quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

JAILAN SOUZA: alguns poemas

O jovem Jailan Souza, apesar da pouca idade, se revela um artista sensível, denso e pulsante. Fazendo uma arte extremamente conflitante e inquietante. Esculpe a partir da matéria da vida e seus conflitos (internos e externos) uma poesia marcadamente introspectiva, onde predominam as vozes existenciais. É uma voz juvenil, com suas inquietações, frustrações e sonhos. A fazer uma poesia que, às vezes, pelo tema, nos lembra Baudelaire, Augusto dos Anjos e Emílio de Menezes.
Jailan é amazonense de Boca do Acre, onde nasceu em 11 de janeiro de 2002. É, todavia, acreano de vivência. Mora em Rio Branco com a família, e frequenta o Instituto Federal do Acre. Além de poeta, Jailan compõe e é artista plástico.
Obviamente, a sua arte ainda encontra-se em formação, em dilatação, em projeção, em busca de uma afirmação e identidade, mas que já revela traços delineadores, que nos apontam não apenas um exímio talento do futuro, mas um inegável artista do presente.


drummond

que bênção é ter olhos
e poder guardar tudo que já vi
na memória.
era uma vida simples,
mas com tantos detalhes,
pequeninos como moléculas.
às vezes fico arrependido
por não ter reparado em tudo.

quando a aula acabava,
esperava meu irmão, o jair, jogando bola
com os meus amigos
no campinho que ficava no pátio.
quando ele chegava, subia na moto suado e, às vezes, insatisfeito,
pensando naquele gol que não fiz.

o céu de boca do acre tinha uma beleza diferente.
não sei se era mais belo ou era a minha felicidade se expressando
ao meu redor.
o vento e as nuvens: dádivas!
acreditaria em deus só por esses motivos.
tinha as melhores cenas passando pela minha cabeça
e como era bom imaginar.
como era bom.

quando chegava na minha casa,
trocava de roupa e descia o mais rápido
pro terreiro.
ficava lá até escurecer, treinando chutes
pra não errar na próxima partida contra o time do sexto ano.
só entrava pra dentro quando as carapanãs
ficavam intoleráveis.

brincava e brincava com os meus brinquedos
e assistia filmes com o jair e o jardel, às vezes com a sirlândia.
abraçava minha mãe e ficava recebendo dengos dela.
meu pai era o mais quieto, mas eu guardava um eu te amo tão vivo por ele.

minha mãe dizia pra eu não dormir no sofá
e eu dizia que dessa vez não iria.
pegava os livros que roubava do colégio (óbvio, eu devolvia, era quase um empréstimo secreto)
e lia, lia, lia até não lembrar como tinha dormido.
quando acordava no dia seguinte,
ficava triste porque acabava desobedecendo a mãe mais uma vez,
só que sem querer.

mas o poema de drummond
sobre itabira virou sonho.
ainda bem que eu dormi nas últimas palavras
dele naquela noite.
ainda bem.



casinha

eu sou uma casinha
de telhado vermelho
isolada no meio do inverno
esperando por belos verões
e romances passageiros

quero ter alguém em meu abrigo
só assim faço sentido.
quero ser quente à quem sente frio
quero ser paz à quem veio de guerras
mas me deixam só
à depressão do inverno
sempre

como posso ser uma bela casinha
se ninguém me faz sentir ser?
não é com uma bela pintura
com rochas cristalinas
ou com mais de um andar
que serei magnânimo
é com danças na sala
risadas no almoço
é faxina com as crianças
e no domingo aquele alvoroço
casa feliz é casa grande, mesmo sendo pequena

por enquanto, sonho.
ainda estarei no inverno
só e triste no meio do frio
sendo a casinha de telhado vermelho
sem graça mas esperançosa
de um dia ser
a morada de um menosprezado também.


SER SOZINHO É TER A MELHOR COMPANHIA

Eu adoro nomes --- RodrigoAnaCarol.
Eu os solto sem vírgula, fica bonito.
Eu crio estrutura e ossos a esses nomes
E quando termino, viram meus amigos.

Eu digo, por velho achismo e intuição,
Que amigos inventados são melhores que os reais.
Eles vão comigo ao centro ao nada
E ainda falam do vento à espada

Os meus têm nomes. O balão mais narigudo:
O querido Alfred sisudo, e ainda há o gato mais travesso:
Eduardo “Álvares de Azevedo”, e seu galopante fiel escudeiro:
O pato Ramonzito bico de cinzeiro.

“Um bom apreciador do silêncio opressor
É aquele que dribla o sofrimento ao oferecer um café à solidão”.


