Elegia dos que ficaram
I
Apenas o rumor
Da máquina incansável de costura
Vai, num canto de dor,
Pela casa enlutada.
Está toda fechada
e ainda há vagando pela sala
Um perfume suave
De rosa machucada.
Mansamente
No quintalejo o vento
Balança
A roupa preta no relento.
Sob a lâmpada triste
(tudo é triste neste lar vazio),
Num retrato sorri por entre flores
Aquele que partiu.
Porém rodeando a mesa na varanda,
Recordando os instantes que passaram,
Chora aquela que ficou,
Aqueles que ficaram
Elegia em junho
II
Só com tua memória
Há uma casa no vale.
Estou contando os passos na varanda
– A faca corta o pão separando o tempo em nós –
Mas o relógio continua.
Nos teus sapatos cresceram flores de limo
Verdes e brancas,
E ao redor do vale
Ninguém toca nas rosas em teu louvor.
A sala está simplesmente vazia
Como o teu espelho.
Hoje só minha filha que não te conheceu
Pensa que morreste.
Ninguém saberá que a vida se estagnou no vale.
De longe se vê a chaminé que transpira
O que tu foste
E és.
Elegia
III
Nenhum pássaro na manhã cantou o teu soluço.
Calço os teus sapatos (mas o teu silêncio como dói)
E com eles caminho meio mundo inutilmente:
Faltam os teus passos
E a tua voz imperturbável.
Resta o guarda-sol
Mas me falta o jeito de carregá-lo
E a sombra.
Se cinco anos andei com teus conselhos
Agora estou só com tua camisa.
Deixaste uns gestos tristes nos espelhos
Como uma imensa interrogação à minha filha
E muitas vezes é o teu próprio riso que te trazem até
As cadeiras da varanda.
Hoje o mundo corre abaixo de teu retrato.
Do livro “O estranho” (1952)
MARTINS, Max. Poemas reunidos 1952-2001. Belém: EdUFPA, 2001. p. 364-366
Um comentário:
Magnífico!
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