Já assistimos ao
enterro
de todos os
rouxinóis,
de todos os cisnes,
de todos os corvos,
de todos os
pardais...
Vimos caírem todas
as flores
das cerejeiras
e morrerem todos os
ciprestes
e todos os
carvalhos seculares
que enchiam a
poesia
europeísta
que nos legaram...
O resto nós
fizemos:
Esquecemos os
flocos de neve
que nunca baixaram
sobre os nossos
telhados.
As árvores
depenadas
pela inclemência
dos outonos.
Os lobos famintos
que farejavam
rebanhos de
ovelhinhas mansas
e pastores ingênuos
tocadores de
flauta...
A nossa poesia
hoje
tem outras cores
e outra vida.
Já não fala mais
em aldeias
tristonhas,
em trigais
louríssimos e dóceis
às lambadas do
vento,
em clareiras
crepitantes
e
em história
singelas
de campônios
humildes.
As águias reais
escuras,
agressivas,
cedera lugar
à realeza das
garças
alvíssimas e
esbeltas
que voam
serenas
pelas tardes
iluminadas...
Outros olhos
outra alma
outra sensibilidade
nasceram.
Nossos olhos já se
apercebem
das araras
vermelhas e azuis,
dos verdes
papagaios barulhentos
e dos maguaris
compridos
que sonham
numa perna só
à beira dos lagos
tranquilos.
Os bosques de
velhas faias morreram.
As neves se
derreteram.
E vimos então a
existência
de sol amarelo
e arrogante
do trópico.
Vimos as nossas
bananeiras
bonitas
esfarrapadas
e as palmeiras
brilhantes
cheias de cachos
maduros...
Os rios selvagens
engrossaram
e passaram
correndo,
mais belos do que
os tímidos regatos
das velhas terras
decadentes
e tristes...
As histórias de
bruxas
e de fadas
foram varridas
e vieram as iaras,
o caipora,
o saci
e a
matintaperera...
Está nascendo o
Brasil...
Noite úmida cai...
Grilos
impertinentes
se escondem
pelos pastos
molhados
brincando de
telegrafia.
Um grita
outro responde,
É um desafio
teimoso
que não acaba mais.
Da torre da
capelinha
do Padre Miguel
saem morcegos
farristas...
de asas moles
batendo...
O caminho do
povoado
encharcado,
e os moleques
alegres
batem com força
os pés
pelas poças de
lama.
Os muçambês bonitos
florando...
Noite úmida vai...
E os grilos brincam
De telegrafia.
Nas casinhas
caiadas
dos colonos
onde a noite vai
entrando
sem pedir licença,
começam a piscar
as lamparinas
fumacentas.
Lá em cima
no céu
uma ou outra
estrelinha
azulada
piscando também...
O gado está
recolhido...
E a noite,
toda silêncio,
vem caindo úmida,
umidamente triste
e pesada,
embrulhando tudo...
Os moleques alegres
já não brincam
pelas poças de
lama.
Já não passam mais
os caminhantes
enterrando os pés
no tijuco viscoso
do caminho...
Só os grilos
impertinentes
riscam o silêncio
frio
brincando de
telegrafia.
(In “Antologia da
Nova Poesia Brasileira”, J. G. de Araújo Jorge, 1947).
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