segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

JORNAL A ALVORADA: HISTÓRIA E POESIA

Isaac Melo

“O objeto que indica a civilização do mundo – o jornal”
X.
(A Alvorada, 18.2.1917, Ano V, N.40, p.2)

Contexto histórico

A presença efetiva de exploradores e colonizadores brancos na região que hoje compõe o município de Tarauacá, berço de inúmeros povos indígenas, começou em fins do século XIX e início do XX. A economia da borracha, nesse período, dava ao país o segundo PIB. A borracha era tão valiosa, a ponto de ser chamada de o “ouro negro”, alcançando o seu apogeu em 1912, com o Brasil exportando mais de 42 mil toneladas do produto. Ironicamente, fastígio e miséria compunham as faces dessa mesma moeda. Sob o boom gomífero, cidades, como Manaus e Belém, vão viver a sua belle époque, elevando-se a condição de metrópoles em plena floresta amazônica.
É nesse contexto, inspirado, sobretudo, por essas duas metrópoles regionais, por sua vez, simulacro das metrópoles europeias, com seus teatros imponentes, cafés, jornais, etc. que as pequenas cidades e vilas também reivindicarão o seu ingresso na “civilização”. A imprensa, por meio dos jornais, era, por excelência, o símbolo da cultura, o signo do progresso, ao mesmo tempo em que significava o distanciamento, e mesmo, a negação da cultura local para dar lugar ao sentimento de pertencimento à “grande” civilização. E o modelo de civilização, em questão, é a europeia cristã.
Nesse sentido é que se pode compreender melhor a criação da imprensa em Tarauacá, seringal transformado em vila em 1907, esta elevada à categoria de cidade em 1913. Em uma década, por exemplo, de 1910 a 1920, nove jornais, de modesta a grande circulação, serão editados na cidade. O pioneiro é O MUNICÍPIO, cujo primeiro número saiu em 28 de setembro de 1910; seguido por A ALVORADA (14.7.1913); O ESTADO (29.1.1914); O TARAUACÁ (11.10.1914); EVOLUTIVO (15.4.1915); O DEPARTAMENTO (15.11.1914); JORNAL OFFICIAL (14.4.1916); A REFORMA (12.5.1918); e O REGIONAL (1917). Alguns tiveram vida curta; outros subsistiram, a mudar apenas de nome, conforme o prefeito da ocasião, quando se tratava de órgão público. O Município e A Reforma foram os de maior circulação e que mais tempo duraram. O primeiro circulou de 28 de setembro de 1910 a 26 de dezembro de 1937; o segundo, de 12 de maio 1918 a 25 de novembro de 1934.
Ressalte-se, ainda, que, à época, as cidades eram secundárias. Na região, a importância maior recaía sobre os seringais. Alguns seringais, com seus esmerados barracões, dispunham de “progressos” que só posteriormente chegariam às minúsculas cidades, como luz elétrica e pequenas fábricas de tecelagem, além de alambiques, engenhos etc. A sede do seringal, a depender da sua importância e tamanho, chegava a formar uma pequena vila. Não é a toa que praticamente todas as cidades do Acre surgiram a partir do núcleo de seringais. Portanto, os seringalistas, sequer, em muitas ocasiões, paravam na sede dos municípios. Dirigiam-se direto de seus seringais às cidades de Manaus e Belém. Nesse sentido é que, em alguns seringais, também era editado jornais, como é o caso de “O Porvir”, “jornalzinho” editado no seringal Paraíso, nos altos do rio Muru, por Bento Marques de Albuquerque, em 1915.


A Alvorada

A partir de 19 de abril de 1913, a região composta pela então Vila Seabra, Vila Feijó e Vila Jordão irá formar um novo departamento político-administrativo, o Departamento do Tarauacá, desmembrado do Alto Juruá. A sede do novo departamento será Seabra, que, cinco dias depois, 24 de abril, será decretada como cidade. Na ocasião, ela já dispunha de um jornal, O Município, que existia desde 28 de setembro de 1910. O proprietário e fundador era Pedro Gomes Leite Coelho (1859-1937), considerado também “o fundador da Imprensa no Alto Amazonas em 1886”, com o jornal O Purus, editado na cidade de Lábrea. Três anos depois da fundação d’O Município, os funcionários deste resolveram criar outro jornal, cuja preocupação principal não era mais as notícias, e, sim, o aspecto literário. E assim nasceu o pioneiro A ALVORADA.
A Alvorada circulou pela primeira vez no dia 14 de julho de 1913. A data é simbólica, e faz alusão a Tomada da Bastilha que, naquela ocasião, completava-se 124 anos. Certamente, a escolha da data deveu-se a presença de um jovem francês, de 18 anos, Henri Froissart, que era o chefe das oficinas do jornal O Município e um dos fundadores do nascente A Alvorada. Froissart será um nome importante na imprensa tarauacaense, como diretor e redator dos principais jornais da cidade, em suas primeiras décadas.
O jornal saía, de início, quinzenalmente. E se denominava “periódico literrario e noticioso, tendo por único fim o desenvolvimento intelectual da mocidade do Departamento”, cujas colunas estavam “à disposição de todos seus leitores”, e aceitavam “toda colaboração sobre literatura, (prosas, versos), logogrifos, enigmas e charadas.” Além de ser, talvez, o primeiro jornal em todo o território acreano dedicado exclusivamente à literatura, A Alvorada se caracterizava, ainda, por ser um jornal autoral, criado para dar vazão e expressão à produção local. Raramente encontra-se, em suas páginas, a reprodução de textos de “grandes” autores, como era comum em outros periódicos. O jornal não só publicava, bem como encorajava o surgimento de novos autores. Um dos quais, sob o pseudônimo de Dulce Mar, assim se manifesta:

À LUCTA, MOÇOS!
Moços tarauacaenses! Animae-vos, enchei vossos peitos de coragem em desenvolver vossas idéas! Expandi-vos com vossos escriptos, na grande lucta intellectual.
Aparecer na imprensa, é ver deante de nós, um horizonte, cuja nuvem, espessa, oculta o ambicionado Thezoiro da mocidade; é ter-se deante dos olhos a certeza da mais nobre tarefa, a qual é compensada com os elogios do generoso público. O jornal, como disse um grande historiador, é o melhor livro, estando ele ao alcance de todos; ele nos ensina praticamente, e, mais tarde, nos offerece um campo amplo, livre para exclarecermos o que pensamos, o que sentimos, e, finalmente, nos mostra um caminho que, seguindo-o com coragem, com o firme propósito de não recuar, assim como quem vae para uma glória, em busca d’um ideal, encontraremos o ponto terminal, que será justamente a segurança da phrase escripta e impressa!
*
*    *
Aqui tendes, moços, como eu, a lanterna que vos há de illuminar nesse túnel de difícil passagem!
Segui! Não encareis obstáculos e, lá, nas entranhas da terra, então, como se estivesses a sonhar coisas apenas imaginárias, vereis, longe, muito ao longe, um branco que, à princípio, se apresentará do tamanho d’uma ostia, e augmentará aos poucos, conforme o vosso avanço nas trevas: será, indubitavelmente, o clarão do céu, límpido, e, então, passareis d’uma phrase à outra; da escuridão, à luz, que é o cultivo da intelligência, obtido no livro do povo – a Imprensa.
E, d’esse modo, tereis ao vosso alcance o que julgastes impossível!
Ficar no indifferentismo, tendo um guia que nos póde conduzir ao mais elevado triumpho, é conservar, sinistramente, sob uma enorme pedra tumular, todas as esperanças que gyram dentro dos nossos corações de moços.
(A Alvorada, 18.2.1917, Ano V, N.40, p.1)

