Leila Jalul
O prefeito do município de Conde de Jacutinga
convida Vossa Senhoria e digníssima família a participarem das festividades
comemorativas ao aniversário de 10 anos de emancipação da cidade e inauguração
da Praça Conde de Jacutinga, no próximo dia 02 de agosto, com a programação
abaixo descrita:
06 horas – Alvorada com a Banda de Música da
Guarda Municipal de Conde de Jacutinga com a execução de dobrados marciais, valsas
e outras músicas do cancioneiro popular.
08 horas – Apresentação de canto coral com os
alunos da Escola Gildete Luiza Macedo Alvarenga Médicis, benemérita primeira dama
da sociedade jacutinguense, educadora por sacerdócio e minha venerável esposa.
09 horas – Distribuição de doces, pipocas e
sacolés às crianças presentes.
10 horas – Execução do Hino Nacional com a
Banda da Guarda Municipal e hasteamento da Bandeira do Brasil pelo Dr. Vereador
Alceu de Jacutinga, honrado primogênito do imorredouro Conde de Jacutinga e
Presidente da Câmara Municipal.
11 horas – Corte da fita inaugural do portal
da praça e arriamento do pano que cobre a placa de bronze afixada no pedestal onde
se apoia o busto do fundador da cidade, o eminente Conde de Jacutinga.
11.15 horas – Bênção do logradouro pelo padre
Malvino Splendore, pároco da Igreja de Nossa Senhora das Graças.
11.30 horas – Desfile de crianças e adolescentes
no carro da alegria, animado por personagens do mundo encantado de Walt Disney
e outros amigos e heróis das histórias em quadrinhos.
É importante lembrar que o carro da alegria
percorrerá toda a Avenida Conde de Jacutinga após as 14 horas, prolongando-se
até às 19 horas. No decorrer da semana de festejos jacutinguenses, por decisão
minha, igualmente, a cada hora, o carro partirá do átrio da igreja matriz até a sede
da Prefeitura. Após o retorno as crianças serão deixadas no mesmo local do
embarque, quer seja, no átrio da igreja matriz.
Pedimos aos pais ou responsáveis que vigiem
seus filhos e evitem tumulto na hora do embarque e do desembarque.
As crianças farão o trajeto ao som de músicas
infantis e outras de sucesso de cantores regionais, tais como: Zé Calango e
Peixe Boi, Kalu e Kalunga, Adonis e Sérvulo, Paulinho e Pinduca, dentre outros.
23 horas – Salva de fogos com duração de 10
minutos.
Local: Lagoa dos Pioneiros.
24 horas – Baile no Clube do Conde.
Traje: passeio completo ou
distinto.
Agradeço a presença de todos.
Marcos das Neves Vianna Alvarenga Médicis
Prefeito Municipal
No raiar do dia 02 de agosto, como
programado, a alvorada começou. Os munícipes madrugadores estavam lá. Queriam
aproveitar o dia na sua totalidade. Não era sempre, afinal, que acontecia uma
festa com tantas atividades. Uns cantavam, outros batiam palmas e outros mais, como
bons pés de valsa, não deixaram de dançar. Nas redondezas de Conde de Jacutinga a banda
era conhecida pela beleza da farda de gala, afinação dos instrumentos e execução
primorosa das peças.
A programação não fugia muito à de outras
tantas do mesmo gênero nas cidades do interior.
Com um ou outro pequeno atraso, tudo
aconteceu de acordo com o previsto.
Fora do script,
como costuma ser, apenas um pequeno incidente de última hora ocorrido no carro
da alegria. A empresa de recreação foi surpreendida com a ausência dos dois
garotos que vestiriam as roupas do Mickey e da Minnie. Uma virose qualquer os
impediu de estar na grande festa. Tiveram,
então, que contar com dois outros garotos da cidade de Conde de Jacutinga.
Sodré Siqueira Filho e Celena dos Santos Marabak,
proprietários do carro, logo encontram uma solução. Um menino e uma menina que
nasceram com Síndrome de Down, por terem estatura pequena, foram os escolhidos.
E não foi somente para tapar os buracos
das ausências dos titulares. Não! Sodré e Celena Marabak, sensíveis, perceberam
a timidez e um certo ar de tristeza nos semblantes dos garotos e, com
um pouco de conversa, convenceram-nos a
brincar com as fantasias dos mais simpáticos figurantes do elenco. Umas
explicações básicas e logo, os dois entraram no clima.
