Embora
não tenha obtido reconhecimento nacional, José Potyguara pode ser considerado
um dos autores mais lidos na região amazônica, notadamente no Acre onde sua
obra foi reeditada. A razão de seu sucesso está ligado, aparentemente, à
representação da terra e do homem em seus contos e romances. Para muitos de seus
leitores essa representação é a efetivação mesma da expressa literária
amazônica. Todavia, seria esse elemento regional suficiente para explicar a
popularidade de um autor numa região sem um sistema literário consolidado?
“Eu
devia este livro a essa Amazônia longínqua e enigmática, pelo muito que fez aos
primeiros anos de minha adolescência e pela coragem que me deu para o resto da
vida. E devia-o, sobretudo, aos anônimos desbravadores, (...) gente sem crônica
definitiva, que à extração da borracha entrega a sua fome, a sua liberdade e a
sua existência.”
A
Selva – Ferreira de Castro
1 – O REGIONALISMO
1.1
O Regionalismo na Literatura
Brasileira
Em
sentido lato, pode-se dizer que a questão do regionalismo em nossa literatura
principia com ela mesma ou em seus primeiros documentos, na carta de Pero Vaz
de Caminha e na literatura que se convencionou chamar dos viajantes. Ali
encontra-se já os elementos chaves que iriam compor o nosso regionalismo: a
descrição da terra, do homem e de seus costumes, numa perspectiva há um só
tempo de exotismo e superficialidade.
Essas
marcas seriam mais tarde consolidadas por uma das correntes do Romantismo
brasileiro que, unindo o regionalismo a um sentimento de nacionalidade próprio
da época, gerou o primeiro movimento regionalista em seu sentido estreito: o
Sertanismo.
Para
se compreender como se estruturou o Sertanismo no interior do Romantismo é
preciso que se tenha em vista que, no Brasil, este movimento buscou, acima de
tudo, firmar a “independência” literária consoante à independência política. O
nacionalismo é, assim, o seu traço determinante, seja na poesia, no teatro ou
no romance. Para Antônio Cândido, esse nacionalismo literário, que norteou
afetiva e intelectualmente todo o nosso romantismo,
“Consistiu
basicamente (...) em escrever sobre coisas locais; no romance, a consequência
imediata e salutar foi a descrição de lugares, cenas, fatos, costumes do
Brasil” (Cândido, A: 1964, II, 112)
É
também no romance que a busca do “específico brasileiro irá se entender basicamente
a duas correntes: o Indianismo e o Sertanismo”. No caso do indianismo,
praticado notadamente por José de Alencar, um dos maiores romancistas
românticos, procurava-se fundar um passado que lastrasse culturalmente a nova
nação. O índio, para além de sua assimilação ao cavalheiro medieval, era o
ponto de diferença e, por conseguinte, de especificidade do Brasil.
Ao
contrário da distância no tempo do Indianismo, é a distância no espaço que
caracteriza o Sertanismo. O sertão, o interior pouco habitado e pouco
contaminado pelos costumes europeus bem conhecidos e imitados na costa
brasileira, parecia traduzir com perfeição a premissa romântica da pureza e da
integridade física e moral do homem que vive em contato estreito com a
natureza. Além do mais, essa idealização do homem rústico reforçava o
nacionalismo da temática. Posto que permitia não só naturalizar a ambientação
do romance através da cor local, como também contrapôs a especificação do
brasileiro ao europeu (português). São esses elementos que estão na base d’ O Gaúcho, O Sertanejo, Til e O Tronco do Ipê, romances de José de
Alencar que, sem muito apego à realidade, procuram delinear quadros pitorescos
de nossa cultural regional.
Esse
reforço de nacionalizar a narrativa através de uma literatura de caráter
regional prosseguiu com Bernardo Guimarães, onde se pode encontrar rastros da
oralidade ao lado de personagens rasos e situações folhetinescas, ambientadas
principalmente em Minas Gerais e em Goiás, como nos romances O Ermitão de Muquém, O Seminarista e O Garimpeiro, entre outros. Também com Franklin Távora, o qual, em
polêmica com José de Alencar sobre a necessidade de um conhecimento concreto da
região a ser descrita – uma vez que este escritor jamais fora aos pampas, mas
escrevera O Gaúcho – lançou um programa regionalista mais rígido, que só na
geração seguinte iria se efetivar. Em seus romances. Távora não conseguiu
escapar da idealização romântica que tanto criticara em Alencar.
Prossegue,
ainda, com Visconde de Taunay, que é considerado pela crítica, o mais
equilibrado de todos os sertanistas do período, com o romance Inocência. Nesta obra, a observação e a
análise minuciosa da terra suplantam em certa medida a idealização romântica e
permitem uma fixação mais acurada dos costumes regionais. Mesmo assim, o
regionalismo de Taunay e marcado por um distanciamento da vida sertaneja, que
faz aquele mundo ser.
“visto
de fora para dentro sem contudo jamais ser apreendido de forma orgânica (...) a
ação é apenas moldura. O mundo do sertão é objeto de uma descrição e não o
palco natural de uma vivência, de uma existência.”
(Weber, J.H.: 1990, 43)
Todavia,
se a idealização e o nacionalismo são aspectos negativos do Sertanismo, uma vez
que levaram os românticos a tratar de maneira exótica e superficial o homem e a
terra que pretendiam descrever[1],
os aspectos positivos desse movimento vão além da adoção de uma temática
regional. Ele contribuiu, como bem coloca Antônio Cândido[2],
para a autonomia da literatura brasileira, posto que não havia para o romance
sertanista modelos prontos na Europa, como os do indianismo (romance histórico)
e do romance urbano (romance de folhetim), assim também como levou à observação
e com ela um contrapeso realista na descrição da vida social do país.
O
Segundo movimento regionalista realizou-se dentro do complexo
realista-naturalista e acompanhou a literatura até a virada do século. Como
Sucessor do Sertanismo e, em certos casos, seu revitalizador, recebe deste um
gosto acentuado pelo pitoresco que iria dominar a maior parte de sua produção.
Também herdou um nacionalismo romântico, funciona muitas vezes como uma
idealização invertida. Desse modo, o homem do sertão é comumente retratado sob
o domínio de seus instintos primários, sendo incapaz de apresentar uma
racionalidade que os supere.
O
gosto pelo pitoresco leva esses novos regionalistas a exacerbarem o papel da
geografia e a importância do meio ambiente em suas obras. Assim, se o
geografismo revelava aos brasileiros as peculiaridades de regiões que só
existiam no mapa para muitos, por outro lado, era por demais influenciados
pelas ideias do estilo de época a que se filia, gerando um determinismo
deslocado e, em certos romances até mesmo grotesco.
A ânsia de revelar o Brasil através de suas
regiões apresenta, ainda, como aspecto positivo, a expansão do regionalismo em
grupos mais ou menos consistentes, num espraiamento da literatura brasileira
antes não existente. É nesse momento, por exemplo, que se integra à nossa
literatura a região sul com Simões Lopes Neto, Apolinário Porto Alegre e
Alcides Maia; a região nordeste com Domingos Olímpio, Manuel de Oliveira Paiva
e Rodolfo Teófilo; o sertão mineiro e goiano com Afonso Arinos e Hugo de
Carvalho Ramos; o interior paulista com Monteiro Lobato e Valdomiro Silveira; a
Bahia com Xavier Marques e Salvador Mendonça; e a Amazônia com Inglês de Souza
e Alberto Rangel.