O texto “Nova Luz”, ao modo de editorial, que consta na primeira edição, escrito por alguém que se assina apenas por “S.” ressalta que o jornal é um convite para os que ainda não afeitos nem atirados ao mundo literário pudessem experimentar os seus primeiros voos:

Como um astro mais, dentre muitos já existentes no nosso amado solo pátrio, com luz a expandir focos d’ouro a illuminar os recônditos deste meio lettro-social, – nasce hoje A ALVORADA.
Este jornalzinho, creado por um pequeno grupo de amadores sinceros da vida publicista, embora não tendo as bases fundamentaes quer para a beleza de expressão de seus escriptos, devido à frágil competência de seus autores, jamais deixará de ser um guia, um mestre amigo dos que teem em mira esclarecer o espírito, expandir suas idéas.
A ALVORADA, prezadíssimos leitores, vem à luz para todos; tem como seu único programma, fazer o nosso desenvolvimento, o nosso engrandecimento, e, finalmente, o nosso conhecimento moral, physico e social.
Os seus fundadores notaram, por certo, algo de precisão de sua publicação, e foi procurando fazer desaparecer esta necessidade e satisfazer o desejo de seus apreciadores da mais bella canção da nossa vida – as letras, – os amigos das idéas fáceis, que por um esforço de nobre vontade, chegaram ao fim da rota almejada – crear um jornalzinho para os que ainda não feitos nem atirados ao mundo literário experimentarem seus primeiros voos.
Partiu-se, portanto, o elo que fortalecia este obstáculo: termina hoje a solução do desejado quão difícil problema; já temos um periódico para os pequenos adeptos do imortal Gutenberg.
Eis, pois, chegado o momento de fazerdes conhecidas as vossas idéas, educardes o vosso espírito, amardes com mais fervor as letras, dardes à instrucção o apreço merecido.
(A Alvorada, 14.7.1913, Ano I, N. 1, p.1)

É preciso lembrar que estamos a falar de uma Amazônia num tempo sem rádio, sem televisão, sem telefone, sem estradas, sem avião, onde o jornal era, talvez, o meio de comunicação mais eficiente e que alcançava os mais distantes lugares, ainda que com alguns meses de atraso. A Alvorada era mais uma possibilidade da pequena comunidade interagir, se reencontrar e se distrair, como ressalta Freire, num texto exaltando o aparecimento do jornal:

FIAT LUX
Salve hoje à luz da publicidade, A ALVORADA, que vem trazer à mocidade desta terra mais um momento de distração, de recreio e alegria.
O aparecimento d’A ALVORADA, devemos unicamente aos operários do ilustrado O MUNICÍPIO, que tiveram a feliz idea de fundal-a para o único fim do desenvolvimento de todo aquele que quiser aplicar-se às letras.
Muito bem!
E assim, que rejubilado, por ver mais um progresso nesta bella e futurosa villa Seabra, saúdo aos patrióticos fundadores d’A ALVORADA.
Salvé A ALVORADA!
Salvé os seus fundadores!
(A Alvorada, 14.7.1913, Ano I, N. 1, p.1)


O papel social do jornal é preponderante para a cidade. É uma forma de se manifestar e de se mostrar para o mundo. É uma afirmação de identidade, e um modo de expressar seus valores, e sua cultura.  Por isso, Felicio Flavio chamou o jornal de “desmedida temeridade”: “Para que negar, se aqui, nesta região esquecida da vida e dos homens, a que bem podia chamar-se o Paiz do Isolamento, é uma desmedida temeridade arrostar com um periódico qualquer, seja ele grande ou pequeno, literrario, ou politico?” (13.5.1915, Ano III, N.21, p.1). De fato, era uma empresa ousada criar e manter um jornal numa pequena cidade amazônica. Todavia o esforço, a sensibilidade e o talento de algumas pessoas, aliados à economia do látex, possibilitou tal empreitada. Além do mais, o jornal era também uma forma de integração e de dialogar com o mundo. Daí o sentimento de alegria, a cada edição, como escreveu L.L.: “E nós que aqui neste “charco seabrense”, como bem já o disse há tempos um nosso valente chronista, passamos uma vida mais vegetal do que humana, mergulhados sempre em mágoas e tristezas, devemos-nos sentir alegres cada vez que lemos um novo número d’A Alvorada.” (11.4.1915, Ano III, N.20, p.1)
Embora o jornal dissesse aceitar “toda colaboração sobre literatura”, nem tudo que era enviado era publicado. Havia um crivo, sobretudo para textos com graves erros de ortografia, o qual garantia certo nível de qualidade e/ou de exclusão social. Os textos rejeitados eram respondidos numa seção chamada “Caixa d’Alvorada”, onde se dizia, mordaz e claramente, os motivos da rejeição. Eis um exemplo:

Para isso não precisa ser ave; como deve saber, temos os Zeppellins que podem fazer o mesmo efeito ou melhor!..., mas a ortografia é que não se pode engulir!... Se acha que não é o que dizemos, olhe o primeiro trecho que não alteramos:
“Que trestezas cruéis tem se apuderado di mem neses poucos dias.” (Os gryphos são nossos). Bonito! Não é, sr. escritor?!... Além d’isso, o título não está d’accordo com as suas tristezas e a sua vontade de vôar!...
Volte à escola e venha dar o seu recado, ouviu seu commandante?!
(A Alvorada, 15.3.1915, Ano III, N.19, p.3)

