ROGEL SAMUEL
EU me lembro de
alguns indiozinhos Cambebas (ou Omáguas) que inventaram a bola, o futebol, a
Copa, no Amazonas de 1744.
Quando
La Condamine, em meados de 1744, descia o Rio Amazonas por inteiro, desde as
montanhas peruanas, Jaén de Bracamoros, até Bélem do Pará, viu uns indiozinhos
jogando bola de látex, balata, na praia.
Maravilhou-se ele e
trouxe a bola para a Academia das Ciências de Paris. Lá, triunfante, jogou a
bola no chão, num escândalo, para todos os sábios.
No
dia seguinte, publicaram: “Estranho objeto desafia a lei da gravidade”.
Ao
látex La Condamine chamou de “caoutchouc”, dizendo viria a ser de grande valor
industrial, e que os portugueses aprenderam dos omáguas, discípulos dos Incas,
que já o conheciam, sua extração e beneficiamento.
É
verdade que alguns autores dizem que Colombo já a conhecera no Haiti, diz o
Mestre amazonense João Nogueira da Mata, em “Biografia da borracha”, de 1978,
que tenho com dedicatória.
Lembro-me
de Ademir da Guia. Não o jogador, mas o poema de João Cabral.
O
látex é uma gosma grudenta como cola.
Era
calculado o jogo, estudado, “desafinado” pelo jogador brasileiro, que dava a
ele o ritmo pessoal, o tempo, o chumbo, a câmara de pesadelo lento,
transformando o adversário no cúmplice de sua vitória, atando-o, na atadura
hospitalar da doença que Ademir inoculava no irrequieto adversário, como
aranha, hipnotizando-o, inutilizando o ímpeto, com a anestesia do jogo pesado,
encharcado, sobre areia, ou no alagado, na lama, nos baixios da alma, de um
peso morto, de um psicológico, psicótico lastro do espírito, da langorosa alma,
da materialidade da larva, da lesma, da gosma, da goma, dos líquidos pegajosos,
espermáticos e seminais, grude, esparadrapo, óleo podre.
“ADEMIR
DA GUIA”:
Ademir
impõe com seu jogo
o
ritmo do chumbo (e o peso),
da
lesma, da câmara lenta,
do
homem dentro do pesadelo.
Ritmo
líquido se infiltrando
no
adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe
o que ele deseja,
mandando
nele, apodrecendo-o.
Ritmo
morno, de andar na areia,
de
água doente de alagados,
entorpecendo
e então atando
o
mais irrequieto adversário.
Não
há vitória, mas “não-perda” do jogo. Falta Romário. Mesmo quando joga mal, sua
presença ameaça o adversário. Não foi à Copa porque tem voz, é sujeito, não
objeto. Todo sujeito é suspeito. Opina, critica. Brasileiro não pode, não está
acostumado à fala, à liberdade, à democracia. Mas à submissão, ao mandonismo,
ao autoritarismo. O “povo” quis Romário? Scolari não quis. O povo? Aqui?
Democracia? O Brasil das Capitanias Hereditárias vive agora uma onda de
denúncias contra os representantes do povo.
Em
outro poema, diz Cabral no “TORCEDOR DO AMÉRICA F.C.”:
O
desábito de vencer
não
cria o calo da vitória;
não
dá à vitória o fio cego
nem
lhe cansa as molas nervosas.
Guarda-a
sem mofo: coisa fresca,
pele
sensível, núbil, nova,
ácida
à língua qual cajá,
salto
do sol no Cais da Aurora.
Cabral
lembra os Ronaldos europeus:
A
bola não é a inimiga
como
o touro, numa corrida;
e
embora seja um utensílio
caseiro
e que se usa sem risco,
não
é o utensílio impessoal,
sempre
manso, de gesto usual:
é
um utensílio semivivo,
de
reações próprias como bicho,
e
que, como bicho, é mister
(mais
que bicho, como mulher)
usar
com malícia e atenção
dando
aos pés astúcias de mão.
A
bola, a vida, a alma. As eleições. Não inimiga, mas amante. A bola de futebol,
malícia, manha, reações perigosas, não se usa sem risco. Como a nudez da
mulher, ou do touro. Cabral, nordestino, machista. Jogador toureiro, amansa a
bola. Futebol machista. O time perdedor não corta o afiado. Não o Jogador, o
Clube, o time, mas a bola. O orbe. O mundo. O calo da vitória. O calo do verbo
calar. A bola algo que rola, rebola, imprevista, perigosa, nervosa, telegrama,
aerograma, míssil, ogiva nuclear, torpedo:
Não
é a bola alguma carta
que
se levar de casa em casa:
é
antes telegrama que vai
de
onde o atiram ao onde cai.
Parado,
o brasileiro a faz
ir
onde há-de, sem leva e traz;
com
aritméticas de circo
ele
a faz ir onde é preciso;
em
telegrama, que é sem tempo
ele
a faz ir ao mais extremo.
Não
corre: ele sabe que a bola,
telegrama,
mais que corre voa.
É
só reler: BRASIL 4 X ARGENTINA O (Guayaquil 1981)
Quebraram
a chave da gaiola
e
os quadros-negros da escola.
Rebentaram
enfim as grades
que
os prendiam todas as tardes.
Nos
fugitivos, é a surpresa,
vendo
que tomaram-se as rédeas
(dos
técnicos mudos, mas surpresos,
brancos,
no banco, com medo).
Estão
presos os da outra gaiola,
que
não souberam abrir a porta:
ou
não o puderam, contra o jogo
dos
que estavam de fora, soltos,
De
certo também são capazes
de
idênticas libertinagens
uma
vez soltos, porém como
se
liberar daquele tronco
em
que os aprisionaram os táticos
argentinos,
também gramáticos.
E
enquanto os fugitivos seguem
com
a soltura, a sem lei que os regem,
nos
bancos é uma a indignação:
dos
que vão vencendo e dos que não:
“Voltamos
ao futebol de ontem?
Voltou
a ser um jogo dos onze?
Voltou
a ser jogar de pião?
Chegou
até cá a subversão?
Como
é possível haver xadrez?
Sem
gramática, bispos, reis?”
Sem
subversão. Culpa daqueles indiozinhos cambebas, que inventaram o futebol por
volta de 1744.
Os
Cambebas, entretanto, foram exterminados!
Um comentário:
VOCÊ POSTOU AQUI JOÃO CABRAL "com aritméticas de circo",
MEU AMIGO POETA QUE BOLA BORRACHA BRAVO
SABE ACREANIZAR
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