Eles
andavam em grupo e, quando perguntados, se diziam irmãos. Eles se diziam
irmãos, mas, bastava uma olhadela e se via que não eram de sangue. De sina,
sim. Quatro deles, com idades entre oito e doze anos, tinham feições
amazônicas. O menorzinho, por volta dos sete, era galego, quase um albino.
Sei
que transitavam no centro comercial da cidade, praticando mendicância e
brincando. Eram crianças, afinal. Entre o meio dia e duas horas,
invariavelmente, faziam ponto ao lado do Inácio’s Restaurante, no aguardo da
saída dos que lá faziam refeições e, até educadamente, faziam a abordagem e
pediam trocados para que pudessem comer.
A
Ruy Barbosa, obrigatoriamente, era meu percurso para o trabalho. Muitas vezes,
confesso, ou não os olhava, ou dava algum trocado, ou levava algum tipo de
biscoito e frutas. Normalmente bananas.
Numa
tarde, vi uma aglomeração diferente. O galeguinho estava caído e os outros
olhavam. Dois rapazes e uma senhora estavam junto e falavam alto. Parei para
ver o que se passava. Mais perto, ouvi a mulher mandando que os rapazes
chamassem a polícia. Não, disse-lhe, isso não é caso de polícia. Esta criança
está ardendo em febre. Vou leva-lo ao Pronto Socorro. Deixe comigo!
Peguei
o táxi do Predial, meu malvado favorito, coloquei a molecada dentro e rumei em
busca de ajuda. O rosto do galego estava vermelho. Mal falava. Já os outros,
alegres com o passeio de carro, apenas sorriam e tiravam onda com a cara do
lourinho. Eram crianças, afinal.
Bem,
o problema era garganta inflamada. O médico deu-lhe dipirona, receitou um
anti-inflamatório e dispensou-nos. Aí começou o problema propriamente dito.
Quem disse que eles queriam me dizer onde moravam? Apenas disseram que lá pelas
bandas do Morro do Marrosa.
Ao
chegarmos na entrada do morro, parecendo assustado, o moleque mais velho
disse-me: aqui tá bom. Agora nós vamos ‘de a pé’. Nada disso, meu chapa! Só
entrego o galego para a mãe. Vamos abrir o bico!
Chegando
na casa, duas moças novas apareceram. Eram as mães. De dentro da tapera, que
não se podia chamar de casa, uma caixa de som rasgava um brega. Uma delas,
segundo o Predial, era velha conhecida da polícia por agenciar crianças para
pedir esmolas na rua. Dentre outros, este era o seu meio de vida. Soube que era
paranaense. Talvez mais uma que sonhou com o Eldorado do Novo Acre.
Parecendo
embriagada, deu um sopapo no branquela e tangeu-o para dentro. Vi, então, que
era hora de puxar o carro.
Agora
sim, pensei, é caso de polícia. Denunciei.
Naquela
noite o sono demorou. Muito me questionei. Quantas vezes, apressada, passei por
aquelas criaturas e ignorei-as? Ou dei-lhes aquela esmolinha básica para estar
em paz com minha consciência? Quantas delas existiriam pelo mundo afora, umas
ardendo em febre e outras queimando de fome?
Desde então, ao fazer meu percurso para o trabalho, não mais as vi. Ou
mudaram de vida, ou estavam circulando noutro ponto da cidade. Sei lá o destino
que tomaram. Não sei. O rosto deles, a alegria que estampavam, no entanto, são
vivas em mim.
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