Leila Jalul
O clima do Acre,
sempre afirmei, é mórbido. Mas, para minha satisfação, as pessoas, muitas
delas, são maravilhosas.
Vivi
o inferno enquanto se esgotavam meus hormônios. Ou ficava no ar condicionado,
ou ficava no ar condicionado. Do tempo das queimadas, nem gosto de falar.
Quando
entediada de estar trancafiada, tomava coragem e dava uma chegadinha breve até
o portão. E foi num desses dias que vi uma moça com sua bebezinha no colo.
Pareciam ofegantes. Ela andava rápido. Ainda assim, cumprimentei-a e perguntei
se não queria um copo de água, ou um ligeiro banho na criança. Às duas da
tarde, por Deus, ninguém merecia aquele castigo. A criança estava em brasas,
com a cabeça pingando suor.
Seu
nome era Luzia. Mariane era o da filha. Estava vindo ‘de a pé’, com a inocente
no colo, desde um lugar que se chama Vila Acre, próximo ao restaurante da Dona
Bela. Longe pra caray! O destino delas era o bairro São Francisco, longe pra
caray!
Ela
aceitou. Estavam sem almoço, sedentas e cansadas. Após o banho, Valdenice,
minha anja, arrumou o prato da moça e perguntou o que deveria ser servido pra
neném. Luzia pediu uma caneca. Machucou uma banana, colocou leite e, com uma
colherinha, tentava fazer a tadinha engolir aquela coisa, mais ou menos como se
alimentam passarinhos ou periquitos abandonado. Não conseguiu.
Levei-as
para o quarto. Armei uma rede, fiz a Mariane dormir e pedi da farmácia uma
mamadeira para que a pequena tomasse seu leitinho, como mandam os usos e
costumes. Resolvido o problema, passei a conversar com Luzia.
Contou-me,
então, que Mariane, ainda que com quatro meses, só mamava no peito.
E
veio a revelação de Luzia, que me fez revoltar e amaldiçoar a raça masculina
desumana. Levantou a blusa e mostrou-me os mamilos em carne viva, inflamados e
purulentos. Com mau cheiro, inclusive. Aos prantos, disse-me:
-
Dona Leila, meu namorado, com ciúmes da Mariane, esfregou pimenta malagueta nos
meus peitos, só para a Mariane não mamar.
-
Luzia, você denunciou esse filho da puta?
-
Não, senhora. Apenas fugi e vou pra casa de minha mãe. Ele é violento. Vou
ficar escondida por lá.
-
E suas roupas? E as coisinhas de Mariane?
-
Deus dará um jeito. Onde cabem dois, cabem dez. Luzia mostrou-se forte e muito
corajosa.
Bem,
para encerrar, pedi que Luzia e Mariane passassem uns dias comigo, até
providenciar o necessário para que, por pelo menos três meses, não passassem
fome, dormissem no chão ou ficassem nuas, a depender somente da pobre mãe,
coletora de lixo no Bairro São Francisco.
Fiz
isso e vim pra Bahia. De vez em sempre, lembro-me dela e de Mariane que, a esta
altura do tempo, deve estar uma mocinha bonita.
Vida besta, sô!
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