José Augusto de Castro e Costa
Não foram poucos os jovens a lançarem-se à selva bruta da natureza amazônica, uns, liberais impoderados, enquanto outros, subalternos, designados que eram por empresas ou repartições públicas.
Jovens que, talvez, já teriam ingressado nas faculdades imaginando conciliar os conhecimentos que viriam adquirir à cognição dos mistérios do “inferno verde”, de seu meio, de seu mundo, de seus enigmas que viriam experimentar.
A exemplo do jovem advogado cearense, José Alencar de Carvalho, que surpreendera-se e revoltara-se ante ao que considerava uma invasão de Dom José Paravicini, ao final de 1898, outros bacharéis como ele, ou Juízes de Direito como Dr. Aristides de Moura Rios, engenheiros como Gentil Norberto, jornalistas como o também gaúcho Orlando Lopes, médicos como Francisco Mangabeira, um sem-número de diversos profissionais liberais e intelectuais dispuseram-se a envidar esforços para que o Acre permanecesse sendo brasileiro, já que julgavam que “ nele haviam deixado um cadáver embaixo de cada seringueira”.
A união dos ativistas em prol da liberdade do Acre, definira-se como uma séria Expedição dos Poetas, desta vez por constituir-se em sua maioria por intelectuais tal qual o futuro governador do Amazonas Efigênio Sales, acompanhado daquele que viria a ser o Primeiro Governador do Território do Acre unificado, médico Epaminondas Jácome, além do filho do grande filósofo brasileiro Tobias Barreto, João Barreto de Menezes, entre outros de destaque na atividade literária e artística.
A convicção idealista dos expedicionários prendia-se à natureza jurídica dos fatos, de que a região acreana pertencia realmente ao Brasil, por força do “utis possidetis”, caracterizado pela notória ocupação efetiva e prolongada de brasileiros, anteriormente ao Tratado de Ayacucho, o qual, por sinal, ainda estaria em reformulação de texto, submetido a apreciações bilaterais, aguardando os demorados dados definitivos, isto é, as informações conclusivas dos governos do Brasil e da Bolívia.
Empolgada a imaginação romântica dos conspiradores, logo fizera-se notar a explosão de entusiasmo dos poetas e letrados, que contava com a participação do Coronel Rodrigo de Carvalho, Administrador da Secretaria de Fazenda do Amazonas na região acreana, o qual não cessava de angariar apoio, entre Belém e Manaus, conquistando aprovação de comerciantes e da imprensa para o movimento revoltoso.
Ao atingir Lábrea, no rio Purus, a expedição começara a tomar real conhecimento da situação ao longo dos rios Purus, Acre e Iaco.
As manifestações eram bem acaloradas, defendidas por puro patriotismo, tanto pelos expedicionários, quanto por alguns seringalistas, que, em algumas situações, protagonizavam irrefletidas atitudes de coerção, a exemplo de forçar um escolhido prisioneiro boliviano a saudar o Acre independente, punindo-o com o fuzilamento, quando não fosse obedecido.
Muitos dos intelectuais, exaltados, chegaram a exceder-se na conduta pessoal e no arrebatamento de ideias mirabolantes, como o sonho de afortunarem-se, absortos na riqueza da borracha, outros na investidura de um futuro alto cargo vitalício, e aqueloutros simplesmente no extermínio sanguinário dos bolivianos.
Não obstante ao notável estado de espírito de brasilidade, refletido no empolgante poder de oratória que inflamava os ânimos, os expedicionários, em termos de guerra, eram totalmente despidos de qualquer conhecimento da mais rudimentar regra de combate.
Sempre objetivando aceso o espírito de luta incessante contra o domínio boliviano, a plêiade brasileira mantivera os ânimos revolucionários até ao limite da saturação da conjuntura.
Os bolivianos, por sua parte, estavam cientes do desenrolar dos acontecimentos no Acre, sobre os quais remetiam às autoridades brasileiras federais, consideradas avaliações, com pedidos de medidas contra possíveis sublevações, que não apenas estariam a sentir como a pressentir.
Em suas considerações ao Ministério do Exterior os bolivianos, com efeito, passaram a invocar princípios e teorias de Direito Internacional, com conclusões buscadas em lições de Direito Público e encerradas com preocupantes protestos.
Os expedicionários intelectuais prosseguiam em seus firmes propósitos, porém sem a devida organização e muito menos método de combate, fazendo-se sentir as desagregações de forças, subdivididas em vários grupos, com comandos diversificados e sem posições definidas.
Revelada na mais completa desinteligência, atingindo o mais absurdo desentendimento, a Expedição dos Poetas passara a enfraquecer-se, comprometendo o grupo, já debilitado pela ausência de coordenação militar.
Um mau pressentimento misturava-se com o pouco entusiasmo da tropa brasileira, que já alimentara o plano de atacar Puerto Alonso, na ante véspera do Natal de 1900. Mesmo assim seguiram os poetas, por água e por terra, para sitiar a cidade dos bolivianos, munidos de um canhão e uma metralhadora, além de fuzis e espingardas, destacando-se o empenho de Gentil Norberto, Orlando Lopes que, apesar dos desentendimentos decorridos pela autopromoção bilateral, jamais esmoreceram em seus propósitos.