A Alvorada, de modo geral, teve boa acolhida. Recebiam elogios, inclusive, “do belo sexo”, como faziam questão de registrar. Aliás, a mulher era um dos temas recorrentes no jornal. Por meio dos textos pode-se ter uma ideia da visão do homem acerca da mulher, ou de como se compreendia o protagonismo e o lugar da mulher na sociedade, que fica patente num texto escrito por Ramalho Ortigão: “A grande, elevada e importante função da mulher nas sociedades humanas não é ser boticária, jornalista ou ser doutora, é ser mãe e ser esposa.” Nesse tom prossegue, e arremata: “que tenha enfim, superiormente instruída, que não seja médica, filosófica, nem literata, e que empregue todo o seu espírito e todo o seu coração em ser unicamente uma esposa e uma mãe.” (21.4.1916, Ano IV, N.32)
Era comum, à época, a interação entre sociedades recreativas e grêmios literários, na permuta de exemplares, como ocorreu d’A Alvorada com a Sociedade Recreativa e Instrutiva Club “7 de Julho”, de Tubarão-SC e com o Grêmio Recreativo Sobralense, do Ceará. Também ocorria a permuta com outros jornais, como, por exemplo, “O Antigal”, de Salvador-BA e “A idéa”, de Teresina-PI.
O jornal, de quatro páginas, com exceção da última edição, com seis, era composto por artigos, que versavam sobre temas gerais (local, nacional ou internacional), crônicas, poesias, logogrifos, enigmas e charadas, esses três gêneros sempre a ocupar a última página. Ainda havia a sessão dos aniversariantes, das visitas, chegadas e partidas. Os autores mais recorrentes eram: Henri Froissart, Rocha do Brazil, Angelo Silveira, Floros Orlando, Adalberto Rosas, Paulo Viana, Alberto Jacyranha, J. Assumpção, Lino de Sá, Kallermann, Oscar Castelo Branco, José Pereira de Albuquerque, Arthur Castelo Branco, Lauro Rose, Walkmar, Raulino, Felicio Flavio, Marques Sobrinho, Abílio Probem, Osman Jacy, Alberto da Lyra, Luiz de França, João Roberto, Targino Silveira, Amaral Ornellas, Cyro Borjona, José Augusto Correa, Teixeira de Albuquerque, Garcia Redondo, Sandoval Ornellas, Ignacio Bicoterio Detto. Há também muitos pseudônimos, entre os quais prevalecem: Dulce Mar, Vesper, Dr. Xisto, K.C. Tinho, Rolinha do Bosque, Seringueiro Acreano, Jodoval, Lince da Grei, Mar de Val, Matuto Embirense, Ribeirinho, Carioca.
Embora se dissesse quinzenal, A Alvorada, às vezes, contava com longos intervalos entre uma edição e outra. A partir, por exemplo, do sexto ano, isto é, 1919, o jornal acrescenta em seu cabeçalho o mote “humorístico”, tornando-se, assim, um “Periódico Literário, Humorístico e Noticioso”. Entre seus redatores encontrava-se Abílio Probem, que era tipógrafo, João Motta e Waldemar de Albuquerque, sob a direção de Henri Froissart. A última edição que consta no acervo da Biblioteca Nacional, data de 28 de fevereiro de 1919, o jornal estava em seu sétimo ano, na edição de número 44.

A poesia

Dos 32 exemplares pesquisados, e que constam digitalizados e disponibilizados no acervo digital da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, no Rio Janeiro, apenas a edição d’A Alvorada de 12 de outubro de 1915 (Ano III, N.27) não consta nenhum poema. Ao todo, foram encontrados 49 poemas de 43 poetas diferentes, alguns a constar apenas as iniciais do autor ou o pseudônimo. Dos 43, apenas quatro eram mulheres, a saber: Maria Augusta Menezes, Maria Jacy Menezes, ambas com poemas de amor, Soledade d’Albuquerque, com uma poesia de cunho religiosa e o pseudônimo LIA-ANA, com um soneto de amor. Os demais poetas são: Rocha do Brazil, Alberto Jacyranha, Fritz-Night, Zelio, Pery, Antonio d’A. Sabo de Oliveira, Myrto d’Alva (pseudônimo do poeta Ulisses Castelo Branco), Adalberto Rosas, Criseo Tyreo, Ruhtra Nilo, Romiluz, João do Muru, Oscar Castello Branco, Marques Sobrinho, A. T. ou C., A. Q., Chico do Acre, Vesper, Poty Potyguara, Francisco C. Araújo, Gonçalves Crespo, A. P. (Abílio Probem, provavelmente), Felicio Flavio, S. S., Dilermando Cruz, anônimo, Levy Saavedra, Arthur Roberto, Daniel Valle, Lauro Sombra, Felix Pedreira, Paulo Borba, Julio Olympio, Rozildo Bracha, Roberto Cruz, Furtado Filho, Apollo, X. e Moura Azeredo.
A forma poética que predomina é a do soneto, ao todo, vinte e oito. Talvez por inspiração bilaquiana. Mas há, também, quadras, tercetos, entre outros, a constar, em todos, a presença de rimas. Os poemas gravitam, a maioria, em torno de temas como o amor, onde se sobressai os apelos, encantos, frustrações, advertências e galanteios ao público feminino. O fato de o jornal ser feito por jovens, e, sobretudo, destinado a eles, talvez explique a proficiência da temática. Todavia há, ainda, os de cunho religioso, ufanista, político e existencial.
Por fim, a existência d’A Alvorada, um entre diversos jornais locais, nos leva a questionar a tese comum a certas historiografias que afirmam ser a colonização dessa região feita predominante por pessoas rudes, de pouca ou nenhuma instrução, ainda que, certamente, houvesse. Como se explica a abundância de jornais numa cidade que não tinha mais que dois mil moradores? Por outro lado, sabe-se que o jornal era expressão, se não da elite financeira, certamente da elite intelectual que estava a se formar, composta por promissores jovens de “boas famílias”. No entanto, é preciso frisar, a massa que habitava as cidades se diferenciava da que habitava os seringais. A Alvorada circulava tanto por um quanto por outra. Todavia, nos fica a incógnita se, a furar a barreira dos barracões, ele conseguia chegar aos distantes centros, onde viviam e trabalhavam os seringueiros. Estamos propensos, dado as evidências, a pensar que não. Embora houvessem textos que fossem feitos e enviados dos seringais, eles eram de autoria dos filhos de seringalistas, e não propriamente dos seringueiros. Porém, devido à falta de algumas edições, e de informações de quem eram os autores, muita coisa ainda fica em aberto e a se responder.
Capa da 1ª edição de A Alvorada

Capa da 1ª edição de O Município

Capa 1ª edição de A Reforma


Poemas de A ALVORADA


MUSAS
PASSADO CONJUGADO
Rocha do Brazil

Quando eu te amei, fizeste o mesmo, e nos amamos
Com tanto esforço, tanta asneira e tanta lida,
Que eu te jurei, tu me juraste e então juramos
Que nunca mais nós dois brigávamos, querida.

E desde então, retendo as mágoas, nos juntamos
Com tanta ardência e tanta história tão sentida,
Que eu te noivei, tu me noivaste e então noivamos
Na quadra ardente mais gentil de nossa vida.

Passou-se o tempo, e foste ingrata, e nos perdemos
Tu te afastaste, eu me afastei, nos afastamos
Sem nos lembrarmos do contrato que fizemos.

Tu me beijaste, eu te beijei, nós nos beijamos,
Tu me esqueceste, eu te esqueci, nos esquecemos,
Tu me deixaste, eu te deixei, nós nos deixamos.

A Alvorada, 14 de julho de 1913, Ano I, N. 1, p.1


SONHOS...
Alberto Jacyranha

(Ao Dr. Pedro Leite)

Ausente de ti... deslumbrante Eunice,
Vivo os tempos idos recordando!
Lembras-te ainda do momento em q’eu disse:
Amo-te muito, e morrerei te amando?...

Não te esqueças, Eunice, um só instante,
D’aquela tarde cândida e feliz;
Em que tu eras a estrela cintilante,
E eu o desventurado cantor de Beatriz!

Eu desejava... ó querida Eunice
Que n’aquela hora o céu nos cobrisse
Com um manto de prata e pétalas de rosa.

À noite... penso em ti, meu peito estua,
E vejo-te em sonhos inteiramente nua,
Como a deusa pagã, tão majestosa.

A Alvorada, 14 de julho de 1913, Ano I, N. 1, p.2


AVE MARIA
Soledade d’Albuquerque

Tarde serena, amorosa
Oh! que infinita poesia
No céu, nuvens cor de rosa
Vão passando em romaria...

