“O livro é a paisagem enunciativa
responsável
pela imaginação
apoteótica da origem do Acre(ano)”,
disse o professor/Foto:
arquivo pessoal
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O professor da Universidade Federal do Acre
(Ufac), Eduardo Carneiro, 37 anos, lançará seu quarto livro sobre história do
Acre no final do mês de março. Ele promete mais críticas à história oficial.
A obra “O Discurso Fundador do Acre(ano):
História & Linguística” mostra como a narrativa do passado inaugural
acriano foi inventada como epopeia. Além de oferecer explicações sobre a origem
do topônimo “Acre”, o autor também analisa como essa região sul ocidental amazônica
foi idealizada como brasileira.
“O livro é a paisagem enunciativa responsável
pela imaginação apoteótica da origem do Acre(ano). Através dele, é possível
compreender como o poder simbólico da linguagem foi empregado para ‘embelezar’
fatos históricos intimamente relacionados à violência, à corrupção e ao
extermínio de culturas”, afirma Eduardo Carneiro.
O livro está dividido em três capítulos. O
primeiro é o mais teórico, pois pretende iniciar o seu leitor às discussões
linguísticas sobre o conceito de “discurso fundador”. Para tanto, menciona as
ideias de autores como Michel Foucault, Dominique Maingueneau e Eni Orlandi.
Dentre as muitas atribuições de um discurso fundador, ele enfatiza duas: a de
instituir um marco inaugural glorioso e uma identidade sublime para uma dada
comunidade.
O segundo capítulo, o professor aplica o
conceito de discurso fundador ao topônimo Acre. Comprova que o território que
hoje conhecemos como “Acre” nem sempre recebeu esse nome. “Esse território já
foi nomeado por vários topônimos indígenas, bolivianos e peruanos. Acre é
apenas um capítulo da história dos topônimos atribuídos a este território. Ele
se tornou hegemônico porque representa a versão dada pelos vencedores das
disputas diplomáticas e bélicas pela posse daquele território. Mas ser
hegemônico não significa ser o único” frisa o autor.
Ainda nesse capítulo, o professor assegura que “o abrasileiramento do território já havia sido iniciado antes mesmo de o Acre existir enquanto comunidade de acrianos. Na verdade, a Questão do Acre começou como uma causa amazonense, a iniciativa de contestar a soberania boliviana não partiu dos ‘acrianos’ ou dos ‘brasileiros dado um fato curioso, a saber, o de que a região do atual Acre já ter sido tratada o Acre’. Assim sendo, o ‘Acre’ foi primeiro fundado como brasileiro como um “não-Acre”, isso porque ele figurava como sendo parte da jurisdição do município Antimarí, que depois passou a se chamar Floriano Peixoto”.
A obra “O Discurso Fundador do Acre(ano): História & Linguística” mostra como a narrativa do passado inaugural acriano foi inventada como epopeia. |
Ainda nesse capítulo, o professor assegura que “o abrasileiramento do território já havia sido iniciado antes mesmo de o Acre existir enquanto comunidade de acrianos. Na verdade, a Questão do Acre começou como uma causa amazonense, a iniciativa de contestar a soberania boliviana não partiu dos ‘acrianos’ ou dos ‘brasileiros dado um fato curioso, a saber, o de que a região do atual Acre já ter sido tratada o Acre’. Assim sendo, o ‘Acre’ foi primeiro fundado como brasileiro como um “não-Acre”, isso porque ele figurava como sendo parte da jurisdição do município Antimarí, que depois passou a se chamar Floriano Peixoto”.
No terceiro capítulo, é a vez de o autor
aplicar o conceito de discurso fundador ao gentílico acriano. Além de prestar
esclarecimentos sobre o surgimento do gentílico, ele também analisa as técnicas
e procedimentos discursivos que o “saturou” de acrianismo. “O patriotismo e o
heroísmo não são traços naturais da identidade do acriano. Eles foram
inventados pelos formadores de opinião que promoviam a Questão do Acre como
causa nacional. Assim faziam porque se beneficiavam da economia gomífera.
Depois de nacionalizado, foram os
autonomistas que reproduziram esse discurso patriótico e heroico, já que quanto
mais fantástica fosse a origem do Acre, mas capital simbólico teriam para
protestar contra o governo federal e reivindicar a imediata elevação do Acre à
categoria de Estado” pondera o escritor.
