Florentina Esteves
O Jabuti tinha fôlego curto.
Grande, desengonçado, desbotada a pintura.
Pesadão. Pachorrento, fazia a travessia do rio. Ponte não havia.
O catraieiro – cumprindo o horário de
funcionário público – dispendia em esforços tanto quanto lhe pagava a
Prefeitura Municipal. Devagar.
E lá estava o Jabuti, sempre atracado,
tangidas suas viagens a espaço de sesta.
No verão, rio raso, a viagem era curta.
Demora maior, a de completar a lotação. E nem tão penosa: havia o toldo
encardido e a brisa. Uma caneca de leite condensado, de mão em mão, bebia-se
água fresquinha do rio. No mais, pressa, pra quê?
No inverno, rio revolto, correnteza “braba”,
balseiros de bubuia descendo com os repiquetes, a viagem ganhava em tempo e
pitoresco. Era subir, primeiro, até quase ao “Pavilhão”, sempre aproveitando os
remansos e evitando os balseiros. Depois, em diagonal, apenas controlar nas
faias a direção, e deixar a descida por conta da correnteza.
A meio caminho da viagem cruzavam-se os que
iam e os que vinham. Ou emparelhavam. Jabuti e “seu” Neco: disputa dura, quem
mais devagar? Remadas curtas, meio a sopapos, “seu” Neco esbanjava em mau humor
o que poupava em energia.
Quando passava chatinha e os catraieiros
corriam para pegar banzeiro lá encostado à roda, passageiro do Jabuti só
olhava, atracado à distância das emoções da montanha russa aquática. Bolsos
vazios não se viaja ilusão, não se senta em toalhinhas brancas, não se sobe
pela escada. Porto pouco abaixo, sempre mal cuidado, cometia a diferença entre
os que podiam ou não podiam pagar. O Jabuti. Não tinha tabuleta que lhe
desenfadasse o anonimato. Seu farol não tinha vidro colorido, nem uma nota de mil-réis
presa em sua manga. Não disputava regatas. E à garotada não era permitido
levá-lo na volta da escola.
Domingo não trafegava. Se chovia, cadê
catraieiro? O Jabuti não tinha toldo azul.
Não se podia brincar de balançar.
Também não se pegava aposta.
O Jabuti tinha o fôlego curto.
ESTEVES, Florentina. Enredos da Memória. Rio de Janeiro: Oficina do
Livro Ed., 1990. p.42-23
*Foto "canoas na escadaria em Rio Branco" (1953) de Antonio José Teixeira Guerra e Tibor Jablonsky.
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