FORMIGUINHA (OU A MINHA DEMISSÃO DA TERRA)

É natural, mas não, não devia ser.
Eu estou queimado por fogo fúnebre
E todos vocês também estão.
É estranho, estamos nos reduzindo,
Diminuindo nossa essência
Aumentando nossa miséria
E não apenas a miséria do contexto econômico,
Mas a miséria existencial --- o ser humano
deixou de ser humilde com si após
ter se autodeclarado superior.

Estamos nas periferias do Universo,
Nos confins ainda desconhecidos por nossa minúscula capacidade de compreensão,
Então qual é a probabilidade de estarmos certos?
O que conhecemos de verdade, e qual o direito
que temos em querer prevalecer
o que é verdade aos outros?

Ser humilde não é se humilhar, irmão.
Estar de acordo não é submissão, pai.
Prefiro ser um pessimista que olha para seu próprio interior
a fim de entender esse complexo mundo que sou.
Se não consigo me compreender da mente aos órgãos,
quais chances tenho de ser um otimista
que mudará o mundo realmente?

Sendo barro ou explosão, ainda somos fáceis de desfazer
Inutilmente efêmeros, animais reprodutivos como qualquer outro
Então por que brigamos tanto?
Uns acreditam na utopia, outros na objetividade
Não percebem que ambas extremidades não fazem sentido algum?
A utopia morre sendo ilusão, a razão morre por ser objetiva demais.
Todas as palavras ao serem desconstruídas resultam em nada.
Eu vou me suicidar, ninguém compreende que essa geração é a doença
de todas as outras gerações.
O mundo é líquido, muda como as correntezas de um rio
como o intemperismo gradual
O obsoleto nunca saberá lidar com o hodierno.
O estratagema da mídia, a hipocrisia da massa
Tudo isso é um caos, e com tanta informação eu planto a desinformação
Não há prazer no ato de aprender. Não mais.

Mais um poema que ninguém lerá, outra inutilidade que não me servirá.
Eu só quero andar por aí, por ruas brandas
e ir reparando no chão para não pisar numa formiguinha.
Oh, formiguinha, você é mais cheia de humanidade
do que os próprios humanos
Pois continua ali, pequenina.
Sabe de uma fábula que meu avô contou?
A formiga era do tamanho de um gigante
mas por ser muito humilde, tornou-se pequena.
O ser humano era do tamanho de um micróbio
mas por ser muito orgulhoso, tornou-se grande.
E no mundo o orgulho sobrepõe a humildade.
Fim.



DISTANTE, ANDE

Essa cidade, esse lugar, essas luzes
Nada disso é meu, nada disso.
Hoje eu vou pra Pasárgada

E pretendo morrer lá.

Dirigir, dirigir e ir

Pra bem longe, onde não há o ver
Pra bem longe, onde não há o aqui
Longe.


ANJOS VERSUS ALIENS parte 2

Seu cabelo ao vento e sol
Soa como o tinir de uma coroa
Caindo sob bebês de metal

Seu olhar medíocre e solitário
Observa com desânimo profundo
As palavras do jornal

E tudo que você quer é sair
Fugir sem precisar ser discreta
Pegar o carro rumo ao nada: “Estou grávida, mas não queria”.


OCEANO

Nós rimos tanto.
Vou lembrar daquela velha
com cara de livro (e do nosso beijo).


A MINHA DANÇA

Demorei, ressoei, mas entendi
As roupas antigas são pequenas
Para o meu corpo de um metro e oitenta.
É um passado gostoso, com gosto, com cheiros
E infelizmente, querendo ou não, preciso renunciar.
Quando a gente cresce, a gente vira indigente
E o mundo é só um detalhe a mais para aturar.

Essa é a minha dança, sempre fora do compasso
Entendendo o tempo da música como um apaixonado.
Eu tento ver o mundo com o olhar alado
Há sempre algo que só voando consigo entender.

Demorei, não liguei pra não gostar, mas entendi
Que as pessoas são loucas, inventam um estado ébrio
E gritam que estão felizes, e talvez estejam,
Mas por que tanto exibicionismo?
É melhor estar de acordo com toda essa revolução
Para seguir lúcido e aí, sim, me revolucionar.
A religião não precisa ser um fone de ouvido
E eu também não preciso discutir, só aceitar.

Essa é a minha dança, sempre passo a passo
Entendendo a arte de não entender e só ser.
Eu tento ver o mundo com o olhar alado...
Tem coisas que a gente só enxerga quando aprende
Que o mundo é um detalhe para ser apreciado.