Afora
o geografismo, percebe-se como traço importante nessa segunda geração
regionalista uma grande preocupação em fazer do romance um documento sobre a
região em foco. Esse lastro documental revela-se – para além das descrições
acuradas, não raro recheadas de termos técnicos, e explicações pseudocientíficas
para determinadas ações dos personagens no cuidadoso registro da língua
nacional.
Numa
contribuição relevante para os estudos sociolinguísticos, os regionalistas
naturalistas pesquisaram e procuraram manter-se fiéis à linguagem dos
personagens. Em muitos de seus romances surgia, desse modo, como consequência:
“a necessidade dos
glossários, dos adagiários, dos vocabulários, verdadeiras chaves de
interpretação, sem as quais se torna impossível compreender personagens e até
mesmo quadros tão sobrecarregada de escória está o mineirios dessa língua
estranha que distancia o leitor do assunto e lhe denuncia, desde logo, a
falsidade no tratamento.”
(Sodré,
N W.: 1982, 4907)
Essa
falsidade no tratamento da matéria regional a que se refere o autor citado,
nada mais é que o reverso da fidelidade ao pitoresco. Levada ao extremo, essa
fidelidade termina por deturpar a realidade[3] e
revelar a verdadeira posição ao narrador em relação à sua temática e aos seus
personagens. O regionalismo mostra assim a sua contraface ideológica na
distância propositadamente estabelecida entre o registro culto do narrador e o
registro regional da personagem. Nas palavras de Aurélio Buarque de Holanda, na
introdução aos contos Gauchescos e Lendas do Sul, de Simões Lopes Neto:
“o
comum entre os escritores regionalistas é portarem-se ante o homem do povo como
um expectador fino e sutil que se delicia com as “tolices” do linguajar errado,
caprichando ele o máximo na sua linguagem – como para guardar distância. Ele
observa o pitoresco lá da plateia; mas longe de querer para si mesmo alguma
coisa daquele pitoresco; nada de confundir-se com o ator”.
(apud Sodré, N. W.: idem, 419)
Mesmo
com essa distância entre as personagens e o narrador, que se marcava como
superior aos primeiros, aos autores regionalistas do período não puderam deixar
de trazer consigo, na proposta de integração da sua região a literatura
brasileira, elementos populares que seriam, progressivamente, absorvidos como
próprios de nossa cultura. É ainda dessa maneira que alguns atingem, talvez até
inconscientemente, um nacionalismo mais consistente do que o epidérmico
geografismo do pitoresco e da cor local.
Uma
terceira corrente regionalista surge na segunda fase do modernismo com o
chamado romance de 30 ou romance nordestino, pelo grande destaque que os
escritores daquela região nela alcançaram. Menos pitoresca, menos preocupada
com o registro da linguagem regional, e nem por isso menos regionalista ou
literária, essa terceira vertente é aclamada pela crítica frente o reconhecido
valor estético de suas obras representativas. São os romances de Graciliano
Ramos, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, José Américo, Jorge Amado, entre
outros.
Centrado
na região nordeste e marcado pelo compromisso político-social para com a região
descrita, o regionalismo de 30 recupera o modelo narrativo do
realismo-naturalismo, mas não lhe copia os tiques deformantes de nossa
realidade. Ao contrário, soube investir na figura do homem e na sua relação com
a terra, atingindo, dessa forma, uma síntese equilibrada entre a descrição da
região e a matéria ficcional. Equilíbrio esse que antecipa, como no caso de
Graciliano Ramos, e prepara, ao mesmo tempo, a dissolução do regionalismo
enquanto corrente autônoma em nossa literatura.
O
marco da dissolução referida acima está na obra de João Guimarães Rosa, a
partir da qual não se pode mais falar de corrente regionalista na literatura
brasileira, tal é a ruptura que promove entre os conceitos de regional e
universal, sobre a qual se assenta, em última análise, a questão do
regionalismo. Desse modo, romances tais como O Coronel e o Lobisomem, de José Cândido de Carvalho; Chapadão do Bugre, de Mário Palmério; Sargento Getúlio, de João Ubaldo
Ribeiro; e Os Guaianãs, de Benito
Barreto, que poderiam ser considerados como títulos de uma quarta geração
regionalista – a dos anos sessenta – já não cabem nessa denominação. São obras
que deixam de ser romances regionalista para serem simplesmente romances da
literatura brasileira.
1.2
O Regionalismo Amazônico
Segundo
Peregrino Jr., quatro foram as fases do regionalismo amazônico. A primeira
delas é “a dos homens e da terra”, onde se encontra “mais fidelidade ao real,
mais autenticidade, um comovido amor à gente e aos seus costumes” (Peregrino
Jr.: 1986, 243). A segunda sofreu grande influência de Euclides da Cunha,
caracterizando-se pelo “estilo torturado, descrição da terra e do homem num tom
grave e triste de espanto, de exaltação e perplexidade” (idem). A terceira
retoma da primeira o seu interesse pelo elemento humano e se opõe à segunda a
nível ideológico. É o “inferno verde” transformado em “paraíso verde”. Mantém,
contudo, o estilo tortuoso. A quarta e última nasce da superação das
antecessoras, apresentando-se, dentro de uma perspectiva modernista, “mais
orgânica, mais direta e objetiva” (ibidem).
Quaisquer
que sejam as divisões adotadas, entretanto, o certo é que o regionalismo
amazônico teve início na segunda corrente regionalista e, ao que parece, ainda
não a superou de todo, embora isto não seja uma verdade absoluta em todos os
seus autores. O primeiro escritor a se dedicar à ficção amazônica é também o
introdutor do naturalismo na literatura amazônica: Inglês de Souza. Não só
tradutor, como também fiel discípulo das ideias naturalistas importadas da
Europa, o autor marca suas obras pelo determinismo com que rege o destino de
seus personagens, numa clara inspiração no romance de tese de Zola. É certo,
que além do determinismo, percebe-se em seus romances uma certa preocupação com
o social, que seria acentuada em seus sucessores.
Neste
início, entretanto, ao contrário do que se poderia pensar em se falando de
regionalismo amazônico, a selva ainda ocupava o papel determinante observável
nos autores que seguiriam a trilha aberta por Inglês de Souza. De acordo com
Temístocles Linhares,
“A
paisagem nesses livros de Inglês de Souza era relegada para plano inferior,
fazendo avultar a luta do homem mais contra ele próprio do que contra a terra
ou a natureza sempre, é certo, predispostas a ameaça-lo e a julgá-lo ora pelas
águas, ora pelos animais selvagens.” (Linhares. T.:1987, II, 372)
A
Selva só passou a ocupar o papel central na virada do século, quando após os estudos
de Euclides da Cunha sobre a região, surge Inferno
Verde de Alberto Rangel, não sem razão prefaciado pelo primeiro. Como bem
já revela o título, nessa obra procurou-se mostrar a luta do homem contra a
natureza sempre hostil e ameaçadora da Amazônia. O tema, que já fora abordado
anteriormente por Rodolfo Teófilo em O
Paroara, rapidamente se transformou em clichês, sendo praticamente
impossível não se encontrar nas obras referentes à região um capítulo destinado
a descrever a imensidão e a voracidade verde da selva.
