O que segue foi publicado no jornal O Rio Branco
em 28 de setembro de 2006. O texto foi endereçado ao governo que tomaria posse
no ano seguinte – o do Binho – Uma cópia foi entregue pessoalmente, no começo
de 2007, ao já empossado Presidente da Fundação de Cultura Daniel Zen. Nove
anos se passaram. O ex-governador mora em Brasília com a família. O Zen, que à
época integrava uma banda pop local que não existe mais, virou politico, antes
foi Secretário de Educação. O diretor de teatro citado não faz mais teatro –
parece que hoje mora em Rio Branco. O grupo de teatro citado não existe mais. A
última versão do Festival de Teatro do Acre quase não contou com peças locais,
mormente dos municípios. O ex-governador Romildo vive a lamentar pelos cantos o
que deixou de fazer. Quanto aos conselhos dados, fica a critério de cada
avaliar se foram seguidos. De minha parte, vejo que os atuais políticos, suas
famílias e partidos estão muito bem! Viva a cultura acreana!
AO FUTURO GOVERNADOR DO ACRE E EX-GOVERNADOR
DO FUTURO: CONSELHOS DO TEMPO
João Veras*
Há alguns dias, assisti, no teatro Hélio
Melo, a peça “Anjos da Noite”, do grupo de teatro “Arte é viver”, do município
de Feijó. A apresentação fazia parte da programação do VIII Congresso Acreano
de Teatro realizado pela Federação de Teatro do Acre-FETAC com a participação
de 12 grupos de teatro de todo o Estado. Feijó tem, hoje, quase 40 mil
habitantes. Foi fundado em 1906 e é o segundo maior município do Acre em
extensão. Mas Feijó conta apenas com um grupo de teatro e não possui casa de
espetáculo. A exemplo dos demais municípios do Estado do Acre, Feijó nunca
conheceu qualquer plano de ação cultural. Aliás, nem órgão gestor, nem
orçamento o poder municipal tem para a cultura.
Ao final da apresentação, o diretor da peça,
Hector Magalhães, que também atua e é o autor do texto do espetáculo, agradeceu
a oportunidade da apresentação em Rio Branco, sonho antigo, e falou da velha
dificuldade de sempre para se fazer teatro no Acre e da resistência sua e de
seu grupo no município de Feijó, essas coisas que nós de Rio Branco e dos
demais municípios, que teimamos em fazer arte, muito bem conhecemos.
Visivelmente emocionado, Hector chamou ao
palco seu pai, um senhor que estava justamente ao meu lado no escuro do teatro.
O senhor que subiu ao palco, para surpresa dos presentes, era Romildo
Magalhães. Ex-prefeito de Feijó, ex-deputado estadual e ex-governador do Estado
(90/94). A cena comoveu. A plateia dividida entre sentimentos ouvia do
ex-governador a declaração de que não conhecia o lado artístico do filho e do
orgulho que estava sentindo naquele momento.
Não sei se o evento moveu o ex-governador a
refletir sobre as suas gestões na área cultural. É possível. Eu não resisti. A
propósito, sai do teatro pensando sobre o tempo e o poder. O mundo gira e não
congela nada, mas marca. O que fazemos hoje pode definir, e define, nossos
rumos, nossas vidas amanhã. Isto vale também para os administradores públicos
que trabalham para o presente e o futuro de vidas, que administram esperanças e
são eleitos e pagos para tornar o local em que vivemos e as pessoas e relações
cada vez melhores, hoje e amanhã. Já ouvi de um ex-gestor cultural que o poder
cega. Muitos creditam a essa cegueira a razão pela qual administradores
públicos tanto falham no exercício de seu papel, na consecução de seu dever de
administrar a coisa pública para o bem de todos e de acordo com as aspirações
destes.
Uso aqui como referência especificamente a
área cultural. Tendo em mente as “gestões públicas” nesta área nas últimas
décadas. Não conheço os programas dos atuais candidatos ao governo para a
cultura. Por tal motivo, resolvi, sem a pretensão da verdade e limitado à minha
parca observação da nossa breve história contemporânea, elencar alguns
conselhos pertinentes a uma reflexão honesta sobre a importância do poder em nossas
vidas e, sobretudo, para o futuro da cultura acreana. O que faço me dirigindo
ao governador que administrará o Acre de 2007 a 2010:
1 – Não censure, nem deixe que se censure.
Isto é feio, ilegal, imoral e dizem que engorda.
2 – Não elimine, nem deixe que se elimine,
quem pensa e se manifesta diferente. Não seja um administrador excludente.
3 – Dialogue. Mais que isso, crie canais de
diálogo. Este é o verdadeiro norte para governar.
4 – Não se comporte com indiferença frente a
qualquer manifestação do cidadão. Não responder a quem lhe dirige é, além de
tudo, falta de educação.
5 – Possibilite a informação e a
transparência. Não há razão para que não seja assim.
6 – Não deixe de participar da comunidade e
também de possibilitar a participação dela.
7 – Considere e respeite o imaginário do
povo. Seus sonhos, criatividades, invenções...
8 – Procure pela arte que se faz aqui. Busque
saber do nosso teatro, da nossa música, do nosso cinema, das nossas artes
plásticas, da nossa literatura, dos nossos sabores e sentimentos estéticos. Se
não conseguir procure saber o motivo.
9 – Procure saber se há cinemas, teatros e
bibliotecas nos municípios, assim como as programações dos rádios e televisões,
e aproveite para imaginar o que é que as crianças, os jovens e os idosos dos
municípios fazem, sobretudo, nos finais de semana. Imagine o que assistem, o
que ouvem, o que leem, o que aprendem a gostar no campo das artes. Quais os
seus imaginários e suas aspirações estéticas.
10 – Se pergunte pelo mercado cultural de
arte acreana e o que que o Estado pode fazer por ele.
11 – Se pergunte porque as escolas não são
usadas como centros culturais, sendo naturalmente isto. Porque que elas não
divulgam a cultura local, especialmente a literatura, nem estimulam a criação
artística. Porque que a educação artística não é realidade.
12 – Se pergunte porque até hoje não se
estabeleceu no Acre uma política pública de cultura. Porque que a imensa
maioria das prefeituras não têm órgãos gestores, nem orçamentos, de políticas
culturais. Porque o orçamento do Estado para a cultura é tão parco.
13 – Se pergunte porque que o Sistema Público
de Comunicação do Estado ainda não conseguiu se fazer espaço das manifestações
culturais acreanas, do pensamento, da reflexão e do diálogo, bem como porque
que não se estimula que as empresas de comunicação façam o mesmo, e em razão
disto porque que as diversas manifestações artísticas acreanas não são
conhecidas de nós.
Talvez, no futuro, possamos sentar no teatro
para assistir outras cenas do “Arte de viver”, com ou sem ex-governador ao
lado, mas com outra qualidade de comoção. Talvez o ex-governador do futuro
possa ter consciência de seu presente, orgulho do seu tempo e do que realizou,
e não somente orgulho do seu filho. Talvez... Talvez...
*Músico, compositor, poeta e membro titular
do Conselho Estadual de Cultura.
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