EMPATIA COM SI

Eu não posso mudar o mundo.
Eu sou como um gafanhoto.
e se eu tivesse outros gafanhotos ao meu lado
seríamos como uma praga.
Eu não posso revolucionar algo que só muda com o tempo
mas posso revolucionar meus músculos
meu espírito
meu fôlego.

Eu não acredito em nada, a não ser em mim.
Eu sou uma criança implorando
com as mãos em posição de oração:
"Por favor, não briguem!"
Não precisamos ser inimigos.
A religião e a ciência concordam: somos míseros!
Sempre haverá algo maior que nós, seja Deus ou o universo
e perante à tanta magnitude, por que pensar tão pequeno?

Ninguém está certo, ninguém precisa nos ouvir,
nós precisamos apenas seguir a nossa própria sombra.


AMIGOS

Meus livros favoritos sempre foram meus amigos.
Eles são as histórias que carrego nas cicatrizes do meu pulmão.
Enquanto fumava cigarros em um domingo quente pra caralho,
Oslo contava sobre uma ex-namorada dele.
“A família dela era totalmente religiosa, daquelas ortodoxas, mesmo.
Eu gostava dela demais, mas ainda pensava na minha liberdade.
Não que eu tenha algo contra Cristo, só não gosto de rédeas.
Fiquei sem me apresentar pros pais da Raquel,
Então a convenci de que íamos namorar em segredo.
Eu imaturo, tinha dezessete na época, comecei a ter uns comportamentos tarados, saca?
E ela era uma deusa, toda católica e santa, mas com um corpo que, meu Deus!
Levei ela pra casa numa quarta-feira. Meus pais não estavam.
Como me arrependo da merda!
Depois desse acontecimento, ela ficou com medo de estar grávida,
Pois não usamos proteção, e ela tava com uns enjoos e tal.
Fiquei com o cu na mão, óbvio. Levei ela na farmácia
Pra comprar aqueles testes de gravidez. Ela fez...
E não estava grávida. Uma montanha saiu das minhas costas.
Porém, o pior aconteceu: a mãe dela viu o teste no cesto de lixo do banheiro
E começou a pressioná-la, e a Raquel acabou falando tudo.
Lembra daquela mudança que eu fiz em 2006 para Belém?
Pois é. Eu na verdade estava fugindo da espingarda do pai dela.”
Eu ri pra cacete, quase caí da cadeira.
O restante do pessoal tava rachando também. Bons tempos.
Quando nos reunimos novamente, quase dois anos depois,
Foi para uma matéria sobre a nova cena de arte alternativa que tava surgindo.
Nós éramos conhecidos como os hodiernos.
Na hora da fotografia, o Oslo disse: “O pai da Raquel nunca viu o meu rosto,
E mesmo com trinta anos agora, eu sempre fui calvo. Depois dessa matéria, a minha identidade será desmascarada
E vou ter que ir pra Belém de novo”.
E assim fizemos a foto mais espontânea de nossas vidas.


Mariouro

Eu não te amo mais
É atordoante dizer, mas é um sacrifício
Carregado de alívios reprimidos.
Eu não te carregarei uma vez mais
Elefante repleto de peso emocional.
Os nossos rostos se repelem
Sapo não encosta em sal
Então como sobrevivi?


Caracol

O relógio inglês da sala
Sincronizou-se com a ansiedade
E o dia escurece mais cedo, todo dia.

Caracóis melancólicos na varanda
Rastejando ao rosto caído, morto
E em cima de mim, promessas
Datilografadas numa carta

Tornou-se a despedida.


NA PRAIA

Na praia vejo caminhar
Uma pequena tartaruga,
Sozinha e confusa.
Quem acabou de sair do ovo
Não conhece o mar.

A maré faz ela voltar pro meio
E o cascudinho teima em beijar a água.
Eu não cheguei a ver o fim da história,
Se a tartaruguinha conseguiu, ou não.
Eu desliguei a televisão...

Eu queria escrever coisas melhores
Eu queria não descrever tudo
Eu queria ter uma mente mais límpida
Eu queria ser como água e luz
Eu queria ser como o rio e o fogo
Eu queria eu queria eu queria

Eu teimo em beijar a ferida
Eu teimo em beijar a ferrugem
Eu teimo em beijar o nada
Eu teimo em escrever muito
E no fim dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada
dizer absolutamente nada


DRAMA

A música que criei semanas atrás
Era de uma simplicidade genuína
E de uma melancolia devastadora

Em meio à incompreensão
Eu me abraço a qualquer parede
Em algo que seja duro, sólido
Como a pele opaca do meu pai, o homem de sol

A música que criei e aprovei
Era simples porque foi pura
E era bela porque foi minha
E adoro lembrar, voltar semanas atrás
E me vangloriar por ter sido autor de tamanha sensibilidade

A música que criei semanas atrás
No quarto de minha mãe
Nada mais foi que o meu próprio choro.


