sexta-feira, 31 de agosto de 2018

ANÍDIA E A BABÁ

Leila Jalul

Ela apareceu num programa do Roberto Vaz, numa emissora que não lembro. Mamãe, que não perdia uma oportunidade para lacrimejar diante de uma pessoa doente, acionou-me para ir atender ao pedido do apresentador. Deveria ir, de imediato e sem reclamar, saber como poderia ajudar. Como sempre, obedeci.
Anídia era uma criança fora do comum. Seu corpo estava coberto por uma ziquizira feíssima que, à primeira vista, poderia ser pênfigo. Impetigo, eczema ou qualquer outro tipo de dermatite que não sei o nome. Da cabeça aos pés. Sangrava a cada vez que se impacientava e metia as unhas. Nem diante desse quadro lastimável, Anídia, em momento algum, perdeu a simpatia.
Levei-a para minha casa, não sem ser acompanhada por sua responsável. Instalei-as devidamente e chamei minha mãe. Pronto! Anídia já foi se abraçando com ela e chamando-a de vovó. Tive ciúme! Tive mesmo! Onde já se viu?
Bem, como minha nora pediatra morava comigo, pedi que fizesse uma avaliação e me orientasse para os devidos cuidados com Anídia que, a estas alturas do campeonato, já era coleguinha do meu neto e com ele dividia brinquedos. Do alto dos seus quatro anos, ostentava uma matreirice invejável.
A médica pediu exames de praxe e falou que aquilo não se resolveria com uma simples pomadinha. Uma dermatologista deveria ser consultada para um diagnóstico preciso. No mais, como pediatra, cuidaria da anemia profunda, verificaria o que determinava seu inchaço, faria administração de vermífugo, vitaminas, higiene pessoal, dentre outros procedimentos.
E assim foi feito. A acompanhante ficou tranquila e se foi para cuidar de seus filhos. Ela apresentou-se ao Vaz e a mim como cuidadora de Anídia, sem falar quem era a mãe da menina. Isso não era importante. Pelo menos parecia não ser.
Nunca uma criança me impressionou tanto como Anídia. Ela tinha fibra até no tutano. Não reclamava na hora em que sua blusinha, ao desgrudar-se do corpo, trazia junto parte de sua pele e os pruridos que as feridas soltavam. Anídia era pau de aquariquara!
E então começou o tratamento propriamente dito. Exames feitos, diagnóstico confirmado, Anídia, até que melhorasse das feridas, deveria dormir num colchão d’água. Seus banhos deveriam ser com permanganato, as roupas deveriam ser leves, sua alimentação balanceada, etc, etc e etecetera e tal.
Mamãe brincava com Anídia, com o bisneto e com seus papagaios falantes. E nesse ambiente, cheia dos carinhos, em menos de um mês, Anídia estava nos trinques. Hora de voltar para sua cuidadora e seus coleguinhas na zona rural.
E quem disse que Anídia queria voltar? Bateu o pé, chorou, fez birra e tudo que tinha direito. Arrumei sua mala, sua caixa de brinquedos, medicação e tudo o mais, inclusive os presentes de natal que estava próximo.
Motorista esperando, cuidadora a postos, Anídia deu-me um ultimato: só vou se minha babá também for.
Babá? Que babá, Anídia, perguntei-lhe.
Aquela ali, disse-me apontando para Janda Carla, a moça que trabalhava comigo.
Aí eu entendi e passei a amar ainda mais a minha pupila. Ela era valente, sim. Porém, mais que valente, era absolutamente carente de mãe. Babá, para ela, tinha significado de mãe. Janda Carla era quem lhe dava banhos, colocava sua comidinha na hora, arrumava seu ninho para dormir e ainda cantava uns louvores para acalmar suas dores e birras. A parte que me cabia era fazer com que tomasse os medicamentos nos horários e não fazer festa com os seus beicinhos e mimimis. A parte da megera, pois.
Sinto saudades da Anídia. Espero que esteja uma bela e brava mulher

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