Isaac Melo
Como escreve o poeta, “tem um instante sublime na suspensão / das nuvens apressadas”. E não seriam as “nuvens apressadas” uma metáfora perfeita para dizer da nossa própria condição humana? Diante da eternidade não somos mais que nuvens que passam sub-repticiamente sem deixar qualquer vestígio; apenas um vazio sonoro que ecoa pela noite surda da eternidade: “Dentro da noite estrelada o vazio sonoro preenche a eternidade”.
O que restou do ser humano, da realidade, da poesia, senão estilhaços, frágeis fragmentos encerrados na ilusão de um instante. Sim, “o instante d’água em estilhaços / d’agonia”.
Nesta humana “fantasia silenciosa intermitente”, “as coisas dos outros é tão parecida / com a da gente”. Porque, no fundo, o poeta sabe que não há “nada além da invisível beleza”, que se perde na fala impronunciável, nas “palavras dissonantes” de nossos “lábios labirínticos”.
Nesta cartografia, “ao sul do silêncio”, o poeta, em seu itinerário, caminha por sobre as “areias siderais” até alcançar “a solidão dentro do pensamento”. E, por entre “sombras ausentes” e “orvalho de estrelas”, depara-se com “a solidão dentro da folha imóvel”. Que instante sublime é o do poeta diante da folha imóvel e vazia.
A cartografia do poeta é, também, uma cartografia amazônica. E seu “mapinguari sapecado” pode ser, ainda, entendido como a Amazônia que queima, neste atual “incensário amazônico”. Neste sentido, o poeta, apreensivo e reticente, diz que “a espera é longa o sono é pesadelo...”. E indaga: “haverá amanhã ainda?”.
Em Danilo de S’Acre, a meu ver, há uma escrita caótica. Cartática. Mimética. Minimalista, até. Uma poesia de estilhaços, diante do “tempo inexistente”, em que a palavra se reverbera na beira do abismo, antes de lançar-se, caótica, no instante sublime de um olhar.
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1
Na água
Folha peixe ave
Brilha estrela
No reflexo elétrico
Da imensa solidão
Da noite inteira
Lúcida p. 7
16
Nunca mais
Amanhã também
Não sei
Nu
Cru e seco
Amanhecer só
Semente e flor p. 22
41
E a fruta e a lua
Coisa mais ainda
Ela debruçada líquida
Na paisagem da janela p. 47
45
Do poema que fiz
Quase nada restou:
Tirei as tripas secas e crocantes
A pele engelhada pelo tempo dispendido
As veias abertas e outras entupidas
Quanta coisa desnecessária possui um poema...
Quão grande é o corpo inerte e desejável
Nunca aprendi a dissecá-lo,
talvez seja incapaz ou apenas covardia
Não sei que tinta, azul, vermelha ou preta...
Um poema é um laboratório labiríntico
Caminho me perco me procuro e indago:
Para atravessar o sentimento caio em armadilhas e
feitiço...
Nada restará no final do poema
Tiro e acrescento, parece em vão
Ainda não consegui o encanto:
Tirei tudo do poema e não encontrei o coração, ele
pulsa engasga regurgita
E eu bobo desfalecido desapareço
Às escuras na infância infinda. p. 51
70
Silenciosos os ossos
Dormem juntos
E sonham um invólucro
Mais
Eficiente p. 76
106
Pelo abraço
O mesmo momento
Tão tarde novamente
Nunca terá o dia
Mormaço dormente
Tudo amanhã simplesmente
Pelo abraço
O mesmo instante p. 111
107
Em silêncio o sonho transparece
Acréscimo um pesadelo
Escrito em dissoluções...
Finjo acordar no pulsar d’instante
Suporto a dor no sono
Em silêncio explícito
Um sono distante p. 113
S’Acre, Danilo de. Estilhaços. Rio Branco: Nepan, 2020.
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