Morre a tarde silenciosa,
Tudo diz hipocondria...
Apenas se ouve saudosa
Vibração: Ave Maria!

Ricos, pobres, se ajoelhando
À Mãe de Deus vão saudando
Nessa angélica oração.

Ave Maria, eu murmuro...
E sinto um eflúvio puro
Me invadindo o coração.

A Alvorada, 14 de julho de 1913, Ano I, N. 1, p.2


JAMAIS HEUREUX
Fritz-Night

Feliz?... Jamais serei, em toda vida,
enquanto o peito palpitar de amor,
e minh’alma carpir, entristecida,
da fria indiferença a grande dor!

Feliz?! Quando minh’alma arrependida
de amar tanto, de amar com tanto ardor,
e, exercitada em muita e muita lida,
viver d’angústias? Quando morta for?

Ser feliz é sentir no peito quente
pulsar o coração apaixonado
de virgem meiga a nos amar, ardente.

Feliz?! Jamais serei, pois não me é dado
e sentir e dizer eternamente:
Sou feliz porque sou, amando, amado...

A Alvorada, 14 de julho de 1913, Ano I, N. 1, p.3


A FLOR
Zelio

Pelas folhas de uma rosa
Vi uma flor sorrir,
Fui-lhes logo as boas novas
Dos meus amores pedir.

Não respondeu: ponderou-se
Sobre o cálix de uma rosa
E desfolhou n’um bafejo
A florinha tão mimosa

Quedei-me triste: este agouro
É talvez dos meus amores;
Brisa da morte esfolhou-se,
Como esfolhou estas flores

Enganei-me, que eram vivos
(Oh!) antes fossem assim!
Eram vivos para outrem
Eram mortos para mim.

A Alvorada, 14 de julho de 1913, Ano I, N. 1, p.3


CORAÇÃO QUE SOFRE
Pery

Ai! que vida, que tormento,
Que sina, que maldição!
Pranto e dor, e sentimento,
Trago neste coração.

A Alvorada, 14 de julho de 1913, Ano I, N. 1, p.4


HINO PATRIÓTICO
Antonio d’A. Sabo de Oliveira

Terra livre, pátria amada,
Terra de beleza e arte,
Pátria santa e cobiçada
Sê bendita em toda parte!

Quando Cabral te descobria,
Por sob um céu de anil radiante,
Fulgiste como um diamante,
Brilhaste como a luz do dia!

Foi pelo meio da floresta,
Entre selvagens seminus,
Que ele te viu... porém que festa,
Que maravilha e quanta luz!

Quanta grandeza palpitante...
Debaixo desse vasto azul,
Viu-te, Brasil, como um gigante,
Deitado, assim, de Norte a Sul.

Não viu porém, o teu primeiro
Descobridor, oh meu país,
Que ias talvez no mundo inteiro
Ser o mais belo e mais feliz!

Pátria livre, pátria amada,
Terra de beleza, etc, etc.

A Alvorada, 31 de outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.1


NOITE DE INVERNO
Myrto d’Alva

(A um poeta)

Foi n’uma noite assim, flor, de astros apagados,
Que a morte arrebatou desses braços franzinos
Tua doce mulher, a mãe daqueles hinos,
Feitos longe daqui, à sombra dos valados.

O céu azul, o mar, a viração dos prados,
Tudo era triste como a voz triste dos sinos,
Na noite em que subiu aos paramos divinos,
Essa santa senhora, exemplo dos casados.

É por isso que quando a tarde vem caindo,
Envolvendo a natura em negro e denso mato,
Eu te vejo chorar, olhando o céu infindo...

É que vês nesse céu – país maldito e santo –
Alguém, um anjo teu, tão luminoso e lindo,
Que te adorou demais e que adoraste tanto!

A Alvorada, 31 de outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.2


PENSAR NÃO PENSAR
Adalberto Rosas

(Para alguém)

Pensar em ti, oh! querida
É ter um Éden na vida
Juncado talvez de flores...
Onde um bando de anjinhos
Bem ledos quais passarinhos
Soltam cânticos de amores.

Não pensar em ti, querida,
É ter um inferno na vida,
E viver qual condenado...
Sem nunca obter ventura
Vivendo em plena amargura
Sendo sempre um desgraçado.

A Alvorada, 31 de outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.2


QUANDO ERAS CRIANCINHA...
Criseo Tyreo

Tu, Maria, quando criancinha,
Juntavas retalinhos de chita,
E pedias, ao teu primo, fita
P’ra enfeitar a tua bonequinha!

Era interessante e bonitinha...
E tu depois de vesti-la, aflita
Ficavas, e achavas tão catita
Que beijava-lhes a rósea boquinha,

Dizendo: como é interessante
O olhar imóvel e fascinante
De minha querida bonequinha!...

E, assim passaste a mocidade!...
Resta-te, hoje, somente saudade
Dos tempos quando eras criancinha...

A Alvorada, 31 de outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.2


A LÁGRIMA
Ruhtra Nilo

Bálsamo que despimos de noss’alma,
Se no seio sentimo-la ferida:
Ou por paixão no coração retida,
Ou se a dor nos arrebata a calma.

Ídolo que no rosto se derrama
Simbolizada na paixão fingida;
E se de luto fica revestida,
– Faz então, no seio a sua cama.

Tem aroma de dor e d’amargura;
E quando se desfaz a acre sensação
Da noss’alma quando em vão procura

Afagar no peito a ruim paixão;
Ou de quando vivemos no estertor, –
– Da miséria vencidos de horror.

A Alvorada, 31 de outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.2


CONSELHO CONJUGAL
Romiluz

Dizem que o casamento é um abismo,
Onde caem os incautos, tão somente.
Não, digo eu, não! O celibatarismo
É, o inimigo atroz de toda gente.

É o condutor fatal da impuridade,
O pastor horroroso e repelente,
Casulo transmissor da incastidade,
Que cai sobre a família brutalmente.

Digo também, casar senhores é,
Como a ciência, a imagem do progresso,
É como a cruz, o símbolo da fé.

Mas, é porém preciso que os casais,
Saibam, como o poeta mede o verso,
Medir os mandamentos conjugais.

A Alvorada, 31 de outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.3


ESTROFE
João do Murú

(À M. J. B.)

Quando apertei Maria
A tua linda mão,
Pequenina e macia,
Enorme comoção
Repleta d’alegria
Sentiu meu coração
Quando apertei, Maria
A tua linda mão!

A Alvorada, 31 de outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.3


AMOR FICTÍCIO
Oscar Castello Branco

(À F... M...)

Não me impressionou o teu Amor fingido;
Casa-te, mulher, expande os teus desejos!
Mas não mostres ao teu noivo estremecido,
Sobre tua boca a sombra de meus beijos!

O meu coração está quase esquecido,
Dos teus negros olhos cálidos Lampejos!
Hoje sinto nos lábios um beijo querido,
Ouço murmúrios ternos, benfazejos...

Odeio-te, Mulher, porque foste infiel,
Consentiste q’minha alma tragasse fel,
P’ra se realizar o teu Sonho Predileto.

Tudo enfim, q’me disseste, era loucura;
E eu perdoo sorrindo esta Amargura,
Quando acabares de ler este Soneto.

