
Que, chorando por
meus cantos,
Ficou triste, imersa
em prantos,
Debruçada na
janela...
Quantas sombras,
quantas mágoas,
Quantos gritos
desumanos,
Não se escondem como
as águas
Dos profundos
oceanos!...
E depois de tantas
coisas,
Tanto amor, tantas
folias,
Murcha a flor das
alegrias
Brota a flor das
brancas lousas.
Já me falta tanta
calma,
Já me sobram tantas
dores,
Que nos antros de
minh’alma
Vejo em prantos meus
amores.
Sinto o céu já tão
tristonho
Que, nos golpes desta
vida,
Minha crença
espavorida
Quer a morte em vez
de sonho.
Virgem pura, virgem
casta,
Virgem santa e tão
formosa,
Teu fulgor é que me
arrasta
Nesta vida assaz e
penosa.
Dá-me, ó santa, a tua
glória
Nesta ardência tão
secreta:
– Serei sempre o teu
poeta!
– Serás tu minha
vitória!
Viveremos bem
juntinhos,
Numa paz, numa união,
Quais dois cândidos
pombinhos
Pelas tardes de
verão...
Que prazer, minha
morena,
Quando vires a teu
lado
Teu poeta enamorado
Numa noite erma e
serena!
As mimosas borboletas
Sobre nós, a rir, se
cruzem.
Deixa as vastas
etiquetas
Dos salões que te
seduzem.
Vem livrar-me destas
dores,
Pois, em lágrima
sentida,
Vejo a flor de minha
vida
Desfolhar-se entre as
mais flores.
A Alvorada, 8 de
outubro de 1916, Ano IV, N.37, p.3
EXTASIS
Roberto Cruz
Quando ao teu lado eu
passo algumas horas
Bebendo a luz de teu
olhar bondoso,
Penso que a vida é
feita só de auroras
Que o mal do mundo
faz-me venturoso!
Se te deténs por mim
se te demoras
Em breve idílio que
me faz ditoso
Vejo em teus lábios
que de amor enfloras
Toda a ventura n’um
sorrir formoso.
Preso me fico à luz
de teu olhar
E a fala treme da
impressão do instante,
Quero tocar-te e
quero te falar,
E a comoção aumenta e
o ser inflama
A mente escalda,
altera-me o semblante
E sofre em ânsia o
coração que te ama!
A Alvorada, 18 de
fevereiro de 1917, Ano V, N.40, p.1
IN-EXCELSIS
Furtado Filho
Para exaltar a forma
caprichosa
Desse rosado seio
alabastrino,
Era preciso à rima
mais formosa
Os fulgores de um sol
adamantino.
Ser astro, ou ave,
querubim, ou rosa,
Para poder na música
de um hino,
Cantar a excelsa
carne esplendorosa
Desse teu corpo
helênico e divino...
E, luz, perfume e
som, pelo ar, disperso,
Vibrar... vibrar numa
ansiedade louca
A bendizer teu nome
em cada verso...
Se essa harmonia toda
assim for pouca,
Que, te celebre aos
olhos do Universo,
O beijo ardente que
te dei na boca...
A Alvorada, 18 de
fevereiro de 1917, Ano V, N.40, p.2
DESDITA
Apollo
A
que sorte fatal é que resisto
A
tanta mágoa, tanta dor chumbado...
Que
o meu viver é o lenho e eu sou Cristo
Que
levo a cruz onde hei de ser pregado.
Sinto morrer em mim
toda ventura,
Sei que da morte
muito perto disto...
E sofrendo esta dor
que me tortura,
– A que sorte fatal é
que resisto.
Mesmo assim vou
seguindo o meu destino,
Carpindo as dores de
meu triste fado...
Colado à vida qual
dobre d’um sino
A tanta mágoa, a
tanta dor chumbado.
O futuro, já sei, e
dou por visto,
Há tanto mal, tanto
pesar hórrido...
– O meu viver é lenho
– e eu sou Cristo.
Carrego o enorme peso
do passado
E a carga do
presente, convencido
Que levo a cruz onde
hei de ser pregado.
A Alvorada, 18 de
fevereiro de 1917, Ano V, N.40, p.3
SACRIFICADA
Felicio Flavio
Levas contigo a
virginal capela;
Vais para o altar e
vais para o degredo,
Pois no teu casto
rosto de donzela
Estampa-se o palor de
quem tem medo...
Tristonha flor,
emurchecida e bela,
De ti fugiu a ilusão
tão cedo!...
Hoje somente o teu
olhar revela
De teu penar, o
íntimo segredo.
Rosa florindo em
terra adusta e agra!
Colheu-te a garra
adunca do destino,
E o desconforto a tua
fronte sacra!
Porém, na angústia
atroz que te consome,
Lembrando o nosso
afeto peregrino,
Hás de chorar e
murmurar meu nome...
A Alvorada, 13 de
março de 1917, Ano V, N.41, p.2
QUADRAS SIMPLES
X.
(Diálogo)
– Que tens, morena,
Qu’estás assim...;
Tens, por acaso,
Raiva de mim!
– Não, não, não
tenho,
São brincadeiras,
Pois tu bem sabes
Minhas maneiras...
– Queres, então,
Brincar comigo?
Olha, não mangues;
Sou teu amigo!
– Eu bem o sei,
Mas... oh! perdoa
Se te ofendi
Assim a toa...
A Alvorada, 13 de
março de 1917, Ano V, N.41, p.2
JOÃO DE BARRO
Moura Azeredo
O João de Barro é uma
ave bem pequena
Em tamanho quase igual
ao sabiá.
De rubro rabo é a cor
de sua pena,
Da humana habitação
só perto está.
Não mora em ninhos de
pena ou de capim,
Mas, em casas que
constrói com arte e amor,
De rijo barro formato
de cupim.
Tendo uma porta uma
alcova e corredor.
Revoltado contra as
leis municipais,
Em terreno não
constrói; ao fisco mau,
Para furtar-se e a
mais custas federais,
Vai fazendo a sua
casa em alto pau.
A fiel e sempre boa
companheira
Muito ajuda nessa
edificação;
Veloz amarra e
carrega prazenteira,
O barro com qu’eles
erguem a construção.
Profundo astrólogo
meteorologista
Previne a chuva e do
vento a direção,
Para que a sua casa
bem resista
Lhe coloca sempre a
porta em oposição.
Revela muita gente: o
passarinho,
(Tal notícia me
causou não pouco espanto
Não trabalha na
feitura de seu ninho,
Nos domingos e também
nos dias santos).
E desta forma a
parelha venturosa
Levanta o prédio que
alegre, acolherá
Sua prole grasnadora,
esperançosa,
Que “le course do
flambeau” prosseguirá.
Conta a lenda que
qual Mouro de Veneza
É tão ciumento e
raivoso esse animal
Que, se, da esposa
ele cisma ou tem certeza,
Ser-lhe infiel no
dever, seu, conjugal,
A enclausura no casal
e fecha a porta,
Com o mesmo barro
empregado à construção;
E, ali, fica
emparedada e pobre, morta!
Transformando em
mausoléu a habitação...
A Alvorada, 28 de
fevereiro de 1919, Ano VII, N.44, p.5
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