Foto: Agência Ophelia |
Nosso ancestral dizia: Temos vida longa!
Mas caio da vida e da morte
E range o armamento contra nós.
Mas enquanto eu tiver o coração aceso
Não morre a indígena em mim
E nem tampouco o compromisso que assumi
Perante os mortos
De caminhar com minha gente passo a passo
E firme, em direção ao sol.
Sou uma agulha que ferve no meio do palheiro
Carrego o peso da família espoliada
Desacreditada, humilhada
Sem forma, sem brilho, sem fama.
Mas não sou eu só
Não somos dez, cem ou mil
Que brilharemos no palco da História.
Seremos milhões, unidos como cardume
E não precisaremos mais sair pelo mundo
Embebedados pelo sufoco do massacre
A chorar e derramar preciosas lágrimas
Por quem não nos tem respeito.
A migração nos bate à porta
As contradições nos envolvem
As carências nos encaram
Como se batessem na nossa cara a toda hora.
Mas a consciência se levanta a cada murro
E nos tornamos seco como o agreste
Mas não perdemos o amor.
Porque temos o coração pulsando
Jorrando sangue pelos quatro cantos do universo.
Eu viverei 200, 500 ou 700 anos
E contarei minhas dores pra ti
Oh! Identidade
E entre um fato e outro
Morderei tua cabeça
Como quem procura a fonte da tua força
Da tua juventude
O poder da tua gente
O poder do tempo que já passou
Mas que vamos recuperar.
E tomaremos de assalto moral
As casas, os templos, os palácios
E os transformaremos em aldeias do amor
Em olhares de ternura
Como são os teus, brilhantes, acalentante identidade
E transformaremos os sexos indígenas
Em órgãos produtores de lindos bebês
guerreiros do futuro
E não passaremos mais fome
Fome de alma, fome de terra, fome de mata
Fome de História
E não nos suicidaremos
A cada século, a cada era, a cada minuto
E nós, indígenas de todo o planeta,
Só sentiremos a fome natural
E o sumo de nossa ancestralidade
Nos alimentará para sempre
E não existirão mais úlceras, anemias, tuberculoses
Desnutrição
Que irão nos arrebatar
Porque seremos mais fortes que todas as células cancerígenas
Juntas
De toda a existência humana.
E os nossos corações?
Nós não precisaremos catá-los
aos pedaços mais do chão!
E pisaremos a cada cerimônia nossa
Mais firmes
E os nossos neurônios serão todos poderosos
Quanto nossas lendas indígenas
Que nunca mais tremeremos diante das armas
E das palavras e olhares dos que “chegaram e não foram”.
Seremos nós, doces, puros, amantes, gente e normal!
E te direi identidade: Eu te amo!
E nos recusaremos a morrer,
A sofrer cada gesto, a cada dor física, morar e espiritual.
Nós somos o primeiro mundo!
Aí queremos viver pra lutar
E encontro força em ti, amada identidade!
Encontro sangue novo pra suportar esse fardo
Nojento, arrogante, cruel...
E enquanto somos dóceis, meigos
Somos petulantes e prepotentes
Diante do poder mundial
Diante do aparato bélico
Diante das bombas nucleares.
Nós, povos indígenas,
Queremos brilhar no cenário da História
Resgatar nossa memória
E ver o fruto de nosso país, sendo divididos
Radicalmente
Entre milhares de aldeados e “desplazados”
Como nós.
POTIGUARA, Eliane. In: Poesia Indígena Hoje. Número 1. Agosto de 2020. p. 110-113
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