Rio Muru

A Alvorada, 31 de outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.3


DEUS
Marques Sobrinho

(Oú est le Dieu?)

No mar, na terra, no céu na corrente
da fonte cristalina que desliza;
na flor, no lento perpassar da brisa,
das aves no cantar dulciloquente;

No plano campo ou prado enverdecente,
no alto cume da serra pitoresca;
no mergulhar da vaga gigantesca,
no seio inculto da floresta ingente;

Na terrível corrente que amordaça
Ou no sentido pranto da desgraça;
no vivo azul, celeste, lá dos céus;

No mais oculto canto da natura,
no próprio coração da criatura
e enfim, em tudo que existe, existe Deus!

A Alvorada, 31 de outubro de 1913, Nº8, Ano I, p.4


IRMÃS DE CARIDADE
A. T. ou C

Essas que aí vão em longa fila e aos pares,
Vestindo azul, mais fortes que a saudade,
Abandonaram pais, amigos, lares,
Festas e risos pela caridade.

Firmes, afrontam guerras, pestes, mares,
Sem ambições, somente por piedade;
Levam consolo à todos os pesares,
Têm carinhos de mãe para a orfandade.

Sobre as cabeças onde passou breve
Um sonho, olhai, como singela e calma,
Cada uma passa conduzindo, leve,

Uma serena borboleta espalma,
Simbolizando, em seu alvor de neve
Toda a doçura que lhes mora n’alma.

A Alvorada, 15 de março de 1915, Nº19, Ano III, p.1


SONETO
LIA-ANA

Quem sabe se é, talvez, por f’licidade,
Ou tormento, que vejo-te e procuro
Ouvir da tua voz, com ansiedade:
As doces notas – símb’los de amor puro...

Sinto a mágoa e a dor e o desalento!
D’esta vida tão triste e tão cansada;
A fugir eu vejo-te n’um momento
P’lo sol d’uma esperança amargurada.

Dos céus bênçãos caiam em teu caminho...
Deus te pague, meu bem, todo o carinho
Do teu bondoso olhar tão lindo e brando!!

Ai, meu Deus, eu peço por ventura
Esta suave e tímida amargura,
De ver o meu amor de quando em quando.

A Alvorada, 15 de março de 1915, Ano III, Nº19, p.2


SONETO
Adalberto Rosas

(para alguém)

Amo a formosa, a encantadora
Menina que, logo à tardinha,
Senta-se numa cadeirinha,
Próxima à casa aonde mora.

E muitas vezes assim cora,
Vendo-me ao longe, essa santinha,
Pensando essa hora, assim sozinha,
N’um moço de tempos de outr’ora...

Às vezes traja uma formosa
Bem justa e delicada bata,
Que a torna assim bastante airosa.

Ah! Quando eu passo, junto a santa,
Um quer que seja me arrebata:
– É seu rosto que me encanta!

A Alvorada, 15 de março de 1915, Ano III, Nº19, p.3


A CASA DO CORAÇÃO
A. Q.

O coração tem dois quartos
neles moram, sem se ver
num a Dor, noutro o Prazer.

Quando o Prazer, no seu quarto,
acorda cheio de ardor
no seu adormece a Dor.

Cuidado, Prazer! Cautela...
fala e ri, mas devagar...
não vás a Dor acordar.

A Alvorada, 11 de abril de 1915, Ano III, N.20, p.1


TERCETOS
Maria Augusta Menezes

Quanto pesar eu sinto por não ver-te!
Entanto espero que um só momento
Tu não me esqueças; nunca hei de esquecer-te.

Quão feliz que seria se ao vento
Perguntando por ti, me respondesse:
– Ele sempre te traz no pensamento.

Quanto prazer gozava se pudesse
Ver-te bem junto a mim; juntos n’um ninho
Feito por nós, que apenas nos coubesse.

Quanto prazer gozava se de arminho
O amor conduzisse-nos a um leito
De flores, risos, – cheios de carinho!

A Alvorada, 13 de maio de 1915, Ano III, N.21, p.1


NO CAMPO
Chico do Acre

– Oh campo querido e amado,
Tu porque estás triste assim,
Muito seco e acabrunhado?...
Oh! que tristeza sem fim!...

Quantas vezes, eu, sozinho,
Correndo de estrada afora,
Em busca de passarinho,
Brinquei-te, oh campo d’agora!...

Hoje, vendo-te isolado,
O que me vem em lembrança:
– Saudade do meu passado!...
– Vida alegre, a de criança!...

A Alvorada, 13 de maio de 1915, Ano III, N.21, p.2


SONETO
Maria Jacy Menezes

Coração que muito sente,
Por não te ver ao meu lado,
Carpirá eternamente
Se não cumprir o seu fado.

Entretanto, a Deus clemente,
Pede o triste e contristado,
Prazer, amor refulgente,
Delicias do seu passado!...

Tenho esperança de um dia
Ver-te junto a mim gozando,
Este amor que acaricia;

Noss’alma, oh! meu anjo adorado,
Amando a mim, e eu te amando,
– Num idílio apaixonado!

A Alvorada, 13 de maio de 1915, Ano III, N.21, p.3


POSTAL
Vesper

Postal mimoso, meigo e delicado,
Cheio de encanto, graça e formosura,
O teu, nele continha a essência pura
Da rosa, inteiramente perfumado.

Nele dizias, com meiga ternura,
Que amando estavas e que eras amada
E com linguagem doce e delicada,
Transportaste-me a um céu de ventura.

Falaste-me em firmeza, finalmente,
Em tudo, foste boa. Calaste a dor
Que em meu peito fremia fortemente...

Reposta não pediste, terna flor!
Mas..., amplexo te envio alegremente,
Oh! musa, oh! deusa, oh! meu querido amor!

A Alvorada, 13 de maio de 1915, Ano III, N.21, p.3


SONETO
Poty Potyguara

(À alguém)

Para guiar-me os vacilantes passos
Pela senda escabrosa desta vida,
Falta-me o doce amparo dos teus braços
E a luz divina desse olhar, querida.

Jesus, trilhando a dolorosa via,
Sofreu; mas, para suavizar-lhe a pena,
Teve o sagrado pranto de Maria,
E o apaixonado amor de Magdalena...

Mas, eu, que sigo, só, triste e precito,
Por este mundo tumultuoso e vario,
Hei de morrer assim como um maldito,
Muito antes de chegar a meu Calvário.

E, no momento em que perder a fala,
Eu não terei na minha cabeceira,
Assim como Jesus, uma Magdala
Para beijar-me à hora derradeira...

A Alvorada, 29 de agosto de 1915, Ano III, N.25, p.2


ESTROFE
Chico do Acre

Este amor que me devora
O coração, senhorita,
Foi gerado num momento,
Quando eu vos cumprimentei!
E desde esse triste instante
Meu coração vos adora,
Soluça, geme e palpita,
Faz queixa sentida ao vento!
.......................
P’ra que, mulher, vos amei
E tornei-me vosso amante?!

A Alvorada, 29 de agosto de 1915, Ano III, N.25, p.2


SAUDADE
Francisco C. Araújo

(À minha noiva Analia)

Quanta saudade eu sinto quando ausente
De ti, na solidão, anjo querido,
Quantas vezes me sinto entristecido
À recordar nossa paixão fremente?!

