sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

IDENTIDADE INDÍGENA

Foto: Agência Ophelia
 Eliane Potiguara

 

Nosso ancestral dizia: Temos vida longa!

Mas caio da vida e da morte

E range o armamento contra nós.

Mas enquanto eu tiver o coração aceso

Não morre a indígena em mim

E nem tampouco o compromisso que assumi

Perante os mortos

De caminhar com minha gente passo a passo

E firme, em direção ao sol.

Sou uma agulha que ferve no meio do palheiro

Carrego o peso da família espoliada

Desacreditada, humilhada

Sem forma, sem brilho, sem fama.

 

Mas não sou eu só

Não somos dez, cem ou mil

Que brilharemos no palco da História.

Seremos milhões, unidos como cardume

E não precisaremos mais sair pelo mundo

Embebedados pelo sufoco do massacre

A chorar e derramar preciosas lágrimas

Por quem não nos tem respeito.

A migração nos bate à porta

As contradições nos envolvem

As carências nos encaram

Como se batessem na nossa cara a toda hora.

Mas a consciência se levanta a cada murro

E nos tornamos seco como o agreste

Mas não perdemos o amor.

Porque temos o coração pulsando

Jorrando sangue pelos quatro cantos do universo.

Eu viverei 200, 500 ou 700 anos

E contarei minhas dores pra ti

Oh! Identidade

E entre um fato e outro

Morderei tua cabeça

Como quem procura a fonte da tua força

Da tua juventude

O poder da tua gente

O poder do tempo que já passou

Mas que vamos recuperar.

E tomaremos de assalto moral

As casas, os templos, os palácios

E os transformaremos em aldeias do amor

Em olhares de ternura

Como são os teus, brilhantes, acalentante identidade

E transformaremos os sexos indígenas

Em órgãos produtores de lindos bebês

guerreiros do futuro

E não passaremos mais fome

Fome de alma, fome de terra, fome de mata

Fome de História

E não nos suicidaremos

A cada século, a cada era, a cada minuto

E nós, indígenas de todo o planeta,

Só sentiremos a fome natural

E o sumo de nossa ancestralidade

Nos alimentará para sempre

E não existirão mais úlceras, anemias, tuberculoses

Desnutrição

Que irão nos arrebatar

Porque seremos mais fortes que todas as células cancerígenas

Juntas

 

De toda a existência humana.

E os nossos corações?

Nós não precisaremos catá-los

aos pedaços mais do chão!

E pisaremos a cada cerimônia nossa

Mais firmes

 

E os nossos neurônios serão todos poderosos

Quanto nossas lendas indígenas

Que nunca mais tremeremos diante das armas

E das palavras e olhares dos que “chegaram e não foram”.

Seremos nós, doces, puros, amantes, gente e normal!

E te direi identidade: Eu te amo!

E nos recusaremos a morrer,

A sofrer cada gesto, a cada dor física, morar e espiritual.

Nós somos o primeiro mundo!

 

Aí queremos viver pra lutar

E encontro força em ti, amada identidade!

Encontro sangue novo pra suportar esse fardo

Nojento, arrogante, cruel...

E enquanto somos dóceis, meigos

Somos petulantes e prepotentes

Diante do poder mundial

Diante do aparato bélico

Diante das bombas nucleares.

 

Nós, povos indígenas,

Queremos brilhar no cenário da História

Resgatar nossa memória

E ver o fruto de nosso país, sendo divididos

Radicalmente

Entre milhares de aldeados e “desplazados”

Como nós.

 

POTIGUARA, Eliane. In: Poesia Indígena Hoje. Número 1. Agosto de 2020. p. 110-113

 

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