Temática
essa transfigurada num estilo peculiar que procura transportar para a língua a
grandiosidade e a violência da mata. No dizer de Peregrino Jr. há nos livros
regionalistas da Amazônia uma surpreendente uniformidade: “quase todos mostram
(...) um rebarbativo tumulto verbal e uma inevitável fuga lírica” (op. cit.,
241)
Não
obstante esse “estilo arrevesado” e a presença marcante da selva como elemento
mais característico, o regionalismo amazônico sofre desde os seus primórdios
com um excesso de documentalismo, em grande parte ocasionado pelo estranhamento
que produzia entre os leitores do centro-sul os costumes e o modo de falar
daquela região longínqua e praticamente inacessível. Dessa maneira, não são
poucos os autores que, como José Veríssimo, transformaram suas observações
pessoais em contos de caráter mais documental que ficcional.
A
preocupação com o social, o fascínio e os perigos da terra misteriosa, o estilo
exuberante e o aspecto documental do regionalismo amazônico vão encontrar sua
síntese no romance paradigmático de Ferreira de Castro: A Selva. Nesta obra os traços autobiográficos garantem o lado
documental, enquanto a descrição da vida miserável dos seringueiros, que já
tivera eco antes em Os Deserdados de
Carlos Vasconcelos, e a presença da selva luxuriante a comandar a vida de todos
adquirem sua forma definitiva. Mais que fixar os elementos observados em seus
antecessores, Ferreira de Castro, imigrante português, trouxe para o
regionalismo amazônico um olhar estrangeiro, responsável, ainda hoje, pelo tom
quase natural do permanente exotismo das obras ligadas à produção regionalista.
É a Amazônia vista de fora para dentro, quer por suas matas inexploradas, um
“inferno verde”, quer por seu povo, um exército de “deserdados” entregues à
semiescravidão nos seringais, isolados e esquecidos por tudo e por todos.
A
destacar-se deste paradigma de ficção amazônica centrada na selva e na vida dos
seringueiros, apresenta-se a obra de Dalcídio Jurandir, composta de vários
títulos. Em seus romances é possível encontrar um outro regionalismo que coloca
o autor dentro da corrente de 30. Daí que, coerentemente, sua obra tenha como
característica maior o homem na luta pela sobrevivência frente à sociedade
construída sobre as limitações que a natureza impunha. Assim, nas palavras de
Temístocles Linhares,
“a
Amazônia do autor não era só composta de enigmas e mistérios difíceis de
penetrar, mas também de gente, a gente grande e a gente miúda que lhe davam
vida, a vida essencial e fundamental que fez este mundo para o homem, a sua
vida e os seus problemas.” (op. cit., 416)
Por
falta de um ambiente propício e de continuadores, a obra de Dalcídio Jurandir
fica isolada no contexto regional. Só mais tarde o regionalismo perde o fôlego
e abre espaço para uma literatura de expressão amazônica de caráter mais amplo,
como demonstram o romance satírico Galvez,
imperador do Acre, de Márcio Souza e, mais recentemente, o enigmático e
profundamente amazônico Relato de um
certo Oriente, de Milton Hatoum. Nestes e outros autores a Amazônia não é
mais uma região exótica e segregada pela selva densa. Ao contrário é espaço da
vida e de uma cultura com expressão própria dentro da literatura brasileira.
1.3 O Regionalismo
Amazônico de José Potyguara
Dos
quatro títulos publicados por José Potyguara apenas os três primeiros pertencem
efetivamente ao regionalismo amazônico. A obra de estreia é um livro de contos Sapupema, publicado em 1942. Mais do que
contos amazônicos, como diz o subtítulo, são histórias recontadas da realidade
vivida pelo autor ou a ele noticiadas durante sua permanência no interior
acreano como promotor de justiça. São histórias envolvendo crimes, como “Flor
do charco”, “Justiça do Seringueiro” e “Vingança”, tragédias resultantes dos
embates do homem contra a natureza devastadora, a exemplo de “Madereiros” e
“Alagação”, e casos reveladores do destino e novos hábitos de vida dos
nordestinos transformados em seringueiros, como se pode ler em “Evas”,
“Bazílio”, “A Volta”, “Caxinauás” e “Noivado Comercial”. A exceção a essa
distribuição, conforme edição definitiva[4],
está em “A Onça”, que n]ao é exatamente um conto, mas sim uma anedota de cunho
autobiográfico.
Do
ponto de vista do conjunto da obra de Potyguara são esses contos que melhor
realizam o regionalismo amazônico, ainda que este tipo de narrativa documental
já fosse praticado no século passado por José Veríssimo, entre outros. Nos
contos de Sapupema, o regionalismo se
constrói, sobretudo, pela presença do homem – o nordestino que fugindo da seca
busca na extração da borracha o seu novo sustento – lutando contra a natureza –
a selva imensa e misteriosa, com animais selvagens e perigos inimagináveis
sempre a abater-se sobre o homem com a fatalidade trágica que cerca os
infelizes. É em meio a esses dois polos, homem X natureza, que os costumes são
solidificados e um princípio de identidade cultural se anuncia. Nesses casos
estão, por exemplo, “Madeireiros” e “Alagação”, contos onde o autor alcança um
equilíbrio raro entre os dois polos e consegue, sem quebrara estrutura do
conto, transmitir com fidelidade a violência física e psicológica que a vida na
floresta impunha aos desbravadores nordestinos.
O
segundo título, Vidas Marcadas,
pertence a um romance publicado em 1957. Talvez seja o livro mais conhecido de
José Potyguara e, coincidentemente, o menos amazônico de sua trilogia regional.
O primeiro terço da narrativa tem como cenário o interior do Ceará, onde o
protagonista Fernando, jovem noivo da filha do prefeito, é acusado de roubar o
dinheiro da Coletoria de Imposto. Inocente, mas preso a uma sórdida armada por
seu primo, resta a Fernando fugir para o norte. Em Belém, consegue emprego como
gerente num seringal acreano. Começa, então, o segundo terço do livro que
relata a viagem do herói para o seringal acompanhando o Coronel Faustino, o
proprietário do seringal, e sua filha Diana. O último terço se passa no
seringal. Fernando ante o assédio de Diana, descobre-se apaixonado. Todavia,
não se permite concretizar a paixão por força do compromisso no Ceará. A
chegada de novos seringueiros traz um dos participantes da trama que incriminou
Fernando. Um acidente leva esse indivíduo à morte e a confessar antes a sua
culpa, apresentando, inclusive, uma prova capaz de inocentar o protagonista.
Quase na forma de um epílogo, ele volta ao Ceará, disposto a provar a sua
inocência, mas encontra o primo casado com a antiga noiva e desiste de levá-lo
à justiça.