Quantas vezes, da dor, se vê ferido,
Nas chamas vivas d’este amor ardente,
Meu pobre coração que tanto sente:
Não poder ver-te, oh! anjo extremido...

Destino negro o meu, – devo dizer-te,
Que já sinto minh’alma quase inerte
– Crivada pelas setas que lhe invade.

Mas quero, no entanto, recordar-te
Que não deixará nunca de adorar-te
– Meu coração, que morre de saudade!

A Alvorada, 29 de agosto de 1915, Ano III, N.25, p.4


LENDO-AS...
Vesper

Sonho, esperanças, ilusão, quimera,
Minh’alma embalam em ridente enleio,
Quando em doce manhã de primavera,
As tuas cartas perfumadas leio.

Sinto-me bem feliz, quando o não era,
Quando sonho deitar-me no teu seio;
De beijos devorá-lo – ah! Se pudera,
Então nas chamas da paixão me ateio.

Sinto, pois, que o meu ser todo se agita;
Ébrio de amor meu coração palpita,
Num palpitar dolente, terno e alheio...

Mas longe estou de ti, meu doce amor!
Só? Só me resta um lenitivo à dor:
– São tuas cartas quando, triste, as leio.

A Alvorada, 29 de agosto de 1915, Ano III, N.25, p.4


A IMPRENSA
Gonçalves Crespo

Eu sou a Imprensa
Deusa sublime
Que face a face
Castiga o crime!
Sou a palavra
Da sã verdade
Na grande luta
Da liberdade!

Estendo os braços
Para os vencidos,
Enxugo o pranto
Dos oprimidos:
Eu sou a Imprensa,
Deusa sublime,
Que face a face
Castiga o crime!

Não tenho pátria
Mas tenho berço;
De fronte erguida
Corro o universo!
Não há tesouro
Que me fascine,
Nem ameaça
Que me fulmine!

Para os covardes
Sou a vingança,
P’ra o vitimado,
Sou a esperança...
Eu sou a aurora
Da liberdade,
Eu sou a Imprensa,
Sou a verdade.

A Alvorada, 28 de setembro de 1915, Ano III, N.26, p.1


O TIPÓGRAFO
A. P.

Curva sobre a caixa do tipo enegrecido
O corpo, trabalhando o herói compositor,
Molhado de suor – o modo aborrecido
Em frente a um inimigo – o mau Revisor!

A noite vai em meio; a lua resplandece
No firmamento azul de estrelas semeado;
E enquanto o querosene as máquinas aquece
Emenda ainda provas o pobre, o desgraçado!

E vai assim... e morre, aos poucos definhando,
A recompensa é escassa, vive pobremente;
E às vezes, com tristeza ainda ele vai cantando
Poema doloroso ou música dolente!...

Um dia, o pobrezinho, à fria sepultura
Vai descansar enfim, jogado como um vil!...
(Findou do miserável a crua desventura)
Sem louros, sem glórias, paupérrimo senil!...

D’ele apenas fica saudoso, com afeto,
Silencioso, mesto, ao compungir da dor,
É um velho amigo certo – um mísero objeto
De ferro enferrujado: – é o seu “componedor”.

A Alvorada, 28 de setembro de 1915, Ano III, N.26, p.2


MONGE
Felicio Flavio

Noite. Entre as verdes franças do arvoredo,
O vento passa a gargalhar, lá fora.
Estarrecido de pavor e medo
O velho monge, no mosteiro, chora.

– “Fou n’uma noite, diz, como esta agora,
De um céu assim, enfarruscado e tredo,
Que nos meus braços, apertando, Cora,
Arrebatei-lhe o seu maior segredo...

Rosa que pende, espetalado lírio,
Ela, tremeu enraivecida e louca,
Quando, beijei-lhe em sensual delírio...

Não sei onde estará neste momento!
Nunca mais osculei aquela boca,
E nunca mais sai deste convento... –”

A Alvorada, 28 de setembro de 1915, Ano III, N.26, p.4


VERSOS
Chico do Acre

(À uma senhorita)

Quando te vejo, menina,
A minha alma fica aflita
Mais o meu sangue se agita,
Quando te vejo, menina,
Com esse laço de fita!

Se eu, a tardinha, te vejo*
Pela rua a passear,
De te pegar e beijar,
Oh! santo Deus! que desejo!
Se eu, a tardinha te vejo
Mais se aumenta o meu penar!

Eu, se te vejo ao piano,
Correndo os dedos macios
Nas teclas, fazendo trios,
Sinto-me alegre, me ufano
Eu, se te vejo ao piano
E a voz sair-te dos lábios!

Se eu te vejo e tu me vês,
E o nosso olhar se fitando,
Vou cada vez mais te amando,
Mais te amando cada vez,
Se eu te vejo e tu me vês
Toda hora, de quando em quando.

A Alvorada, 15 de dezembro de 1915, Ano III, N.28, p.1


VAIDADE
S. S.

Se eu fosse velho, dava-te conselhos,
que te servissem de farol na vida,
mas à minha palavra colorida
falha a prudente sensatez dos velhos.

A Beleza é uma glória fementida
é o fogo imenso de clarões vermelhos...
– E a Dor? – A Dor e a Morte são espelhos
onde a ciência perfeita é refletida.

Foge à fascinação moral da chama,
que a juventude dalma te alvoroça...
a verdade é modesta; é uma centelha...

Foge à vaidade fátua que te aclama,
que os galanteios que recebes, moça,
serão motejos, quando fores velha...

A Alvorada, 15 de dezembro de 1915, Ano III, N.28, p.2


TIRADENTES
Dilermando Cruz

“É em nome de el-rei” o arauto exclama,
Diante do povo, ansioso e alvoroçado.
“Que este que contra as leis do reino trama,
Seja diante do povo justiçado”

“Assim o ordena el-rei e lei reclama
Para que aos maus o exemplo seja dado”,
Disse e partiu. Vai começar o drama
E o cadafalso a ser alevantado,

Chega, em breve, o momento do martírio,
A multidão comprime-se em delírio
A murmurar ameaças entre dentes...

Encarando de frente, o cadafalso,
Sobe-o, sereno e firme, passo a passo,
O vulto varonil de Tiradentes!

A Alvorada, 21 de abril de 1916, Ano IV, N.32, p.2


ANNITA (DIÁLOGO)

Vem cá Annita,
P’ra onde vais
Assim tão bonita,
Tão por demais?!

– P’ra onde vou!
Vou passear;
Que tem isto,
P’ra perguntar?
Eu não lhe tenho
Contas a dar.
– Bem sei, meu anjo,
Mas... oh! perdoa...
Porque te zangas
Assim à toa?!
Não vês que é noite!
Só por aí...
Me dás cuidado.
Gosto de ti.

Gosta de mim!...
Eu não sabia;
Pois, meu amor,
Té outro dia.

– Vem cá, querida,
Não sejas má!
Fala comigo
Anda, vem cá.
Junto contigo
Queres q’eu vá?

– Junto comigo!
Que gentileza!...
Muito obriga
Pela fineza;
A noite é clara,
Parece dia
E não preciso
De companhia.

– Olha, louquinha,
Deixa q’eu vá...
A rua é cheia
De gente má!...

– Disto, bem sei.
De tudo há;
Por isto mesmo,
Fique-se lá.

