Antônio José Souto
Loureiro
Quando seu pai
morreu, Stradelli suspendeu os estudos de Direito, que fazia em Pisa, e
resolveu ser um explorador de terras ainda pouco visitadas e desconhecidas, a
contragosto da sua mãe, que não aprovava essa ideia, principalmente para tê-lo
perto de si. Apesar desse fato, preparou-se para aquilo que sempre desejara
ser: geógrafo e etnólogo. Para tanto aprendeu topografia, farmácia, homeopatia,
etnologia, botânica, zoologia, e até fotografia, lendo tudo o que podia sobre
esses assuntos, pois estava vivamente interessado em visitar a África.
De repente houve
uma mudança de planos e se voltou para o Brasil, no que foi apoiado pela Real
Sociedade de Geografia Italiana, passando a estudar português e espanhol, no
que pode ter sido influenciado pelas notícias da Ordem Franciscana, então
empenhada na evangelização dos indígenas da Bacia Amazônica. Estando tudo
pronto e preparado para a execução do seu ideal, embarcou para o Brasil, em
1879, chegando a Manaus, no mês de julho.
Iniciavam-se os quarenta e sete anos de vida dedicados à Amazônia.
Iniciavam-se os quarenta e sete anos de vida dedicados à Amazônia.
Manaus aumentava
celeremente de tamanho desde quando o Mundo necessitara cada vez mais da
borracha natural, para atender a demanda das novas descobertas como os pneus
para bicicletas e automóveis, e as capas de isolamento para fios elétricos e
telefônicos. A partir deste momento, o simples vilarejo de pouco mais de 10.000
habitantes, sem atrativos, ou possibilidades de progresso tornar-se-ia em uma
metrópole moderna de mais de 100.000 habitantes, em 1910, com todos os
equipamentos urbanos, que a maior parte das cidades brasileiras então não
possuía: telefones, em 1887; água encanada, desde 1888; eletricidade e bondes
elétricos, em 1894; cabo submarino, em 1896; esgotos, em 1906, além de ruas
largas, jardins floridos e prédios colossais, como o Teatro Amazonas. E corria
muito dinheiro, sendo um dos grandes centros compradores de diamantes do Mundo.
A Amazônia de então estava mais ligada às cidades da Europa e América do Norte,
do que ao restante do Brasil, através de linhas de navegação inglesas e alemãs,
e mais tarde, através da Ligure Brasiliana, ao Mediterrâneo, com Gênova, via
Marselha, Barcelona, Tanger, Lisboa e Madeira.
A Inglaterra, da
qual a Amazônia era uma colônia econômica, além da navegação interna,
controlava os investimentos da infraestrutura, as exportações e as importações
de borracha e alimentos, pois o Brasil não tinha produção suficiente para
fornece-los aos seringais, os navios necessários ao fluxo da produção,
fabricados em Glasgow e Liverpool. Na realidade, os laços da Amazônia com o
restante do País eram meramente políticos e tradicionais.
Em Manaus respirava-se praticamente borracha, que representava quase 100% da sua monolítica economia. Sem erro, a Amazônia era a maior leoa do Império Britânico, e dela saíam anualmente o equivalente a 600 toneladas de ouro, em borracha.
EM MANAUS
Em Manaus respirava-se praticamente borracha, que representava quase 100% da sua monolítica economia. Sem erro, a Amazônia era a maior leoa do Império Britânico, e dela saíam anualmente o equivalente a 600 toneladas de ouro, em borracha.
EM MANAUS
Quando Stradelli
aqui chegou, Manaus ainda era uma aldeia, em que a população feminina falava o
nhengatu, para evitar contatos com estranhos, e a cidade não centralizara o
comércio de aviamentos dos seringais produtores, estando em vigor a fase de
mudança do poliextrativismo, para o monoextrativismo.
Porto de Manaus, em 1879, da autoria de pintor
desconhecido. Vejam o grande navio a vapor de rodas laterais ancorado no cais
em frente à matriz. As casas estão apresentadas aleatoriamente.
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ALIMENTAÇÃO
Os costumes eram indígenas: tomava-se banho nu, nas praias do rio Negro, fritava-se peixe e banana, com manteiga de tartaruga, gordura extraída dos ovos do quelônio de modo artesanal, comia-se piraém com farinha dágua, e no café da manhã consumia-se tapioca, beiju e cará, além do pão, e a carne mais consumida era a de tartaruga. Não havia muito pão, nem azeite, nem vinho, pois na região equatorial eram inexistentes o trigo, a oliveira e a parreira, característicos da cultura mediterrânica.
