Matias Aires (1705-1763)
Não somos firmes no amor, porque em nada podemos ser constantes:
continuamente nos vai mudando o tempo; uma hora demais é mais em nós uma mudança.
A cada passo que damos no decurso da vida, imos nascendo de novo, porque a cada
passo imos deixando o que fomos, e começamos a ser outros: cada dia nascemos,
porque cada dia mudamos, e quanto mais nascemos desta sorte, tanto mais nos
fica perto o fim que nos espera. A inconstância, que é um ato da alma ou da
vontade, não se faz sem movimento; a natureza não se conserva e dura, senão
porque se muda e move. O mundo teve o seu princípio no primeiro impulso que lhe
deu o supremo Artífice; a mesma luz, que é uma bela imagem da Onipotência, toda
se compõe de uma matéria trêmula, inconstante e vária. Tudo vive enfim do
movimento; a falta de mudança é o mesmo que falta de vida e de existência, assim
a firmeza é como um atributo essencial da morte.
AIRES, Matias. Reflexões sobre a vaidade dos homens. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1953. p.115
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