A Alvorada, 14 de julho de 1916, Ano IV, N.34, p.2


DESEJO
Levy Saavedra

(À ela)

Nunca mais me esqueci, virgem formosa,
Dessa noite de festa e de alegria...
Daquela linda valsa misteriosa,
Do teu nome sagrado de Maria!

Não sabias por ti quanto sofria,
Quando entre a minha tua mão mimosa
Com receio apertava, e recebia
A luz doce do teu olhar de rosa.

Jamais esqueci, gentil morena,
Enquanto de manhã brilhar serena,
A estrela d’Alva que me viu chorar

No astro do sonho é que minh’alma adeja,
Se as asas pousar ela só deseja
Adormecer nos braços teus, sonhar!

Foz do Jordão

A Alvorada, 14 de julho de 1916, Ano IV, N.34, p.2


A PORTUGAL
Arthur Roberto

Feriu-te, enfim, a guerra desumana,
Pátria formosa e forte em demasia,
Quando feliz a tua gente ufana
Arava os campos no albor do dia.

Mas, a formosa raça lusitana,
Que nas lides de Marte nunca esfria,
Ergue-se altiva, heroica e soberana
Num seguro penhor de galhardia.

É assim, ó Portugal – velho guerreiro
Que ao fragor da batalha não se assusta –
Te vais à guerra audaz e sobranceiro.

Que esse teu gesto passe às gerações,
Qual seguimento da epopeia augusta
Que ao mundo inteiro recitou Camões!

A Alvorada, 14 de julho de 1916, Ano IV, N.34, p.3


O TEU RETRATO
Daniel Valle

Num cofrezinho d’oiro, ornado de brilhantes,
É com carinho e amor o teu retrato posto,
Para evitar, assim, que uns olhos causticantes,
O porte sonhador, perturbem do teu rosto.

Quando mirá-lo vou, à hora da saudade,
Pulsar com força sinto o pobre coração,
Como se aos pés do Cristo cheio de bondade
Receber ele fosse a santa comunhão.

No entretanto qual é o motivo da alegria?
Abraço, beijo, falo mas me não envia
Um gesto, uma palavra que minore a dor!?

Desesperado, então, suplico ao Poderoso
Que o original me dê, pois é-me doloroso
O tumular silêncio de uma imagem, oh! flor!

A Alvorada, 14 de julho de 1916, Ano IV, N.34, p.3


NEGRA
Lauro Sombra

Quando Negra chegou, nesta cidade,
De saia curta, esbelta e pequenina,
Gerou tal amizade,
Que toda gente, unânime, dizia
Ser ela a mais simpática menina
Que nesta terra havia.

Pisara este torrão desconhecido
Como quem pisa estranhos lugarejos,
Pois tinha inda o espírito embebido
Nos paternais e inconsoláveis beijos.

Era triste demais
Nossa cidadezinha.
E ela, nos seus ais,
Retendo a mágoa que seu peito aninha,
Tinha, às vezes, saudades de seus pais,
De sua terra, ai! bem saudades tinha.

Hoje está moça. É linda; e, sempre bela,
Guarda a altivez dos grandes corações,
Se sai à rua, os moços, para vê-la,
Correm logo à janela,
Inflados de paixões.

O povo deste terra,
(Que é rainha de todas as aldeias)
Sempre que dela fala,
Sente o sangue correr-lhe pelas veias,
Tal qual a água que corre numa vala
Do alto de uma serra.

Por exceção de regra,
Às vezes vejo a encantadora Negra,
Por essas tardes claras e serenas,
A brincar no jardim
Com seu sobrinhozinho, um querubim
De seis meses apenas.

Ambos são lindos, ambos inocentes:
Ele, o bem pequenito,
O Djalma bonito,
Diverte-a com gracejos surpreendentes.
Ela, a jovem formosa,
Alegre e prazerosa,
Vê no sorriso desse inocentinho,
Toda a sua alma angélica e bondosa
A desdobrar-se em nuvens de carinho.

Negra – nome caseiro que contrasta
Com sua cor d’um claro amorenado –
Dá-nos a ideia luminosa e vasta
D’uma alma alegre e casta
E um peito imaculado.

Dês que ela aqui chegou,
Linda e gentil, tal impressão gerou,
Que toda gente, unânime, hoje, insiste
Em afirmar ser
A mais linda donzela
Que nesta terra existe.

A Alvorada, 27 de agosto de 1916, Ano IV, N.35, p.1


OLHOS DE MARIA
Felix Pedreira

Esses teus olhos, Maria,
Ternos, doridos, tristonhos,
Causam-me sempre alegria
Quando os encontro em meus sonhos.

Maria, os teus olhos tristes
São como uns sóis indecisos:
Flamejam, brilham, se insistes
Em m’os volver com teus risos.

Teus olhos brilham de dia
Como faróis entre escolhos.
Deus os conserve, Maria,
Deus guarde sempre os teus olhos.

A Alvorada, 27 de agosto de 1916, Ano IV, N.35, p.2


POSTAIS
Paulo Borba

(À sábia mulher que adoro)

Para que, em sonhos, te afoites
A dar-me a flor do teu pejo,
Vergas o corpo aos açoites
Dos furacões do desejo...
Beijas-me todas as noites!
Todas as noites te beijo!

Rasga esses teus alfarrábios,
Joga-os à margem do leito.
Deixa de lado os teus sábios,
Esses fantoches sem jeito...
Teus lábios junta a meus lábios!
Teu peito encosta a meu peito!

A Alvorada, 27 de agosto de 1916, Ano IV, N.35, p.3


LÁGRIMA DA NOIVA
Julio Olympio

Lágrima ardente, pérola que desce
Dos olhos de uma noiva, escrínio santo,
Onde de amor em beijos estremece
Da virgindade o delicado manto.

Joia tremente que desaparece
Nuns seios virgens de mulher, enquanto
Sai da inocência a derradeira prece
Cristalizada em ti, gota de pranto!

Raro penhor que Deus concede à virgem,
Quando do amor nas fúrias da procela,
Tomba de gozos, na fatal vertigem:

Gota de pranto, peregrina estrela,
De uma flor preciosa tens a origem
Murchando n’uma c’roa de donzela!

A Alvorada, 8 de outubro de 1916, Ano IV, N.37, p.1


MEU VIVER
Rocha do Brazil

Já viste, por ventura, um trêmulo velhinho
Tateando pela estrada, em prantos, em soluços,
E ao retalhar os pés nas pedras dos caminhos,
Sentindo-se abatido, em lágrimas, sozinho,
Tombar, tombar, tombar... cair depois de bruços?
Pois bem. Como o velhinho exausto e solitário
Eu sigo o meu destino estúpido e sem calma...
E pobre, e cego, e triste, e louco, e mudo, e vário,
Já vou sentindo ao longe o espectro funerário
Da morte que espedaça as crenças de nossa alma.

A Alvorada, 8 de outubro de 1916, Ano IV, N.37, p.2


CANTARES
Rozildo Bracha

Quando a tarde vai morrendo,
Quando a noite vem chegando,
Vai minh’alma entristecendo,
Vai meu peito espanejando
Tantos sonhos, tantas dores,
Tanta lágrima sentida,
Vendo a flor da minha vida
Desfolhar-se entre as mais flores.