A
trama, como se pode perceber, é acentuadamente romântica e muito bem urdida.
Mas não é só pelo romantismo que o romance se liga ao passado. Os valores
tradicionais são hiperacentuados no decorrer de toda a história e um
maniqueísmo sufocante determina a ação de todas as personagens que, já na
apresentação, são distinguidos pelo narrador entre bons e maus. É o que se pode
ler, por exemplo, na apresentação de Mundico, o antagonista, e seus pais:
“Mundico
(assim é ele vulgarmente conhecido) tem muito da fraqueza de caráter do pai e
da requintada maldade da mãe, revelada na orgulhosa superioridade dos gestos,
na expressão dura do olhar, na ironia perene do sorriso.”
(V. M., 01)
Essa
distinção não se restringe ao interior, como a que opõe Fernando a Mundico,
ambos jovens e atraentes, mas também à caracterização externa. Assim Lídia, a
noiva de Fernando, que representa o amor platônico, é loura, tem olhos
azul-celeste, usa roupas discretas e é “simples, sem vaidade nem pose”. Já
Diana que representa a paixão arrebatadora, é morena, tem “olhos negros e
cintilantes”, usa vestidos finos e decotados, possui um gênio rebelde e
atitudes intempestivas. Esse evidente clichê se opõe a “loura angelical” à
“morena diabólica” é apenas mais uma das muitas ligações desse romance com o
ideário romântico-folhetinesco.
A
confirmar a continuidade dessas ligações, temos uma Amazônia retratada em
clichês e colocada em segundo plano. Como no Sertanismo, a descrição da terra
serve apenas para dar cor local e acentuar o pitoresco do cenário. Desse modo,
não é de estranhar que a presença da selva amazônica esteja, ligada a trechos
dissertativos, onde o narrador toma a palavra não para narrar, mas para
explicar e refletir. É o que se observa, por exemplo, neste trecho, quando,
após uma breve descrição da mata, o narrador disserta:
“É
a flora equatorial em toda a sua pujança, a selva amazônica em sua opulência,
com seus mistérios, na sua impressionante solidão, gerando riquezas, ceifando
vidas. Ali, perdido entre gigantes vegetais, o homem se torna pigmeu. Átomo
diluído na imensidão da vegetação.”
(V. M., 131)
A
razão da secundarização do regional na obra, onde a Amazônia é pouco mais que
um cenário, deve-se ao fato da narrativa concentrar-se sobre personagens que
não vivem a terra concretamente. Fernando, apesar de nordestino e imigrante
como milhares de seus conterrâneos, não é um seringueiro, mas sim o gerente.
Desse modo, está ligado ao grupo dos proprietários, ao lado de Diana e seus
pais. Os proprietários, como se sabe, não trabalhavam no seringal, apenas
exploravam a borracha e trabalho dos seringueiros.
Relegada
às personagens secundárias, a Amazônia de Vidas
Marcadas é também recopiada, nos seus melhores momentos, dos contos de Sapupema numa técnica de autocitação que
denuncia tanto o lugar comum dos tipos e descrições usadas como as limitações
do autor em recriar artisticamente outros dados da realidade, além daqueles
fixados no livro de estreia. Dessa forma, trechos dos contos são transportados,
como, por exemplo, a história de Gonçalo em A
Volta, que é parcialmente repetida em Vidas
Marcadas, na forma de um diálogo entre um caboclo sem nome e Gaspar, o
balconista do armazém. Vejamos o que diz Gonçalo:
“Se
vosmecê nunca sofreu desse mal, eu lhe digo: Saudade é uma dor danada; uma dor
que dói dentro, cutucando o coração da gente”
(Sap., 84)
E comparamos com a
fala do caboclo anônimo:
“Moço,
cê já sentiu sodade. Uma sodade danada? Uma sodade qui dói dentro, cutucando o
coração da gente?”
(V. M., 118)
O
mesmo acontece, ainda, com a descrição do taperi de paxiúba em “Flor no Charco”
que:
“Chama
também a atenção a parede do fundo, completamente coberta de folhas de jornais
e capas de revistas, ali colocadas para tapar as frinchas da paxiúba. Além
dessa finalidade prática, nada mais recomenda tão original e caótica
exposição.” (Sap., 74)
e o taperi de
Sebastião, um seringueiro:
“Nas
paredes, de alto a baixo, estão coladas capas de revistas com as gravuras as
mais variadas (...) Nessa promiscuidade as paredes da barraca apresentam um
variado caleidoscópio de cores e assuntos. Além da finalidade ornamental,
aquelas gravuras têm a finalidade de tapar as fendas da paxiúba.” (V. M., 133)
A
técnica do recorte e aproveitamento do livro anterior irá se acentuar no
terceiro título, a Terra Caída,
publicado em 1961. Nesta obra, talvez por força mesmo da ausência de um eixo
narrativo central, percebe-se com maior nitidez o processo de colagem e
repetição de personagens e episódios inteiros de Sapupema e Vidas Marcadas.
É assim que Gaspar e Salomão de Vidas
Marcadas transformam-se em Tomaz e Elias Abdala de Terra Caída. O conto “Alagação” é também transposto com pequena
alteração no seu final e no nome do protagonista que passa de Chico Reinaldo para
Chico Bento. O mesmo processo é empregado em “A Onça”, onde até mesmo o nome
dos personagens tipos são mantidos. Ainda do mesmo conto é aproveitado, num
momento posterior, o estafeta do correio que de Chico Tales passa para Zé
Barbosa. Também o casal Cardoso e Xandoca do conto “Vingança” encontram-se
ampliadas, mas com funções iguais em Terra
Caída, sob os nomes quase homófonos de Conrado e Maroca. Apenas o título de
exemplo de como essas repetições acontecem no romance, compararemos um trecho
de Terra Caída:
Transido
de dor, a respiração suspensa, o desditoso caboclo recebeu terrível golpe sem
uma palavra de queixa. Não havia tempo a perder com imprecações inúteis. Urgia
qualquer providência para tentar salvar o filho, que talvez ainda estivesse
vivo.
Não foi difícil seguir a pista da onça. O sangue
derramado era um vestígio certo, que o cãozinho farejava. Muito adiante, depois
de uma pinguela, lá do igarapé, o cachorro latiu junto à tronqueira de um
mulateiro caído num cerrado de sororoca.
(T. C., 29)
Com
este trecho de Sapupema:
“Transido
de dor, a respiração suspensa, o desditoso caboclo recebeu aquele terrível
golpe do destino.
Não havia tempo a perder. Urgia qualquer providência para
tentar o salvamento da criança, que talvez ainda estivesse com vida.
