sexta-feira, 20 de julho de 2012

COPO DE LAMA

OLIVIA MAIA


Bem-aventurado o poetinha Vinícius de Moraes quando disse que a crônica deve ser um copo de água fresca, limpa e luminosa. Sempre concordei com Vinícius, durante todo o tempo que escrevo esse gênero. Ando em crise nos últimos tempos. Quando inicio um texto meu coração aperta, as ideias não saem. Fogem. As poucas que insistem em sair são permeadas de dor, de desesperança. Um copo de água salgada. Crônicas com lágrimas...

Existem momentos em que parece que os porões das sombras são abertos de maneira tão intensa que nos aterroriza. Somos inundados de tragédias, de dramas, de dores. Este é um desses momentos. Abre-se um jornal ou revista, liga-se a TV e lá está estampada a morte: matou porque o outro era gay; porque olhou para a sua namorada; porque não aceitava a separação; porque se dizia hostilizado; porque desejava a herança. E somos entupidos pela morte. Muitas.

Duas em Cunha (cidade do interior paulista). Duas irmãs que não tinham medo do lobo-mau da mata em que moravam na zona rural. Por causa da lama e dos buracos, o ônibus que as transportava da escola para casa as deixava a mais de um quilômetro de onde moravam. E foi nesse percurso, caminhando já no escuro, que o lobo assassino as executou. Motivo? Quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau... Lobo bobo, nós não gostamos de você... – talvez elas tenham cantado ao entardecer.

Doze... Doze crianças fuziladas. Realengo. Realeza. Real... Muita falação e pouca ação: governador, prefeito, secretários, repórter procurando o furo de reportagem; emissora se dizendo a única a obter informações exclusivas sobre o caso; legistas opinando; psiquiatras e psicólogos transformando-se em estrelas televisivas e sendo disputados a preço de ouro para programas e telejornais.

E eu, que ainda não curei minha dor pelas vítimas das tragédias do Rio de Janeiro, de Friburgo, de Petrópolis, da favela do Bumba, e tantas outras que depois de saírem dos holofotes da mídia continuam na situação de abandono em que ficam os desamparados pelo poder público.

E de tanto lembrar e relembrar... esqueço! Realmente, estou em crise existencial e não consigo produzir nada. Nem mesmo um grito de indignação. Sinto-me afogada num copo de lama podre.

Meu poeta! Mande a bem-aventurança. Aí do seu lugar de estrela, envie a luminosidade necessária para que eu consiga produzir uma crônica como um copo de água limpa e cristalina... Onde reine a poesia, a justiça e a beleza...



* OLIVIA MAIA é escritora acreana.

Nota do blog.: a crônica, apesar de refletir acontecimentos passados, continua a tocar em pontos atuais. Na 'angústia' da cronista, a angústia de um país em que os acontecimentos de ontem, assustadoramente, parecem ser repetir nos de hoje.

2 comentários:

Luiz Felipe disse...

Olívia Maia, a Menina da Chuva.
A lembrança mais antiga que tenho de você, Olívia, é a de um dia de chuva em que estavam você e seu irmão Milton 'pegando jambo' ali onde hoje é o Ministério Público. Naquele que era um enorme quintal, havia uns seis pés de jambo espalhados e três reunidos. O Gorilinha estava lá em cima de um deles pegando os jambos, ou melhor, passeando por entre os jambeiros como só ele e os gorilinhas de verdade sabiam fazer, e você estava lá embaixo pegando os frutos que ele jogava e guardando-os sobre uma camisa estirada no chão e molhada pela chuva. Belos bosques, boa água, belas pessoas.
Você morava na Av. Brasil, quase em frente ao Vasco. A Sônia Mubárac morava quase no outro extremo da Avenida, rente a Catedral. A Leila Jalul morava na mesma quadra da Sônia e, como esta, ao lado do Colégio das freiras. Ou seja, há uma linha imáginária, 'um L', que vai de sua casa à da Leila e que unia vocês três. Hoje vocês escrevem livros. Contam histórias. Nas avenidas do Brasil, em forma de escritos, espalham as canções que trazem dentro de si. Nessas canções, estão muito daqueles bosques, da boa água, das belas pessoas que trazemos dentro de nós.
E por falar em águas boas, lembra do Boa Água, lá da Floresta?
E por falar em belas pessoas, dê lembranças minhas a Laura, Tancredo, Mário, Tancremildo e Teca.
Abraço do amigo
Felipe
Ps.
Intrometendo-me nessa linha imaginária que imaginei, a coisa vira um quadrado e fica assim: o primeiro L começa na sua casa, vai até o Sesc, daí até a casa da Leila. Da Leila nasce o outro L, é só puxar uma linha reta que ela vai dar no quintal da minha casa; dai, faz-se outra linha que vai dar na porta da sua casa. Estamos num retângulo/quadrado.
Mas os que tem isso a ver? Nada, nada, diria e escreveria em bom mau portunhol: es SOnia, leiLA, LUiz, oliVIA. SO LA LUVIA...
Viu só como você é a Menina da Chuva?

Olivia Maia disse...

Felipe - menino dos afetos.
Que bela Crônica (o seu post) que me fez chorar. Quantas águas de bem aventuranças trouxestes na minha memória. A do gurilinha...
Veja!!!! hoje as águas cristalinas se encontrando na literatura.
Gosto muito te ti menino amigo das águas, das ruas, das histórias, dos afetos.
Abraços pra você (e falando em afetos - distribua alguns pra Vanda)