segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

MENTE, CÉREBRO E LINGUAGEM

Profª. Inês Lacerda Araújo


Mente e cérebro diferem radicalmente, cada qual pertence a um nicho do ser, haveria uma diferença ontológica entre o mental e o cerebral? 

Vejamos quando se diz que um fenômeno é mental. Pensar, desejar, falar, sonhar, perceber, imaginar, parece que há um acordo quanto a serem resultado de uma atividade mental, irredutível ao físico, ao neuronal, ao cerebral.

 E o que é considerado cerebral? Um déficit de inteligência, um lapso de linguagem, depressão, transtorno de personalidade, impulso suicida, esquizofrenia, são alguns dos fenômenos listados como cerebrais, suscetíveis de modificação com a interferência de medicamentos. Estes incidiriam sobre certa região e modificariam a química cerebral. Claro, com divergências nesse terreno.

 Alguns vão mais longe: o mental pode ser reduzido aos circuitos neuronais, às sinapses. O mental seria, então, físico?!

 Esses impasses e paradoxos só existem para filósofos, psicólogos, psiquiatras para os quais há diferença de natureza, ontológica, seriam duas realidades distintas, uma imaterial, a outra material.

 O que impressiona os defensores da mente é haver o mental distinto do físico, o pensamento distinto do corpo, a consciência distinta do desvario, a capacidade de deliberar distinta dos impulsos cegos, voltar-se para si (introspecção) distinto de comportar-se e reagir ao meio.

 A tese oposta se demonstra pelo óbvio: todo o nosso comportamento e as mais variadas atividades dependem do comando cerebral. Isso pode inclusive ser detectado por aparelhos. Eles mostram que tal ou tal emoção afeta tal região, falar afeta outra, sonhar outra, e assim por diante.

Mas, se considerarmos que para falar e perceber, para pensar e imaginar, para compreender e agir, enfim, para o diversificado tipo de vida dos seres humanos, foi necessário tanto que o cérebro se desenvolvesse e se adaptasse para comandar nossas atividades, como essas atividades constituiram pessoas vivendo em sociedades e dependentes de regras e instituições, que são culturais. Na medida em que a criança entra no circuito social da linguagem, portanto, das significações e signos, dos ruídos que passam a formar signos com sentido, é impossível separar o físico/cerebral da vida humana inteligente.

É por meio de signos, da linguagem humana articulada que nos tornamos pessoas, formas de vida que empregam vários jogos de linguagem sempre mergulhados em regras que validam ou invalidam nossas atividades.

Respondemos ao meio, o enfrentamos e o modificamos desde há muito tempo. Assim, separar em duas regiões ontológicas o mental e o cerebral se deve a particularidades da cultura humana. Por exemplo, perguntar a um amigo se sua tristeza é "curável", seria classificá-la como cerebral e apostar no prozac. O mais incrível, é que isso é cultural, há poucos anos se medicaliza emoções e sentimentos "excessivos".

Enquanto que, procurar compreender as reações e sentimentos desse amigo, é algo que se faz desde que relações humanas, entre elas a amizade, passaram a constituir nossa humanidade, o ser que somos. Há milênios.

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* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e doutora em Estudos Linguísticos. É professora aposentada da UFPR e PUCPR.

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