quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A DIALÉTICA MARXISTA

Profª. Inês Lacerda Araújo*


Dia desses li um artigo de um professor universitário (Gazeta do Povo) em que ele atribui à divulgação do marxismo, o fato de o samba e outras manisfestações populares, passarem a ser valorizados pela classe alta.

É ainda bastante grande a influência que as ideias marxistas têm no ambiente intelectual e acadêmico de nossas universidades. A que se deve essa força? A dialética marxista, enquanto filosofia, ideologia e método de explicação/avaliação da realidade se justifica?

Resposta à primeira questão: Marx analisou o capitalismo nascente, e mostrou a violência e a injustiça que sofria a classe operária. Conclamou essa classe à luta política por um regime, o socialismo, no qual fábricas, maquinário, produção, distribuição, todo esse processo, estivesse nas mãos do proletariado. A revolução do proletariado seria o fim do capitalismo e o início de uma nova era para a história.

O método de análise do marxismo (de modo geral, pois há diversas correntes dentro do marxismo) é a dialética. A história se move por contradição, isto é, por forças antagônicas que se defrontam no momento em que a situação atinge um ponto máximo, por exemplo, as lutas de classe, e a mudança se dá devido a essa força que nega, que contradiz o momento anterior. O resultado é um novo momento histórico, em que essas contradições e lutas são superadas, são ultrapassadas. A cada ultrapassagem, há uma renovação.

A hipótese é a de que haverá o momento da total renovação, da ausência total de contradição entre o capital e o trabalho, cessarão as lutas de classe quando a classe oprimida detiver trabalho e capital.

Como se vê, a força dessa análise reside na promessa da justiça social pela revolução do proletariado, o que mobilizou boa parte de países europeus desde o início do século 20 e se espalhou a partir da antiga União Soviética para Cuba, China, alguns países africanos e latino-americanos.

Resposta à segunda questão: esse é um método de análise da história que privilegia o confronto de classes. Ora, a história dos povos e culturas se constitui com inúmeros outros fatores. Ainda não se viu o socialismo lidar com o fato de ter que produzir e distribuir com sucesso (o que produzir, com que tipo de mão de obra, a quem vender, como transportar, exportar o que, para quem, importar o que, de quem, etc., etc.). E mais, quem gerencia? Quem de fato porá a mão na massa?

O que se viu foi o poder acabar nas garras do Estado, com burocratas e mandatários por vezes cruéis e banhos de sangue.

A história se constitui por séries de acontecimentos, guerras, lutas pelo poder, opressão, crueldade, mas também por ideais, como pacifismo, libertação, justiça social.

Não é preciso ser marxista para enxergar a opressão. A ideologia da dialética marxista se resume no "acabar com a desigualdade". Como seria uma sociedade com todos iguais? Isso é desejável?

Sempre que se tentou essa pretensa igualdade foram os chefes (portanto, uma "classe") que precisou impor a todos um mesmo tipo de pensamento, de ação e de projeto de vida; e isso com censura e muita propaganda (saíram os ícones da religião ortodoxa na Rússia, e entraram as representações das figuras de Lênin e de Stalin).

Que tal abrir a cabeça de nossos sáuricos intelectuais de esquerda para outros modos de ver e de pensar? Modos de ver e de pensar que exigem, sim, luta permanente por melhoria de condições de vida para um número cada vez maior de pessoas, mas sem o ranço da estreita noção de classe opressora X classe oprimida?

Quanto ao professor intelectualizado citado no início, o que dizer? O samba conquistou espaço pela musicalidade, pela poesia, pela qualidade, e não por que as "classes superiores" , imbuídas de marxismo, passaram a olhar para o povão e decidiram que sambar é legal...

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* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e doutora em Estudos Linguísticos.

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