Professor já lançou outros 3 livros |
O pesquisador passou a ficar conhecido no meio acadêmico e nas redes sociais desde o seu primeiro livro A Formação da Sociedade Econômica do Acre: “sangue” e “lodo” no surto da borracha (1876-1914), já na quarta edição. Nele, ele faz uma verdadeira “revolução historiográfica” ao mostrar que a origem do Acre está assentada àquilo que ele chamou de “patologias sociais”, ou seja, fatos históricos desabonadores da imagem apoteótica divulgada pela história oficial, tais como: fraudes no aviamento, conflitos armados, estupro de nativas, invasão de território, extermínio indígena, concentração fundiária, descaminho de borracha, escravidão por dívida, sonegação fiscal e tributária, tráfico de mulheres e mercantilização feminina, exploração predatória da natureza, culturicídio, mandonismo político, inconstitucionalidades, dentre outros.
O segundo livro, A Fundação do Acre: uma
história revisada da anexação (fase invasiva, fase militar & fase
diplomática), mostra o que o autor chama de “uma história mais sincera do
processo de nacionalização do território conhecido hoje como Acre”.
Segundo livro fala da Revolução Acriana |
O grande diferencial desse livro é à
interpretação dada à Revolução Acriana. O autor divide o processo de anexação
em três fases (invasiva, militar e diplomática) para mostrar que a Revolução
Acriana teve importância secundária, se levado em consideração a ação
migratória e diplomática.
Assim sendo, segundo o autor, “é inconcebível
a afirmação que diz que o Tratado de Petrópolis veio apenas para
legalizar aquilo que os acrianos já haviam conquistado pelas armas”. Isso
porque, ainda segundo ele, os acrianos não haviam anexado um palmo de terras
sequer ao Brasil.
“O que eles fizeram foi transformar o
território em um país independente. Além do mais, a vitória militar que eles
obtiveram perante a minguada tropa boliviana que estava em Puerto Alonso em
janeiro de 1903, não havia sido definitiva. O modus vivendis assinado em 21 de
março de 1903, evitou a desforra que seria feito pelo exército boliviano,
liderado pelo próprio presidente da República Manuel Pando.
Ademais, prossegue o professor, “o território
já havia sido arrendado ao Bolivian Sindicate e, contra estes, os acrianos
pouco podiam, já que, até então, os EUA também estavam inclinados aos reclames
bolivianos” diz o autor. O livro foi revisado e republicado com o título
Amazônia, Limites & Fronteiras (Brasil, Bolívia e Peru): uma história
revisada da nacionalização do Acre.
O terceiro livro, A epopeia do Acre e a
manipulação da história no Movimento Autonomista & no Governo da Frente
Popular, estuda como o discurso fundador concebido pelos promotores da Questão
do Acre em fins do século XIX foi reproduzido e reinventado pelos líderes do
Movimento Autonomista e do Governo da Frente Popular.
Livro A Epopeia do Acre |
“A divulgação do discurso fundador do Acre
pelo establishment acriano foi o que consagrou a manipulação da história como
verdade. Certamente não fizeram isso gratuitamente, pois da mesma forma que os
promotores da “Revolução” inventaram o discurso do heroísmo e do patriotismo
acriano para justificar a nacionalização do Acre, os autonomistas nas décadas
de 1900 a 1960 e os petistas de 1999 até hoje também fizeram e fazem uso
político do passado para promoverem suas causas, seus partidos, suas lideranças
e, acima de tudo, angariarem a simpatia do povo” analisa o escritor.
O professor Eduardo Carneiro, que além de
historiador é economista e linguista, informa que lançará mais dois livros
ainda neste ano. Um ainda neste semestre e o outro no próximo. Trata-se dos
livros “Acreanidade” e as comemorações cívicas (do Movimento Autonomista ao
Governo da Frente Popular) e Linguística para historiadores e cientistas
sociais: uma introdução à análise do discurso.
Indagado sobre as retaliações ou perseguições
que possam vitimá-lo, o professor assim declara: “antes que a cúpula
‘eclesiástica’ defensora do ‘acrEanismo’ me convoque para a ‘inquisição’ e
coloque meus livros no index, antecipo-me em pedir clemência, pois meu trabalho
não pretende esgotar o assunto.”
E citando o escritor Caio Prado Junior,
Carneiro prossegue: “caso o intento persista e eu seja condenado à ‘fogueira’,
que ateie a primeira centelha de fogo aquele que tenha lido ao menos a metade das
obras indicadas nas bibliografias dos livros que escrevi. Aos inquisidores, o
meu último pedido: que faça constar no meu epitáfio o seguinte dizer: ‘Aqui jaz
um herege que só quis mostrar, num livro ao alcance de todo mundo, que também
na nossa história, os heróis e os grandes feitos não são heróis e grandes senão
na medida em que acordam com os interesses das classes dirigentes, em cujo
benefício se faz a história oficial”.
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