Não foi difícil seguir a pista a onça. O sangue derramado
era um vestígio certo, que o cãozinho farejava, seguindo adiante. Após andar
muito, latiu junto à tronqueira de uma árvore caída, dentro de um cerrado de
sororoca”
(Sap., 67)
Como
se pode ler, o autor transcreve quase literalmente páginas de um livro para
outro, fazendo de Terra Caída uma
verdadeira colcha de retalhos recortado de Sapupema
e Vidas Marcadas. Mesmo nos poucos
trechos que não se repetem, a força criativa do autor é quase inexistente. É
que grande parte desses trechos e personagens, novos em Potyguara, são por
demais conhecidos no regionalismo amazônico. A exemplo, o episódio da pescaria
no Lago Preto, onde um jacaré ataca um afoito pescador, já fora melhor descrito
em Deserdados, de Carlos Vasconcelos,
em 1922. Também o curioso Mr. Scott, inglês perdido no seringal, encontra
antepassados em Lionel Garnier, do romance O
Gororoba, de Lauro Palhano, publicado em 1931. Comum aos dois personagens é
a nacionalidade inglesa, a medicina charlatã, o gosto pelo cachimbo, a função
de conselheiro e a despreocupação para com o futuro.
Talvez
por força desse aproveitamento de textos anteriores, Terra Caída apresenta um número excessivo de personagens que se por
um lado o torna mais colorido, por outro lado prejudica-lhe a economia
narrativa. Falta, desse modo, ao romance um eixo narrativo central melhor
definido. Provavelmente, o projeto romanesco do autor envolvia um retrato de um
seringalista que afunda moral e fisicamente com o preço da borracha. O
resultado, porém, é que um conjunto de episódios interligados pela vida no
seringal que, ao mesmo tempo, segrega todos a um único meio e desagrega as
relações interpessoais. Esse desregramento dos valores humanos e a violência da
vida na Amazônia resultantes do meio hostil e da exploração do trabalho
semiescravo dos seringueiros, empresta à narrativa laivos de neo-naturalismo e
o integra, pelo menos nesse aspecto, ao paradigma do romance amazônico dos
seringais, cristalizado em A Selva,
de Ferreira de Castro, no qual, aliás, José Potyguara parece inspirar-se.
Dado
o grande número de personagens, esses não poderiam deixar de ser mais
esquemáticos que nos livros anteriores. A apresentação de cada um consiste, na
maioria das vezes, em um breve resumo de seu passado, seguido imediatamente da
ação que a caracteriza. Não é de surpreender, portanto, que grande parte delas
seja personagens tipos do regionalismo amazônico. É assim que se apresenta
Tonico, o seringalista despótico e covarde, traído pela mulher mais jovem;
Elias Abdala, o turco regatão que faz comércio ilegal da borracha; o casal
constituído do gerente Conrado, marido sem força para comandar o seringal e a própria
casa, controlado que é pela mulher Maroca; o capataz ou guarda-livros que
usurpa o lugar do gerente na ausência do patrão, sempre vilão; o “brabo”,
seringueiro que chega recentemente do Ceará; entre tantos outros personagens
encontrados não só na bibliografia amazônica, como também na memória popular.
O
quarto título é o também romance Do
Seringal ao Asfalto, publicado em 1979. Com esse livro, o autor pretendia
dar continuidade ao segundo romance Vidas
Marcadas. Passado mais de vinte anos, melhor seria que não tivesse cedido
às pressões de seus leitores, segundo relatos amigos, para reescrever um outro
final para a ingênua história de Fernando e Diana. O resultado foi um livro
raso e esgarçado, com personagens estereotipadas e inconscientes, além de um
enredo, no mínimo, inverossímil. Apesar da sugestão do título, não há no
romance nada de seringal e pouco asfalto. Não é um romance amazônico, mas sim
um romance que a falta de denominação melhor seria de costumes ou urbano, uma
vez que se passa no Rio de Janeiro. No todo, apresenta-se como uma sucessão de
quadros piegas, onde não faltam o órfão, a prostituta virtuosa, o amor proibido
pelos pais e outros tantos clichês de um moralismo rançoso que nos faz lembrar
as novelas de rádio, herdeiras do romance folhetim, e as fotonovelas italianas,
ainda que com menos ação em ambos os casos. Pior, como se acreditasse ser
necessário orientar leitores novos que possivelmente não haviam lido o romance
anterior, o escritor recheou o livro com resumos e explicações que, se antes
poderiam ter a função de elucidar as particularidades da região, agora são
desnecessárias e cansativas. Em suma, sem o colorido regional das narrativas
anteriores, Do Seringal ao Asfalto é pouco mais que um livro de bolso e muito
menos, em termos de criatividade e autenticidade, que uma narrativa de cordel.
Frente
ao exposto, o quê se pode dizer do regionalismo amazônico de José Potyguara?
Talvez para a decepção de muitos de seus leitores não há dúvida que o
regionalismo desse autor é, no mínimo ultrapassado. Com efeito, o melhor de sua
narrativa está ligada ao aspecto documental que ronda essa corrente literária
desde os seus primórdios. A vida do seringueiro e as idiossincrasias da região
são, dessa maneira, muito bem expressas pelo autor, principalmente nos contos
de Sapupema, sua matriz literária.
Nota-se, porém, que em relação à vida do seringueiro, o uso de personagens
tipos atenua bastante a questão da exploração a que os nordestinos eram
submetidos. O aspecto social de sua obra, portanto, não alcança o mesmo grau de
intensidade que se observa em outros romances amazônicos.
Dentro
das peculiaridades da região, a visão da terra e a descrição da selva merecem
um destaque especial. A Amazônia do autor é sempre densa, luxuriante e,
sobretudo, exótico. Assim precisa ser descrito sucessiva e repetidamente com os
mesmos clichês que vão do emaranhado dos cipós às árvores altas e grossas, dos
igarapés profundos aos animais selvagens e traiçoeiros, dos índios apenas
pressentidos ao verde intenso da mata. Como se percebe, o lugar comum desse
exotismo já cristalizado, longe de promover o desvelamento da terra e do homem,
reproduz e legitima, na verdade, um olhar estrangeiro, cujo compromisso é com o
pitoresco e a cor local, jamais com a intensidade cultural própria à região.
O
uso desses clichês, que de resto não se restringem à selva, mostram, por um
lado, que o regionalismo de Potyguara é um tanto artificial. Esse traço é
também confirmado pela linguagem de suas narrativas. Apesar de seguir o credo
regionalista do naturalismo-realismo, que exige o uso de glossário e
explicações no corpo do próprio texto sobre as “diferenças” da região, o
registro da língua regional resume-se, quase que exclusivamente, a nomes de
espécies da flora e da fauna local. Em relação aos personagens, é nítida aquela
divisão observada pelos autores regionalistas entre o discurso do narrador e a
fala dos personagens. Aquele é nos textos de Potyguara sempre culto e algumas
vezes até arcaico; essa, por sua vez, é estropiada e aparece usualmente em
negrito, como se o narrador desejasse dizer ao seu leitor que está apenas
reproduzindo, mas não concordando.
Finalmente,
cumpre-se indagar: se o regionalismo de Potyguara é pouco profundo e um tanto
ultrapassado, nada acrescentando de novo à bibliografia amazônica, seria ele o
responsável pelo sucesso do autor entre tantos leitores da região? A resposta
não poderia deixar de ser negativa. A verdade é que mais que regionalista, as
narrativas do autor são de caráter extremamente popular e é esse elemento,
indubitavelmente, que conquista leitores num sistema literário pouco
consolidado, como o da região amazônica. Para provar isto, leiamos outra vez,
agora sob esse novo prisma, os livros de Potyguara.
