quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

JOSÉ LOPES MARQUES: Sete Sonetos Sobre A Arte Poética

Analogia vital

Não faz o poeta a poesia,
já o poema está feito dentro dele,
por mais que pelo seu nascer anele,
só na hora ideal ele irradia.

O poeta lhe sente à flor da pele
e do seu nascimento sente o dia,
quando o verso rompe a placenta fria,
que prazer o poeta encontra nele.

Há poemas que choram ao nascer,
outros surgem de modo tão silente,
alguns, mortos, não sentem o viver.
           
Há os que surgem prematuramente,
gêmeos pode o poeta conceber,
como a vida o poema é um presente.

Tarauacá - AC, agosto de 97.


A alma da poesia

Pode ter o poema rica rima,
Verso, ritmo, métrica e elisão,
se não tem sentimento tudo é vão,
não há forma perfeita que o redima.

Sem a ternura o verso fica órfão
mesmo sendo a estrutura obra prima
é preciso o desejo que imprima
na palavra sentido e sensação.

Necessita o poema do exagero,
da figura que as sensações enlaça
tem de haver o início e o derradeiro.

Sem ironia o verso perde a graça,
sem o símbolo será prisioneiro,
sem a imagem seu brilho logo passa.

Crato – CE, agosto de 2000.


O ourives da palavra

O poeta trabalha a pedra bruta,
Para nela uma joia encontrar,
Joia rara e de brilho singular,
Onde a arte no Belo se transmuta.

Solitário e incansável ele labuta,
Colocando cada pedra em seu lugar,
Com o fogo do ratio a queimar,
Quer encontrar a pureza absoluta.

Consumando sua nobre trajetória,
Ornamenta a joia calmamente,
Pra o que ver não tirá-la da memória.

Quando, enfim, surge a joia reluzente,
O artesão contempla a sua glória,
Glória efêmera buscada novamente.

Belém-PA, dezembro de 2007.


Soneto dedicado a um vampiro

O poeta, vampiro da existência,
Suga o sonho, ternura e sofrimento,
Suga a vida, a morte e o movimento,
Não se farta, essa é sua penitência.

Parasita do medo e do tormento
Tem a fome das Eras em sua essência,
Desespero, angústia e violência,
O sensível é, enfim, seu alimento.

O líquido venoso da emoção,
Fortalece o espírito do poeta,
Sem a Dor só lhe resta a inanição.

Nas sombras, espreita o que lhe afeta,
Esse algoz sanguessuga da Paixão,
Sua alma é feliz quando inquieta.

Belém-PA, setembro de 2008.


O sentido da banalidade

Rato defeca em um quintal,
Desenhando uma tela do excremento,
Cão sem dono no lixo bolorento,
Pensa ser seu latido musical.

Um Asno perdido e desatento,
Declamando o poema do jornal,
Esculpe no vômito um Animal,
Dizendo que é Belo o purulento.

Entra em cena a razão do sanatório,
Na comédia absurda e sem sentido,
Celebrando o vil riso provisório.

Banal arte onde o Feio é preferido
E no caos tem o Belo o seu velório,
Já o Artista está sendo consumido.

Porto Alegre – RS, outubro de 2013.


Sondagem psicológica do poeta

O poeta é em si desvelamento,
Permanece, contudo, indecifrável,
O seu verso tão claro é inefável,
Fortaleza vagando pelo vento.

Na palavra ferina é amável,
E na indiferença é sentimento,
É ternura no verso violento,
No limite se faz interminável.

É sozinho entre gentes a vagar,
Na derrota o poema faz vencer,
Tudo e nada no verso têm lugar.

Se quereis o poeta compreender,
Suas Faces precisas contemplar,
Para ver a Antítese do seu ser.

Vitória – ES, outubro de 2018


A perdição do poeta

O poeta é o ser que está perdido
Entre a arte e a miséria da existência,
Entre o eterno e a fria contingência,
Entre o Escuro e a busca do sentido.

Percorre o caminho da transcendência,
No mundo onde tudo é corrompido,
Tão sozinho, em percurso indefinido,
Oscilando entre o tudo e a impotência.

Direis: o poeta é inconstante,
E nunca conquista qualquer meta,
Perdido que anda a cada instante.

Contudo, o que a Luz da arte afeta,
Saberá que esta Perdição Constante
É o Supremo Encontro do poeta.

Belém-PA, dezembro de 2007.


José Lopes Marques é natural de Tarauacá-AC. Formado em Teologia pelo Seminário Batista do Cariri (2002), em Filosofia pela Universidade Federal do Pará (2008), especialista em Ensino de Filosofia (UFC, 2012), mestre (2016) e doutor (2019) em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará. É professor efetivo EBTT no Instituto Federal do Ceará (Campus Cedro), atuando nos níveis técnico, graduação e na especialização. Atua ainda como professor colaborador no Seminário Batista do Cariri e na Faculdade Batista do Cariri. Editor do Manifesto Originalia: Revista de Ensaios Teológicos. É autor de Diário de Sonhos do Doutor Satírico (All Print, 2013).

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