A semântica do silêncio
Tem a alma a fome do sentido,
Que a palavra, às vezes, pode dar
Mas quando o limite tem lugar,
É o silêncio que ecoa seu gemido.
O silêncio capaz de restaurar
As chagas do mistério malferido
Escutar com a alma o não ouvido,
Dando ao ser a semântica salutar.
Fecha a alma as janelas para o mundo
E viaja ao recôndito da existência,
Pra poder contemplar seu submundo.
O silêncio nem sempre é a ausência,
É sentido num nível mais profundo,
Que confere ao mistério coerência.
Juazeiro do Norte – CE, novembro de 2020
Os dois silêncios
Que sentido um silêncio pode ter,
Como espelho que mostra a intenção?
Pode expor a divina compaixão
Ou o lodo voraz do nosso ser.
O silêncio de Cristo é o perdão,
Que a palavra não pode descrever,
No de Judas remorso ao perceber
Uma angústia tomando o coração.
No silêncio o sofrer não se evita:
Um silêncio se entrega ao ofensor
E no outro há o rancor que precipita.
Há no mestre um silêncio vencedor,
No discípulo uma consciência aflita,
Por ter sido tão pobre em seu amor.
Juazeiro do Norte-CE, dezembro de 2020
O silêncio dos amigos de Jó
Sete dias ficaram sem falar,
Tomados do pasmo angustiante,
A miséria do amigo era cortante,
E a razão não podia penetrar.
A palavra emudece nesse instante,
Não traduz o que à alma faz sangrar,
Contemplar em silêncio e prantear,
Eis enfim, o discurso edificante.
Não ouses falar quando o tormento,
Extrapola a fronteira do sentido.
Nesta hora silêncio é entendimento.
Seja o choro o som a ser ouvido,
Que expressa o mais puro sentimento
E emenda o que foi na dor partido.
Juazeiro do Norte-CE, dezembro de 2020
O silêncio de Deus
O limite soterra a finitude,
Quando a voz do Eterno silencia.
A dor é o não-ser que angustia,
Faz soprar turbilhões de inquietude.
Um véu negro confunde a luz do dia,
Vaga a alma em febril incompletude,
Bebe o cálice amargo em solitude,
No silêncio sem cor, sem companhia.
Um silêncio que reduz e que conflita,
Quer a alma razões de seu tormento,
Por que Deus emudece se ela grita?
É somente no último momento,
Quando frágil, sedenta, tão aflita,
Que o mistério se faz contentamento.
Juazeiro do Norte-CE, dezembro de 2020
O silêncio de Abraão
Nem se fez a aurora ao despertar,
Deixa Sara em sono venturoso,
E inicia o caminho tortuoso,
Sem palavras que o possam explicar
No caminho um silêncio imperioso.
Ele pode, em vão, tentar falar,
Pela lógica verbal justificar,
Num discurso sem som, escandaloso.
Pode até ir com outros no caminho,
Mas na fé do indivíduo, o atributo,
É somente ter Deus como vizinho.
O ancião segue a estrada resoluto,
Sabe: o salto de fé se faz sozinho,
Ante Deus, em silêncio absoluto.
Juazeiro do Norte-CE, dezembro de 2020
José Lopes Marques é natural de Tarauacá-AC. Formado em Teologia pelo Seminário Batista do Cariri (2002), em Filosofia pela Universidade Federal do Pará (2008), especialista em Ensino de Filosofia (UFC, 2012), mestre (2016) e doutor (2019) em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará. É professor efetivo EBTT no Instituto Federal do Ceará (Campus Cedro), atuando nos níveis técnico, graduação e na especialização. Atua ainda como professor colaborador no Seminário Batista do Cariri e na Faculdade Batista do Cariri. Editor do Manifesto Originalia: Revista de Ensaios Teológicos. É autor de Diário de Sonhos do Doutor Satírico (All Print, 2013) e Vestígios de Deus: o problema da fundamentação racional para a existência de Deus (Peregrino, 2020).
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