Chegaram, com sacrifícios ao barranco em frente a Puerto Alonso e, finalmente, abriram fogo, quando, pela primeira vez o canhão trovejara nas brenhas do Acre. Os bolivianos não esperavam, porém, possuidores de conhecimentos militares, em pouco tempo de ação destroçaram a Expedição dos Poetas, infligindo-lhe uma severa lição bélica.
Pronunciada a derrota, os atacantes brasileiros dispersaram-se, abandonando o famoso canhão no chavascal para onde levara a tática desastrosa dos expedicionários.
O fracasso revolucionário dos intelectuais guerreiros ecoou em Manaus, de maneira dolorosa.
Não preocupando-se em fazer justiça aos seus companheiros, o Coronel Rodrigo de Carvalho, em correspondência ao governador Silvério Nery, arremeteu em farpas dizendo que não houvera ditado ordens de guerra, porque os expedicionários diziam-se sábios nela e que jamais julgara que pela cabeça de “tão ilustres generais passasse a ideia de deixarem lá os canhões em frente ao inimigo”.
Do desastre da Expedição dos Poetas, porém sabe-se que o que mais doera ao Coronel Rodrigo de Carvalho fora a perda do canhão e da metralhadora da polícia amazonense.
A expedição debandara, desiludida dos louros da guerra e justificando a indisciplina como o estado geral dos espíritos espantados. Quase todos os poetas e letrados da expedição volveram a Manaus, deixando pelos seringais acreanos um ar de desânimo e lástima.
A Bolívia, por suas autoridades no Acre, passara a efetuar prisões e entrara a tomar medidas mais sérias de prevenção. Porém, uma atitude do governador do Amazonas irritara os bolivianos, pronunciando-se um sério movimento diplomático entre as chancelarias brasileira e boliviana. Trata-se da Mensagem governamental de 1901, quando o Sr. Silvério Nery abordara a questão acreana, para, textualmente, “render um preito de homenagem àquela porção de brasileiros que, em zona longínqua, regaram com o seu sagrado sangue a ideia patriótica de fazer permanecer brasileira a larga faixa de terra ora ocupada pelo estrangeiro, que o governo vê-se obrigado a respeitar por força de um tratado. Homens que, arriscando a vida, conseguiram construir habitação, construir um lar, fundar uma propriedade em territórios inexplorado, que possuíam como pedaços da pátria, a cujas leis eram obedientes, não se podem conformar a ver, de um momento para outro, perdidos todos os seus esforços inteligentes, passando a leis diversas em estranha pátria. Honra a esses bravos! Paz à memória dos que pereceram!”
A 2 de abril de 1902 chegara a Puerto Alonso Dom Lino Romero, nomeado Delegado Nacional. Homem arguto e prático, cujas franquias governamentais raiavam pela ditadura, criou imediatamente uma situação destinada a favorecer todas as pretensões da Bolívia.
O novo mandatário boliviano, como ditador, impusera tributos odiosos à população, assim como marcara prazo exíguo para o registro dos processos de medição e demarcação dos seringais, ameaçando a quem o descumprisse, que perderiam suas terras, consideradas baldias ou devolutas, delas passando a dispor a Bolívia, “sem direito da mais leve oposição, embargos ou protestos”.
Muitos proprietários não possuíam, ainda, a legitimação de certas formalidades proteladas, dependendo dos requisitos legais da propriedade. A autoridade boliviana passou, então, desmedidamente, a dilatar as áreas de demarcação, chegando a invadir a território amazonense, “compreendendo todos os seringais abaixo da linha Cunha Gomes.
A população brasileira irritara-se e a ideia de varrer dali o boliviano recrudesceu, principalmente quando, a 29 de junho, um informativo boliviano declarara que “pretender que o Brasil intervenha em assunto da Bolívia, nos quais não tem por que intervir, é absurdo e impolítico. Crê a imprensa amazonense que a Bolívia não saberá defender seus direitos e não saberá lutar por eles com a bravura do que se vê injustamente ferido? Crê essa imprensa mercenária que se pode invadir o Acre com cem homens? Caso se repetissem as agressões à mão armada que ocorreram no ano de 1900, poderiam repetir-se também as derrotas que sofreram as forças revolucionárias em vários pontos deste rio”.
A lembrança provocadora da derrota humilhante do Natal de 1900 doera profundamente, e aquela ameaça, por certo, irritara sensivelmente o âmago brasileiro.
O amontoado de ofensas partidas dos bolivianos viera acirrar a animosidade brasileira, fazendo com que os acreanos fugissem do domínio boliviano, pondo-se em lugares seguros para a conjuntura.
Os brasileiros Rodrigo de Carvalho e Gentil Norberto, não obstante debruçarem-se em planos para a conquista do Acre, particularmente viviam às turras, inculpando um ao outro pela derrota de 1900. Essa desavença, em tese, deprimira os fins patrióticos da revolução.
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* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.
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