II. O ROMANCE
POPULAR
2.1 O Romance da
Literatura Popular
Sob
a denominação de “popular” podemos encontrar, pelo menos, três diferentes
acepções, embora não seja tão fácil definir os limites de cada uma delas[5].
Uma dessas acepções é aquela que se define por tomar a palavra do povo e falar
por ele, como se fosse possível haver um porta-voz legítimo para abstração que
é o povo. Nessa situação, popular equivale a populista. Outra acepção ocupa-se em determinar o que é adequado ou
de agrado do povo, entendido este como aquela parcela da população que não
possui cultura formal e/ou de consumo elevado. O popular pode ser, desse modo, popularesco. Uma terceira e última
acepção refere-se ao que surge ou percorre o meio do povo – agora não necessariamente
restrito aos desfavorecidos da população – embora seja, pelas suas condições de
vida, entre eles um fenômeno mais frequente. É o que não tem dono certo, nem
outro compromisso afora o dia a dia vivido em comum. Popular aqui é realmente popular.
Na
literatura, e nas artes de um modo geral, o termo popular, usado como adjetivo,
adquire outras conotações que ampliam a sua significação ao mesmo tempo que a
determinados aspectos caracterizadores de uma obra. Dessa maneira, conforme
Bernard Mouralis, uma obra artística, cuja autoridade seja desconhecida ou
provenientes de autores reconhecidamente operários ou pessoas do povo, é
popular pela sua origem. Também pode
ser popular pelo seu destino, como é
o caso dos livros da chamada literatura de massa, os quais são escritos
especialmente para atender um amplo consumo. Outra forma de ser popular
consiste em explorar tematicamente o povo, fazendo de suas preocupações e de
seu estilo de vida o conteúdo da
obra. Finalmente, considera-se, ainda, como popular, pela reprodução da
linguagem do povo nelas encontradas, aquelas obras, cuja, forma revela uma acentuada preocupação com a literatura oral.
Todavia, como bem o diz Mouralis:
“Nenhum
destes critérios – origem, conteúdo, forma, destino –, tomado isoladamente, permite
determinar o caráter ‘popular’ da obra, na medida em que cada um deles se pode
ver desementido pela intervenção de um outro critério. Para esse caráter.
‘popular’
ser determinado de forma, seria necessário que estes critérios estivessem
conjugados para uma mesma obra, o que é, afinal, bastante raro. De qualquer
modo, a articulação que eles implicam quanto à relação que pode existir entre o
povo e não-povo tem pelo menos o mérito de fazer entrever toda a complexidade
do problema”.
(Mouralis, B.: op. cit., 147)
Se
é reconhecidamente complexa a definição de uma obra como popular, não menos
problemática é a questão do romance no seio da literatura popular. Ao contrário
do conto, que é facilmente determinável pela sua oralidade[6], o
romance popular padece, além da indeterminação própria da palavra popular, do
preconceito da crítica que o relega para o limbo da paraliteratura. Isso quando
não o considera parte de uma problemática política, que circunscreve
determinadas obras à cultura proletária ou à burguesa. Seja qual for a posição
tomada em relação ao assunto, não se pode deixar de levar em conta que o
Romance Popular está intimamente ligado ao romance-folhetim, tanto que:
“I’
expression de’ romancier populaire’ apparaît pour la première fois dans l
apresse socialiste pour faire l’èloge des Mystères de Paris (1843): l’ adjectif
et valorisant qui’s est rapidement effacè.”
(Angenot, M.: 1975, 4)
Mais
que um início, o romance popular tem no romance folhetim do século XIX um
paradigma que segue até os dias de hoje. Isto fez dele, conforme Angenot, um
tipo de narrativa cujas marcas são bem determinadas[7].
Assim, o romance popular seria caracterizado pela presença de um herói
Prometeu, o qual é definido como:
“Hèros surhumain, ‘plus fort, plus riche et plus
intelligent que le monde entier’, solitaire cepedant, investi d’ une mission à
double face, punir er rècompenser.” (idem, 46)
Ao
lado de um forte maniqueísmo de valores, onde os bons e os malvados são
claramente diferenciados. O princípio do mal é o dinheiro e a ambição que se
opõem ao amor e à generosidade, como “lá quantité à la qualité”. Tão
determinante é esse maniqueísmo no romance popular que, segundo Angenot, ele
engendra as suas próprias leis, tais como:
“pas
de punition durable pour celui qui est du coté des bons, sauf s’ il se l’
attire par un manquement ou une indélicatesse;
-
pas de transfuge entre les deux camps en cours d’ action. (...);
-
lien de famille fréquent entre les hérauts du bien et du mal.” (ibidem, 50)
Outra
marca do romance popular é a estrutura progressiva-regressiva de sua narração.
Ela se constitui dessa maneira porque ao realizar a sua ação de justiceiro
(discurso progressivo), o herói termina por revelar o passado das outras
personagens (discurso regressivo). No romance de Erro Judiciário, uma variante
do romance de herói prometeu, uma vez que “le personnage principal est la
victime, non le justicier” (ibidem, 53), essa estrutura apresenta-se
basicamente com a degradação do herói no início da narrativa e a ascensão do
malvado. Na busca do reconhecimento de sua inocência, o herói reverte a
situação e acaba no seu lugar de direito.
Frente
à estrutura progressiva-regressiva não é de se estranhar que esses romances
sejam marcados por “une extreme convergece des liens entre les personages”
(ibidem, 56). Tal convergência é de grande importância para o trabalho de
justiceiro do herói seja bem sucedido e o passado das personagens adquira, no
discurso regressivo, uma ligação significativa com o presente. Mesmo porque o
romance popular exige um deslanche necessariamente feliz, com todos os
personagens bons reunidos e a salvo dos malvados, os quais por sua vez, devem
ser severamente punidos. Esse “happy end” é uma a mais das características do
romance-popular. A ele vem acoplado, normalmente, um epílogo, onde o narrador
apresenta uma reflexão acerca do destino de suas personagens.
As
personagens, num traço identificador do romance popular, são usualmente tipos,
pouco espaço havendo para uma psicologia que ultrapasse os seus aspectos
básicos. Na verdade, as personagens tipos do romance popular são unidade
actanciais extremamente simples e monolíticas, o que não se poderia deixar de ocorrer
em razão do maniqueísmo que domina a narrativa.
Daí
decorre, ainda, um narrador demiúrgico, cuja perspectiva onisciente domina a
tudo e a todos, inclusive o seu leitor, posto que não abre espaço para
conclusões próprias. O narrador, para quem tudo significa, se encarrega de tudo
ver, tudo relatar e tudo explicar.
