Correria, na
acepção própria, significa: – invasão de inimigos, ação de correr para um e
outro lado ruidosamente; mas, também emprega-se para designar a perseguição do
homem civilizado ao homem bárbaro; a astúcia contra o ardil.
Sobre
a origem dos selvagens indígenas americanos se debatem em verdadeiras
controvérsias os nossos mais etnólogos.
Alguns
os julgam autóctones; outros, oriundos da Ásia, tendo se transportado à América
quando esta se achava ligada àquela, pelo estreito de Bering, então congelado.
Comparando-se,
efetivamente, um índio a um asiático, notadamente a um chinês ou a um japonês,
encontra-se uma perfeita semelhança de traços físicos, um mesmo cunho de
originalidade.
O
que é certo é que, muitos séculos antes de Cristóvão Colombo ter descoberto a
América e Pedro Álvares Cabral o Brasil eram estes, já, conhecidos pelos
navegadores antigos.
Quando
Pizarro e Fernado Cortês conquistaram aquele o Peru e este o México,
encontraram a civilização dos Incas e dos Astecas; e, o nosso país era também
conhecido pelos Fenícios uns 600 a 900 anos antes de Cristo.
Ou
originários da própria terra ou emigrados de um outro continente, são eles,
hoje, os habitantes dos vastos interlands
ainda virgens de civilização.
Para
se ter deles uma ideia perfeita, um conhecimento completo, é preciso que os
conheça até nas menores idiossincrasias.
Para
eles o roubo não é mais que o suprimento de uma necessidade; matar – um
equilíbrio de forças e o resultado de uma vingança. Neles este sentimento é
nato; e, pensando-se bem, a vingança é tão necessária ao homem quanto a
ambição. Ter ambição não é dado a toda a gente diz Balzac: “A vingança é a
ambrosia dos Deuses”. na mitologia grega, Prometeu por ter roubado do Olimpo o
fogo criador, pagou, acorrentado ao Caucaso, tendo uma águia a devorar-lhe,
constantemente, o fígado, o seu crime; e, nos nossos dias, ainda vemos esta
raça de Israel, dispersa, proscrita, paira em toda a parte, estrangeira em
própria pátria, pagando ainda o crime de uma traição e tendo um símbolo:
Ashasoems
– e vivendo de um sonho que é uma lenda: – O Messias.
É
terrível a correria. Um traço de homens, 10, 15, às vezes mais, outras menos,
interna-se na floresta à caça do índio.
Acostumados
às intempéries do tempo, dormido ao relento, conhecendo, como os índios, a
selva e tendo como ele as mesmas artimanhas, mais intensos no ódio, mais cruéis
na desforra, ei-los caminhando dias inteiros, famulentos, ora alimentando-se
dos palmitos de certas palmeiras, ora das frutas silvestres, quando estas
abundam.
O
índio é desconfiado, mas não é precavido.
A
aproximidade de suas tabas – construções vastas, oblongas e toscas – é
denunciada pela grande algazarra, ouvindo-se à grande distâncias.
É,
então que os perseguidores tornam-se sombras, deslizando solertes, imperceptíveis,
parando ao ruído de um galho que se parte, de uma ave que levanta o voo
assustada, avançando ora de rastros, recuando ao menor obstáculos, atentos,
calmos e silenciosos.
Geralmente
o ataque se efetua pela madrugada, nessa hora em que os antigos bretões tão
acertadamente denominavam o pipular do dia.
A
noite, nas florestas amazônicas, infunde sempre, mesmo àqueles que estão
acostumados a estas arriscadas aventuras, um certo temor, embora que
passageiro.
A
mata abre-se em lantejoulas de luz; galhos e folhas secos tornam
fosforescentes, pirilampos pontilham a solidão com a sua luz vaga e errante, o
bramido das onças ecoando nas quebradas das terras, o ciciar das cobras que
passam, o coaxar estridente dos sapos, nos baixios; enfim um fauna que se esconde
ao sol se expõe às trevas, a claridade da lua, que penetrando em fitilhos baços
de luz na floresta dando-lhe uns tons funéreos; todo este conjunto grandioso de
coisas heterogêneas consubstanciadas, aterra, assombra e aniquila.
Depois,
tudo cai numa espécie de apatia e assim se passam horas, até que um bater de
asas de aves mal despertas, o horizonte purpureando-se, anuncia o nascer do
sol.
Então,
nesta hora sublime em que a Natureza, esta palavra de Deus, é uma explosão de
cânticos, parte um tiro – responde um grito agudo e prolongado de um moribundo,
no estertor de uma dor; depois outro, uma fuzilaria, um silêncio, um tropitar
de pessoas que chegam, ofegantes e outro de pessoas que fogem, gritando; e
aonde penetrou a bala, alcança o punhal. Às vezes, uma índia com uma criança
aos braços suplica num soluço, mas os grandes ódios, as grandes cóleras, em
geral, adormecem, no peito humano, os sentimentos humanitários.
Um
índio, que o medo paralisou, à vista d’aquelas faces descompostas, parte numa
carreira, mas, um tiro certeiro prostra-o por terra, num lago de sangue.
Após,
tudo cai numa estagnação absoluta de vida e o silêncio é interrompido, somente,
pela melopeia das águas tremulinas nas cachoeiras dos igarapés próximos e pelo
canto saudoso da nhambu chamando a companheira distante.
Seabra,
Novembro de 1928
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