Como um pobre e mau poeta
Quase todos os instantes
Vou cravando a aguda seta
Sobre os seios das amantes.
Vou soltando os meigos laços
Destas quadras tão penosas,
Vendo as virgens lacrimosas
Desmaiarem nos meus braços.

Quando, à noite, a lua cheia
Vai tornando o céu de prata,
Qual a voz de uma sereia
Numa ardente serenata,
Canto a dor dessa donzela
Que, chorando por meus cantos,
Ficou triste, imersa em prantos,
Debruçada na janela...

Quantas sombras, quantas mágoas,
Quantos gritos desumanos,
Não se escondem como as águas
Dos profundos oceanos!...
E depois de tantas coisas,
Tanto amor, tantas folias,
Murcha a flor das alegrias
Brota a flor das brancas lousas.

Já me falta tanta calma,
Já me sobram tantas dores,
Que nos antros de minh’alma
Vejo em prantos meus amores.
Sinto o céu já tão tristonho
Que, nos golpes desta vida,
Minha crença espavorida
Quer a morte em vez de sonho.

Virgem pura, virgem casta,
Virgem santa e tão formosa,
Teu fulgor é que me arrasta
Nesta vida assaz e penosa.
Dá-me, ó santa, a tua glória
Nesta ardência tão secreta:
– Serei sempre o teu poeta!
– Serás tu minha vitória!

Viveremos bem juntinhos,
Numa paz, numa união,
Quais dois cândidos pombinhos
Pelas tardes de verão...
Que prazer, minha morena,
Quando vires a teu lado
Teu poeta enamorado
Numa noite erma e serena!

As mimosas borboletas
Sobre nós, a rir, se cruzem.
Deixa as vastas etiquetas
Dos salões que te seduzem.
Vem livrar-me destas dores,
Pois, em lágrima sentida,
Vejo a flor de minha vida
Desfolhar-se entre as mais flores.

A Alvorada, 8 de outubro de 1916, Ano IV, N.37, p.3


EXTASIS
Roberto Cruz

Quando ao teu lado eu passo algumas horas
Bebendo a luz de teu olhar bondoso,
Penso que a vida é feita só de auroras
Que o mal do mundo faz-me venturoso!

Se te deténs por mim se te demoras
Em breve idílio que me faz ditoso
Vejo em teus lábios que de amor enfloras
Toda a ventura n’um sorrir formoso.

Preso me fico à luz de teu olhar
E a fala treme da impressão do instante,
Quero tocar-te e quero te falar,

E a comoção aumenta e o ser inflama
A mente escalda, altera-me o semblante
E sofre em ânsia o coração que te ama!

A Alvorada, 18 de fevereiro de 1917, Ano V, N.40, p.1


IN-EXCELSIS
Furtado Filho

Para exaltar a forma caprichosa
Desse rosado seio alabastrino,
Era preciso à rima mais formosa
Os fulgores de um sol adamantino.

Ser astro, ou ave, querubim, ou rosa,
Para poder na música de um hino,
Cantar a excelsa carne esplendorosa
Desse teu corpo helênico e divino...

E, luz, perfume e som, pelo ar, disperso,
Vibrar... vibrar numa ansiedade louca
A bendizer teu nome em cada verso...

Se essa harmonia toda assim for pouca,
Que, te celebre aos olhos do Universo,
O beijo ardente que te dei na boca...

A Alvorada, 18 de fevereiro de 1917, Ano V, N.40, p.2


DESDITA
Apollo

A que sorte fatal é que resisto
A tanta mágoa, tanta dor chumbado...
Que o meu viver é o lenho e eu sou Cristo
Que levo a cruz onde hei de ser pregado.

Sinto morrer em mim toda ventura,
Sei que da morte muito perto disto...
E sofrendo esta dor que me tortura,
– A que sorte fatal é que resisto.

Mesmo assim vou seguindo o meu destino,
Carpindo as dores de meu triste fado...
Colado à vida qual dobre d’um sino
A tanta mágoa, a tanta dor chumbado.

O futuro, já sei, e dou por visto,
Há tanto mal, tanto pesar hórrido...
– O meu viver é lenho – e eu sou Cristo.

Carrego o enorme peso do passado
E a carga do presente, convencido
Que levo a cruz onde hei de ser pregado.

A Alvorada, 18 de fevereiro de 1917, Ano V, N.40, p.3


SACRIFICADA
Felicio Flavio

Levas contigo a virginal capela;
Vais para o altar e vais para o degredo,
Pois no teu casto rosto de donzela
Estampa-se o palor de quem tem medo...

Tristonha flor, emurchecida e bela,
De ti fugiu a ilusão tão cedo!...
Hoje somente o teu olhar revela
De teu penar, o íntimo segredo.

Rosa florindo em terra adusta e agra!
Colheu-te a garra adunca do destino,
E o desconforto a tua fronte sacra!

Porém, na angústia atroz que te consome,
Lembrando o nosso afeto peregrino,
Hás de chorar e murmurar meu nome...

A Alvorada, 13 de março de 1917, Ano V, N.41, p.2


QUADRAS SIMPLES
X.
(Diálogo)

– Que tens, morena,
Qu’estás assim...;
Tens, por acaso,
Raiva de mim!

– Não, não, não tenho,
São brincadeiras,
Pois tu bem sabes
Minhas maneiras...

– Queres, então,
Brincar comigo?
Olha, não mangues;
Sou teu amigo!

– Eu bem o sei,
Mas... oh! perdoa
Se te ofendi
Assim a toa...

A Alvorada, 13 de março de 1917, Ano V, N.41, p.2


JOÃO DE BARRO
Moura Azeredo

O João de Barro é uma ave bem pequena
Em tamanho quase igual ao sabiá.
De rubro rabo é a cor de sua pena,
Da humana habitação só perto está.

Não mora em ninhos de pena ou de capim,
Mas, em casas que constrói com arte e amor,
De rijo barro formato de cupim.
Tendo uma porta uma alcova e corredor.

Revoltado contra as leis municipais,
Em terreno não constrói; ao fisco mau,
Para furtar-se e a mais custas federais,
Vai fazendo a sua casa em alto pau.

A fiel e sempre boa companheira
Muito ajuda nessa edificação;
Veloz amarra e carrega prazenteira,
O barro com qu’eles erguem a construção.

Profundo astrólogo meteorologista
Previne a chuva e do vento a direção,
Para que a sua casa bem resista
Lhe coloca sempre a porta em oposição.

Revela muita gente: o passarinho,
(Tal notícia me causou não pouco espanto
Não trabalha na feitura de seu ninho,
Nos domingos e também nos dias santos).

E desta forma a parelha venturosa
Levanta o prédio que alegre, acolherá
Sua prole grasnadora, esperançosa,
Que “le course do flambeau” prosseguirá.

Conta a lenda que qual Mouro de Veneza
É tão ciumento e raivoso esse animal
Que, se, da esposa ele cisma ou tem certeza,
Ser-lhe infiel no dever, seu, conjugal,

A enclausura no casal e fecha a porta,
Com o mesmo barro empregado à construção;
E, ali, fica emparedada e pobre, morta!
Transformando em mausoléu a habitação...

A Alvorada, 28 de fevereiro de 1919, Ano VII, N.44, p.5

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