Enfim,
todas essas marcas coletadas por Marc Angenot, mostram que se esse tipo de
romance perde por ser previsível tanto em sua fábula, quanto em seu discurso,
ganha, por outro lado, por ser extremamente legível. É essa legibilidade que o
faz acessível a uma vasta camada da população e lhe garante o adjetivo de
popular. Legibilidade, aliás, que vai além do conhecido, já visto[8]
para se fixar naquilo que Umberto Eco tão bem denominou de “estrutura de
consolação”. Essa estrutura, preenchida por numerosos artifícios, define o
romance popular como:
“uma
combinatória de lugares-comuns articulados entre si segundo uma tradição em que
se mesclam o ancestral (...) e o específico (...) E atuará sobre caracteres
pré-fabricados, tanto mais aceitáveis e amados quanto mais conhecidos: em todo
caso, virgens de toda e qualquer penetração psicológica, à semelhança das
personagens das fábulas. Quanto ao estilo, lançará mão de soluções pré-constituídas,
aptas a proporcionar ao leitor as alegrias do reconhecimento do já conhecido. E
jogará com interações contínuas, a fim de proporcionar ao leitor o prazer
regressivo do retorno ao esperado. E desvirtuará, reduzindo a clichês, as
soluções, em outras circunstâncias, inventivas da literatura precedente. Mas ao
fazê-lo desencadeará tamanha energia, liberará tamanha felicidade, se não
inventiva pelo menos combinatória, que seria hipócrita ocultarmos os prazeres
que propicia: porque ele representa o enredo no estado puro; ileso e livre de
tensões problemáticas.”
(Eco, U.: op. cit.,
24)
A
citação é longa, mas representativa do consenso que há entre aqueles que se
debruçam sobre as características básicas do romance popular, com as quais
trabalharemos a seguir no romance de José Potyguara.
2.2 O Romance
Popular de José Potyguara
Na análise do caráter do romance de
José Potyguara vamos deixar em segundo plano não só Sapupema como também Terra
Caída. O primeiro porque é uma coletânea de contos e entra, portanto, em
outra categoria narrativa, ainda que, pelo registro da oralidade e pelo
decalque da realidade neles presentes[9],
não se possa deixar de observar um lado de clara identificação com a narrativa
popular. Porém, como esses mesmos elementos o levam para o lado do
regionalismo, vamos abordá-lo aqui. O segundo porque, como já vimos
anteriormente, repete os contos de Sapupema
e motivos de Vidas Marcadas, não
apresentando coesão suficientes para se impor como romance. Na verdade, Terra Caída é pouco mais que um conjunto
de contos entrelaçados e emoldurados por um espaço: o seringal. Resta-nos,
assim, os romances Vidas Marcadas e Do Seringal ao Asfalto. Todavia, como
esse segundo pretende-se uma continuação do primeiro, vamos analisa-los em conjunto
como se fosse uma única obra.
Em primeiro lugar, cumpre ressaltar
que frente o exposto no tópico anterior não há nenhuma dúvida sobre o caráter
popular dessa narrativa de José Potyguara. Ao contrário, Vidas Marcadas parece obedecer em detalhes o paradigma do romance
popular herdado do século XIX. A primeira prova disso é que se nessa narrativa
falta o herói Prometeu, não falta o maniqueísmo de valores, como já foi
demonstrado. Mais que bons e malvados distinguidos, o maniqueísmo moralista de Vidas Marcadas faz com que no final de
suas vidas, os bandidos, tomados de súbita consciência, arrependam-se e revelem
suas maldades. É o que acontece com Balbino, que antes de morrer no acidente do
barco, revela a Fernando toda a trama armada por seu primo e, como se fora
pouco, apresenta ainda uma prova capaz de inocentar o herói. Não deve se
surpreender o leitor com essa súbita honestidade de Balbino, afinal ele está à
morte, muito menos com o fato de ter guardado consigo, durante anos, um pedaço
de papel e revelador de sua culpa e da inocência de Fernando. O mesmo acontece
com Mundico que, após o acidente fatal, confessa in extremis sua culpa e a injustiça que cometera contra o primo. E
isto para não se falar dos laços de consanguinidade entre os dois que acentua,
ainda mais, o maniqueísmo da narrativa.
A ausência do herói Prometeu, por
sua vez, não é uma descaracterização de Vidas
Marcadas como romance popular. Na verdade, ele se constitui numa variante
por demais conhecida: o romance do Erro Judiciário. Aqui o herói é justamente
Fernando, vítima das maquinações diabólicas de seu primo para tomar-lhe o
emprego e a noiva. Temos, dessa forma, no início da narrativa a sua decadência,
com prisão e condenação pelo crime não cometido. O desenlace da história, com Fernando
perdoando o primo em face do casamento deste com Lídia, a ex-noiva, não é fuga
a esse paradigma. Como o romance é excessivamente moralista em seu maniqueísmo[10],
outra não poderia ser a atitude do herói frente aos fatos. Isto é, se Fernando
levasse Mundico à justiça, ele estaria prejudicando Lídia e o filho dela, ato
que sua própria construção enquanto personagem – ingrediente moral – impede-lhe
de realizar.
Outra marca do romance popular
atualizada em Vidas Marcadas é a
estreita ligação entre os personagens. Essa ligação é efetivada tantos pelos
laços de parentesco, como por “felizes” coincidências na vida de várias
personagens. No caso do parentesco temos Fernando e Mundico e suas respectivas
famílias, nas quais se concentram o grupo dos bons e dos malvados. As
coincidências que não são poucas começam com a defesa por parte de Fernando de
um bêbado maltratado por um policial. Mais tarde, esse policial irá perseguir o
herói e o bêbado irá ajudá-lo a fugir. Em Belém, Fernando cede lugar no bonde a
uma passageira desconhecida que se revelará mais tarde, ser filha de seu
patrão. No seringal, a chegada de novos nordestinos surpreende o herói com
Balbino, a testemunha que o incriminara e que pode revelar o seu passado a
todos, mas que termina por lhe proporcionar a oportunidade de ser inocentado.
Tal maniqueísmo e tantas
coincidências só são possíveis porque os personagens são, como já vimos, tipos
retirados há um só tempo da tradição folhetinesca e do regionalismo amazônico.
É esse, por exemplo, o caso da mãe virtuosa na figura de D. Sinhá, que morre de
desgosto pela prisão do filho. O religioso exemplar com o nome de Padre João,
que de tão generoso chega a passar fome; o coadjuvante servil, pusilânime e
arrogante, conforme trate com superiores ou subordinados, quer que sejam
Balbino ou Gaspar; os auxiliares abobalhados ou disformes como Marcos e Ceição
entre tantos outros, principalmente em Do
Seringal ao Asfalto.
Além dos personagens tipos, também é
próprio do romance popular o narrador heterodiegético com focalização
onisciente. Como é feito em Vidas Marcas,
o narrador conhece profundamente seus personagens e os acompanha integralmente
onde quer que estejam. Não contente em desnudar o que pensa e o que sente a
personagem, o narrador de Potyguara ainda explica para o leitor a razão de cada
ação praticada. Leia-se, como exemplo, esse comentário que se segue à fala de
Diana em relação à noiva de Fernando:
“Visivelmente
despeitada, ela continua:
-
Essas mocinhas do interior não têm vícios nem defeitos. São cândidas, puras,
puríssimas! – E carrega, com ironia, no superlativo.”
(V.