Matheus e Marcela, os dois meninos, dentro da
comunidade, eram um tanto vítimas da crueldade das outras crianças. Tinham
pouquíssimos amigos. Na escola, via de regra, eram excluídos dos grupos, ou
pela deficiência da fala, ou pela aparência física, ou, tão somente, por conta
da crueldade pela crueldade. As crianças sabem ser cruéis, muito cruéis, quando
assim querem.
Foi na antepenúltima viagem do carro da
alegria que aconteceu o pior. As luzes
dos piscas-piscas, um tanto fraquinhas, deixavam o interior do carro quase em
penumbra. O som que brotava das caixas com as formosuras de músicas da Mara
Maravilha e da Xuxa era ensurdecedor.
Quem conhece os trens da alegria pelo mundo
afora, deve e tem obrigação de saber que as roupas de pelúcia são uma afronta
para quem vive no brasileiro calor dos trópicos dos diabos. E deve saber, também, que os fantasiados têm
várias funções durante o trajeto, quais sejam: alegrar as crianças, cuidar da
proteção delas e tirar fotos para a posteridade.
Num determinado momento, Pateta, um
grandalhão desengonçado de quase dois metros, dá uma esbarrada no homem aranha
e este se esborracha no corredor do veículo. As crianças começaram a gritar pilhérias por
conta dos contorcionismos que este fazia para levantar com o carro em
movimento.
Nesse mesmo instante, no fundão do corredor,
Mickey teve um mal estar, sentou-se na grade da carroceria e caiu fora do
carro. Ficou imóvel, estatelado no preto e esburacado asfalto. Apenas Minnie pulou e saiu em seu auxílio, gritando:
- Socorro, o Mickey morreu! O Mickey morreu! Socorro!
Ajudem o meu amigo!
Vendo que não era ouvida, a passos curtos,
ligeirinhos e muito corajosamente correu até a frente do carro e fez sinal para
que o condutor parasse. Falou com ele e,
juntos, foram prestar atendimento ao pequeno rato da Disneylândia jacutinguense
caído no chão. O susto foi maior por conta de um pequeno filete de sangue que
escorria do braço do Mickey de aluguel.
Felizmente, ao retirarem a cabeça da
fantasia, Mickey estava já retornando do leve desmaio causado pelo calor. Minnie, felicíssima, também arrancou sua
cabeça orelhuda e, carinhosamente, enxugou o suor do rosto do amigo e
retirou-lhe a roupa de pelúcia. Ficou
apreensiva quando viu os garotos em volta deles. Todos com ares de desolação. Muitos dispostos a ajudar a conduzir o amigo
até a sua casa, não muito longe do local do acidente. Naquele momento, ao invés
da habitual crueldade, demostraram, isso sim, a beleza da solidariedade. Tal gesto deveu-se, talvez, à quantidade de
abraços e beijinhos distribuídos nas viagens para lá e para cá da Av. Conde de
Jacutinga.
Minnie foi abraçada e acariciada por todos e
conduzida nos braços como heroína do reino infantil.
Novamente, sem lembranças ruins, o arremedo
de trem da alegria retornou às suas funções com todas as atrações, à exceção do Mickey que, em casa, foi hidratado com soro caseiro, para bem se
recuperar do susto pelo qual passou.
Em Conde de Jacutinga, ao raiar do dia 3 de
agosto, o baile das autoridades deu por encerrada a festa.
O carro da alegria, a mando do prefeito Marcos
das Neves Vianna Alvarenga Médicis, enquanto na cidade, passaria a funcionar
somente após as 17 horas, quando amainasse o sol.
Na volta às aulas, para alegria dos pais de
Marcela e Matheus, o pobre Mickey, vivíssimo da Silva e a sua salvadora Mínnie,
graças a Deus (e ao desmaio), não mais foram vítimas da
crueldade dos amigos. E ainda, das mãos do
prefeito Marcos das Neves Vianna Alvarenga
Médicis, com direito a discurso, receberam um diploma de agradecimento pela
participação nas solenidades comemorativas aos 10 anos de emancipação do
município de Conde de Jacutinga.
Uma história com
final desejado, pois.
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Nota da autora:
O mote deste conto, no que diz respeito ao
tombo do personagem Mickey, fato
verdadeiro, me foi passado pelo Prof.
Juarez Nogueira, autor dos livros O
MENINO ALQUIMISTA e NINAUÁ, recentemente
publicados pela Editora Gulliver.
No mais, deixei rolar os meus delírios.
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