Não faz o poeta a poesia,
já o poema está feito dentro dele,
por mais que pelo seu nascer
anele,
só na hora ideal ele irradia.
O poeta lhe sente à flor da pele
e do seu nascimento sente o dia,
quando o verso rompe a placenta
fria,
que prazer o poeta encontra nele.
Há poemas que choram ao nascer,
outros surgem de modo tão silente,
alguns, mortos, não sentem o
viver.
Há os que surgem prematuramente,
gêmeos pode o poeta conceber,
como a vida o poema é um presente.
Tarauacá - AC, agosto de 97.
A alma da poesia
Pode ter o poema rica rima,
Verso, ritmo, métrica e elisão,
se não tem sentimento tudo é vão,
não há forma perfeita que o
redima.
Sem a ternura o verso fica órfão
mesmo sendo a estrutura obra prima
é preciso o desejo que imprima
na palavra sentido e sensação.
Necessita o poema do exagero,
da figura que as sensações enlaça
tem de haver o início e o
derradeiro.
Sem ironia o verso perde a graça,
sem o símbolo será prisioneiro,
sem a imagem seu brilho logo
passa.
Crato – CE, agosto de 2000.
O ourives da palavra
O poeta trabalha a pedra bruta,
Para nela uma joia encontrar,
Joia rara e de brilho singular,
Onde a arte no Belo se transmuta.
Solitário e incansável ele labuta,
Colocando cada pedra em seu lugar,
Com o fogo do ratio
a queimar,
Quer encontrar a pureza absoluta.
Consumando sua nobre trajetória,
Ornamenta a joia calmamente,
Pra o que ver não tirá-la da memória.
Quando, enfim, surge a joia reluzente,
O artesão contempla a sua glória,
Glória efêmera buscada novamente.
Belém-PA, dezembro de 2007.
Soneto dedicado a um vampiro
O poeta, vampiro da existência,
Suga o sonho, ternura e sofrimento,
Suga a vida,
a morte e o movimento,
Não se farta, essa é sua penitência.
Parasita do medo
e do tormento
Tem a fome das Eras em sua essência,
Desespero, angústia
e violência,
O sensível
é, enfim, seu alimento.
O líquido venoso da emoção,
Fortalece o espírito do poeta,
Sem a Dor só lhe resta a inanição.
Nas sombras, espreita o que lhe afeta,
Esse algoz sanguessuga da Paixão,
Sua alma é feliz quando inquieta.
Belém-PA, setembro de 2008.
O sentido da banalidade
Rato defeca em um quintal,
Desenhando uma tela do excremento,
Cão sem dono no lixo bolorento,
Pensa ser seu latido musical.
Um Asno perdido e desatento,
Declamando o poema do jornal,
Esculpe no vômito um Animal,
Dizendo que é Belo o purulento.
Entra em cena a razão do sanatório,
Na comédia absurda e sem sentido,
Celebrando o vil riso provisório.
Banal arte onde o Feio é preferido
E no caos tem o Belo o seu velório,
Já o Artista está sendo consumido.
Porto Alegre – RS, outubro de 2013.
Sondagem psicológica do poeta
O poeta é em si desvelamento,
Permanece, contudo, indecifrável,
O seu verso tão claro é inefável,
Fortaleza vagando pelo vento.
Na palavra ferina é amável,
E na indiferença é sentimento,
É ternura no verso violento,
No limite se faz interminável.
É sozinho entre gentes a vagar,
Na derrota o poema faz vencer,
Tudo e nada no verso têm lugar.
Se quereis o poeta compreender,
Suas Faces precisas contemplar,
Para ver a Antítese do seu ser.
Vitória – ES, outubro de 2018
A perdição do poeta
O poeta é o ser que está perdido
Entre a arte e a miséria da existência,
Entre o eterno e a fria contingência,
Entre o Escuro e a busca do sentido.
Percorre o caminho da transcendência,
No mundo onde tudo é corrompido,
Tão sozinho, em percurso indefinido,
Oscilando entre o tudo e a impotência.
Direis: o poeta é inconstante,
E nunca conquista qualquer meta,
Perdido que anda a cada instante.
Contudo, o que a Luz da arte afeta,
Saberá que esta Perdição Constante
É o Supremo Encontro do poeta.
Belém-PA, dezembro de 2007.
José Lopes Marques é natural de Tarauacá-AC. Formado
em Teologia pelo Seminário Batista do Cariri (2002), em Filosofia pela Universidade
Federal do Pará (2008), especialista em Ensino de Filosofia (UFC, 2012), mestre
(2016) e doutor (2019) em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará. É
professor efetivo EBTT no Instituto Federal do Ceará (Campus Cedro), atuando
nos níveis técnico, graduação e na especialização. Atua ainda como professor
colaborador no Seminário Batista do Cariri e na Faculdade Batista do Cariri.
Editor do Manifesto Originalia: Revista
de Ensaios Teológicos. É autor de Diário
de Sonhos do Doutor Satírico (All Print, 2013).
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