M., 120 – grifo nosso)
Como está claro, se a personagem
esta “visivelmente despeitada”, o uso de superlativo em sua fala só poderia
representar ironia. A explicação do narrador é, assim, redundante e, para um
leitor mais atento, completamente desnecessária. O mesmo procedimento se dá com
os próprios da região que são longamente comentados, mesmo quando repetidos.
Dentro, ainda, do espírito do
romance popular é bastante revelador o epílogo informal que vem na última
página do romance, numa reflexão que explica o título adotado e procura
proporcionar aos leitores uma lição de vida a partir da história narrada:
“Sentado
na sepultura, esquecido do local e do tempo, Fernando deixa-se arrastar pelos
pensamentos (...) E nota como os homens, em sua ânsia de felicidade, se
assemelham aos balões de papel. Raros conseguem atingir as alturas. Uns, mal
iniciam a ascensão, caem, destruídos pelas próprias chamas que lhe iluminam o
bojo policrômico. Outros, mais privilegiados, trazem de origem todos os fatores
para assegurar voos triunfantes: lindos matizes, gás abundante, ventos
favoráveis: – beleza, inteligência, mocidade e sorte. Sobem (...) Mas, após
colorirem o céu, junto às estrelas, caem também, desfeitos em cinza, que é o
fim de tudo... E todos-vitoriosos e fracassados – são Vidas Marcadas pelo
destino...” (V. M., 199)
A citação é longa, mas
imprescindível para se compreender a função reflexiva do epílogo. O tom
elegíaco, auxiliado pelo cenário, é apenas mais uma marca da “estrutura de
consolação” e do conformismo proposto por esse tipo de narrativa, que sempre
buscará aplainar e dissolver os conflitos sociais numa entidade maior como o
Destino, não por outra razão grafado com inicial maiúscula pelo autor.
Finalmente, afirmar que o romance de
José Potyguara é um romance popular não é estranho ao público leitor. Tanto que
é ele que exige uma última característica desse tipo de romance: o final feliz
virá no esquemático Do Seringal ao Asfalto.
Observe-se, por exemplo, que também Terra
Caída termina como Vidas Marcadas,
porém não há notícias de algum leitor exigindo a sua continuação. É que os
leitores desse último souberam nele reconhecer, institivamente, por debaixo da
capa do regionalismo amazônico, um autêntico romance popular. Não é à toa,
portanto, que Vidas Marcadas é o
romance de maior sucesso de público do autor. Afinal, numa região cujo sistema
literário ainda não está consolidado, propostas de inovação dificilmente serão
aceitas com facilidade. Dessa maneira, José Potyguara não é certamente um
modelo de autor regionalista, é indubitavelmente, com seu Vidas Marcadas, um autor popular que procurou unir, ainda com
resultados precários, a demanda da identidade regional com a necessidade de
conquistar leitores. Será esse o caminho da literatura de expressão amazônica?
Referências
ANGENOT, Marc. Le roman populaire. Montréal:
Les Presses de l’Université du Québec, 1975.
CANDIDO, Antonio.
Formação da literatura brasileira. São Paulo: Livraria Martins, 1964. v.2
ECO, Umberto. O
super-homem de massa. Retórica e ideologia no romance popular. São Paulo:
Perspectiva, 1991.
LINHARES,
Temístocles. História crítica do romance brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia:
São Paulo: EDUSP, 1987.v. 2
MOURALIS, Bernard.
As contraliteraturas. Coimbra: Almedina, 1982.
PEREGRINO Jr. “Ciclo
nortista”. IN: COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil 3. ed. Rio de Janeiro:
José Olympio; Niterói: UFF. v. 4
PEREIRA, Lúcia
Miguel. História da Literatura brasileira: prosa de ficção de 1879 a 1920. Belo
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1988.
SIMONSEN, Michèle.
O conto popular. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
SODRÉ, Nelson
Werneck. História da literatura brasileira. 7. ed. São Paulo: DIFEL, 1982.
VERÍSSIMO, José.
Teoria, crítica e história literária. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos, São Paulo: EDUSP,1977.
WEBER, João
Hernesto. Caminhos do romance brasileiro. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.
[1] Essa superficialidade é de muito
notada, como pode ler em José Veríssimo que, após afirmar o início de nossa
literatura como regionalismo, declara que não se pode censurar aos escritores a
opção de explorar essa temática, deve-se censurá-lo por “nesse interesse quase
exclusivos, não terem senão raramente sabido compenetrar-se da mesma alma
sertaneja, nem defini-la profundamente. A máxima parte dessa literatura (...)
ficou na superficialidade da representação dos aspectos materiais. A máxima
parte dela impressionada apenas do seu pitoresco visível, quedou-se no
descritivo ou decaiu retoricamente na idealização romanesca, trazendo para
nossa ficção preconceitos românticos europeus”. (Veríssimo, J 1977, 83)
[2] Cf. op. cit. Pp. 111/19.
[3] Anteriormente, Sodré afirmara: “o
regionalismo admitia não só que era mais fiel à realidade permitindo que os
personagens falassem, na ficção, como falavam na vida, mas, o que era
extremado, que houvesse cor local, e que a cor local encontrasse plena representação
na linguagem peculiar a determinadas zonas. Era isso levar a busca do pitoresco
a um limite desconhecido.”
[4]
Na primeira edição havia apenas dez contos. Na segunda, o autor retirou um dos
contos, por considera-lo uma crônica, e acrescentou outros dois, conforme
afirma Djalma Batista na apresentação da segunda edição.
[5]
Ao tentar distinguir do povo do discurso sobre o povo, B. Mouralis reconhece
que “a linha de separação entre os textos acerca do, ‘povo’ e os textos
produzidos pelo ‘povo’ não tão fácil de determinar como poderíamos ter pensado
à partida”.
[6]
De acordo com a autora de O contro Popular, “no sentido estrito da palavra, um
conto popular é um conto que se diz e se transmite oralmente.” (Simonsen, M.:
1987, 5)
[7]
“Le roman populaire oú s’ illustrerot d’ abord Eugène Sue, Alexandre Dumas,
George Sand, Xavier de Montépin, Paul Féval, et leurs innombranles imitateurs,
n’est que la convergence, dans un type de narration aux règles bien
circonscrites, du frénétique noir et du romantisme social”. (Angenot, M.: op.
cit. 22)
[8]
Segundo Umberto Eco, “no romance popular de todos os tempos, a realidade é
sempre uma realidade já dada: ou modificada perifericamente ou é aceita; não há
o que vire de cabeça para baixo.” (Eco, U.: 1991, 37).
[9]
Na apresentação da 2ª edição de Sapupema,
Batista assegura reconhecer em vários personagens e episódios dos contos,
pessoas e acontecimentos reais de sua infância.
[10]
Sobre o maniqueísmo e moralismo do romance popular, Eco afirma “uma constante
permanecerá, diferenciando o romance popular do romance problemático: a de que
o primeiro, sempre se desencadeará uma luta do bem contra o mal a ser resolvida
sempre ou mais das vezes (venha o
desenlace embebido em felicidade ou dor) a favor do bem, definido, este, nos
termos da moralidade, dos valores e da ideologia corrente.” (Eco, U.: op. cit.
25)
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