Os costumes eram indígenas: tomava-se banho nu, nas praias do rio Negro, fritava-se peixe e banana, com manteiga de tartaruga, gordura extraída dos ovos do quelônio de modo artesanal, comia-se piraém com farinha dágua, e no café da manhã consumia-se tapioca, beiju e cará, além do pão, e a carne mais consumida era a de tartaruga. Não havia muito pão, nem azeite, nem vinho, pois na região equatorial eram inexistentes o trigo, a oliveira e a parreira, característicos da cultura mediterrânica.
Foi nesse vilarejo
no meio do nada, que Stradelli começou a vida que desejava: a de explorador de
novas terras, e logo após a sua chegada, poucos meses depois, em 1880, fez a
sua primeira incursão ao interior da Amazônia.
VIAGEM AO PURUS
Embora a foz do Purus fosse conhecida há muito tempo, o curso superior desse gigantesco rio, de mais de 3000 km de extensão, só fora percorrido, pela primeira vez, até o afluente Aquiry (Acre), pelo sertanista amazonense Manuel Urbano da Encarnação, em 1861, há uns dezenove anos antes.
Embora a foz do Purus fosse conhecida há muito tempo, o curso superior desse gigantesco rio, de mais de 3000 km de extensão, só fora percorrido, pela primeira vez, até o afluente Aquiry (Acre), pelo sertanista amazonense Manuel Urbano da Encarnação, em 1861, há uns dezenove anos antes.
O rio era habitado
por milhares de índios de diversas tribos aruaque do grupo aruã, anteriormente
expulsos do Marajó, mas além dos índios possuía grandes concentrações da
seringueira preta, chegando algumas delas a darem dois litros de látex, por
corte.
Por isso,
contrariando as previsões de William Chandless, de que séculos se passariam
antes daquele rio ser povoado, quando Stradelli a ele chegou, em 1880, já
estava todo povoado e os índios praticamente haviam desaparecido, pelas
matanças, ou se embrenhando para os divisores, para as terras gerais.
Os franciscanos italianos, desde 1870, atuantes no Madeira e Solimões,
sob a direção dos superiores Samuel Mancini e Jesualdo Machetti, a partir de
1877, estavam tentando atuar, no Purus e em seus afluentes Tapauá, Mamoriá
Mirim e Ituxi, com Venâncio Zelochi, Francisco Sidane e Mateus Canioni, mas os
índios estavam sendo eliminados muito rapidamente e os rios, povoados pelos
seringueiros, nada mais havendo o que fazer. Por isso, as missões do Purus
foram abandonadas, em dezembro de 1880, embora Stradelli fosse auxiliado pelos
seus compatriotas, percorrendo o Mamoriá Mirim, onde em uma corredeira perdeu
todos os seus instrumentos científicos.
DUAS VIAGENS AO
ALTO RIO NEGRO E PRIMEIRA AO RIO BRANCO
VIAGEM AO NEGRO E
AO UAUPÉS
Em abril de 1881,
Stradelli subiu o rio Negro e depois o rio Uaupés (Ucaiari), chegando até o rio
Tiquié. Esta região estava alvoroçada pela chegada dos franciscanos italianos,
desde maio de 1878, com frei José Vila, logo secundado por Venâncio Zelocchi e outros,
que haviam abandonado sucessivamente o Madeira, o Solimões e o Purus.
Neste ano de 1881
as missões estavam em franco progresso, apoiadas pelo presidente da Província,
o Barão de Maracaju.
Zelocchi
estabelecera-se em Taracuá, desde setembro de 1880, e em torno da igreja de São
Francisco de Assis já existiam quarenta casas e uma escola.
Stradelli fez
rápidos estudos, pois no início de 1882 já estava de volta a Manaus.
VIAGEM AO NEGRO E
AO RIO BRANCO
Desde fevereiro de
1879, estava na região a Comissão de Limites destinada a demarcar a fronteira
do Brasil com a Venezuela. Comandada pelo tenente coronel Francisco Xavier
Lopes de Araújo, depois Barão de Parima, até 1880, demarcara o trecho entre o
rio Memachi e o cerro Cupi e, a 10 de julho de 1882, seguiria para a fronteira
do rio Branco.
Um dos dirigentes da expedição o capitão Dionísio Cerqueira, que se tornara amigo de Stradelli, convidou-o a participar dessa Comissão como adido amador. Com ele, visitou o rio Padauari, em março e abril de 1882; Tomar, em maio; Carvoeiro, em junho e daí ao rio Branco, voltando de lá com o trabalho incompleto, pelas dificuldades do terreno.
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