MAMÃE

Aconchego quente dos seus braços
E leite morno dos seus seios:
Que vontade de não entender o mundo.


O herói

E o meu pai descia,
Rumo ao morro mais próximo do rio.
E que facilidade, seus pés eram ninjas,
Sabiam perfeitamente bem onde pisar.
Já os meus, pareciam pés de um equilibrista,
Ou um surfista bêbado.
Era difícil manter a postura ali.

Será que um dia serei
Um herói também, que vê o próprio filho morrendo
E o ampara, convidando-o, quase que forçado,
À uma pescaria?
Quantas vezes tentei me matar,
E quantas vezes esqueci que os meus heróis
Também podem cometer suicídio...

O anzol beijou a água várias vezes.
Parecia que o próprio rio nos forçava
A ser pacientes, a perdurar um bom tempo no sol,
Só pra sentir o calor puro,
Pra mostrar que viver não é só sorrir,
É mais sentir.

Até que, algo nos surpreende
E cessa o nosso silêncio filosófico:
Um caranguejo abraçou, literalmente,
O anzol do meu pai.
Eu nunca tinha visto algo assim.
Era peculiar e divertido.
Era fêmea, segundo o meu velho.
Eu até a segurei, só que o troço agarrou
Meus dedos e instintivamente a soltei.

Até eu tive a sorte de pegar
Um caranguejo, desta vez macho.
Este devorou um pedaço da minha isca
E eu achei ingenuamente cômico.

Eu realmente quero guardar
Tais momentos, que pra mim
São importantes e lindos. Meu futuro é incerto.
Sei que não posso fugir do gosto fúnebre de minh’alma.
É, sei que não.
Sempre guardarei o sorriso que o meu pai deu
Quando tirei uma foto dele segurando o caranguejo.
Levarei comigo,
Até os dias que mais nada pertencerá a mim.


Três

O ônibus acelera,
O vento mais que desejado
Entra pela janela, acalmando
A pele irritada pelo calor.
Os espirais que formam meu cabelo
Se assemelham às folhas de uma mangueira,
Que balançam harmoniosamente
Sem parar.

O sono toca meus olhos
Como uma mãe toca o rosto de um recém-nascido.
Eu penso em atender o chamado sonífero
De uma alma cansada
Mas você, de repente, cai nas linhas do meu caderno
E preciso fotografar seu rosto
Em minhas palavras mortas, desmotivadas,
Antes mesmo de esquecer suas feições.
Antes mesmo de você esquecer
Que eu reparava em suas malditas feições.

Que tamanho preciso ter
Para que apenas uma pessoa entenda
Que preciso de um pouquinho de paz interior?
Precisei me pulverizar em três,
Ser três faces tortas, má desenvolvidas,
Que nem meus textos que choram com os meus desenhos
Desenhos tão mal feitos, mas tão bem vistos...
Esse paradoxo é estranhamente peculiar.
Poeta de bloco de notas e um compositor
Que não conhece sequer um acorde, que toca um violão banguela,
Porque afinação não é meu forte.

Eu só quero parar! Só que esse desejo
Parece ser um pecado para um rapaz de 17 anos,
Em plena juventude entorpecida de tempos tão modernos.
Jovens vistos como frutinhas perecíveis,
Onde a Internet é como a geladeira
Que evita com que apodreçam
Na melancolia despejada em um cigarro.
"Que demais, eu fumo"... que grande merda, brother.

E nestes últimos versos
Paro de incomodar sua sessão no cinema, ou
Mais uma tentativa de você tentar apagar
Sua própria vida
Em corpos de heróis tão fictícios
Quanto essa realidade mórbida,
Onde o caos sorri e nós acenamos pra ele.
Não sou artista. Tenho orgulho de dizer isso.
Sou um autodidata, apenas em busca
Da melhor forma de se expressar.
Por isso sou três, e por isso sou muitos.






Nota
Todos os poemas e desenhos foram retirados da página pessoal de Facebook de Jailan Souza.

Um comentário:

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

VC ACABA DE LANÇAR UM BOM POETA... ESPERO QUE QUALIDADE SE MANTENHA DEPOIS...