João Crescêncio de
Santana, advogado, poeta e compositor. Nasceu em 8 de março de 1933, no
seringal Arapixi, município de Boca do Acre-AM. Chegou a Rio Branco em 1949,
ainda adolescente, aonde reside até hoje. Em 1965, ingressou na então Faculdade de Direito do Acre
(FADACRE), atual Universidade Federal do Acre, integrando a primeira turma de
Direito da instituição. Depois de formado, ocupou diversos cargos públicos,
como Diretor de Polícia Judiciária e Assessor Jurídico. É membro efetivo da
Academia Acreana de Letras (AAL), titular da cadeira nº 16, que tem como
patrono José Maria Cândido Rondon e fundador José Guiomard dos Santos.
SIBIPIRUNA
Cresce Sibipiruna
Quero ver flor
amarela
Colorindo a cidade
Levando felicidade
A todas as janelas
Sibipiruna
Só beleza em ti
encerra
Bem-te-vi leva a
semente
Semeando como a
gente
Filhos desta terra
Quero tua sombra
Tua copa vai ser
meu chapéu
Preciso do teu
acalanto
Para estancar meu
pranto
Por viver ao léu
Sibipiruna
Quero ser teu
aliado
A ti encostar o
ombro
Minhas mágoas
confessando
Pois estou cansado
Foi o tempo sim,
Sibipiruna
Foi ele sim, eu sei
Nunca quis ouvir
meus gritos
Por isso cansei.
p.72
CANTATA À MEMÓRIA
DA REVOLUÇÃO
(História do Acre)
Vitoriosa a Revolução – reservou
No Pavilhão o
espaço
O novo Estado, hoje
é astro
Obra do seu criador
Isso
deveu-se, oh!
Hoste
de desconhecido
De
um caudilho destemido
Seu
desbravador
Antes, porém,
chegou
Aqui um bandeirante
Sonhador delirante
A primeira vila
fundou
Memória,
memória
Essa
não existe sem História
Porto Acre, qual
veste implora
A Igrejinha de
ferro esquecida
Padroeiro
entristecido
Tabernáculo sem
pudor, nem glória
Não
desvencilhamos mérito e honradez
Queremos
monumentos de pilastras
A
Newtel Maia, a estátua
Por
que não, a de Galvez?
Aí, rebenta-me
melancolia atroz
Vendo quão poucas
as alegrias
Há quem sinta
nostalgia
Dos tempos de
heróis
Memória,
memória
Essa
não existe sem História
Adagiando, primeiro
é indez
Oh! Intelectual
José Carvalho
Hilariantes poetas
não humilharam
Esqueceram as
primatas, talvez
A
gente, expande-se em emoção
Em
semelhantes pensamento
Contra
fatos não há argumentos
Disse
Evandro Lins e Silva, à Nação
Se a hóstia é
oblação
Holocausto é
sacrifício
Epopeia é ato
explícito
História é tradição
Memória,
memória
Essa
não existe sem História. p.73-74
BRINCANDO COM COISA
SÉRIA
Quiçá, o sexto
sentido
Pequeníssima janela
Tem tudo de haver
com o belo
Misterioso induzido
Sutil como a
essência
Corre em alta
frequência
Daí, passando
despercebido
Há
quem, por estreita fresta
Rasgue
o véu da natureza
Já
que ele oculta toda a beleza
Segredo
que nos cerca
A
ciência é o caminho
Fenômeno
o espinho
O
transe, por si só, atesta
Talvez por desdita
O homem seja
desconhecido
Nesse enigma
inserido
Inexiste ponto de
vista
É controvertida a
questão
Exemplo é a
predição
Isso é metafísica
Vejam
o aparelho emissor
Com
onda, canal e frequência
Varia
KW-hora a potência
E
depende de transmissor
O
sexto sentido é conexão
Transe
a vibração
Homem,
o receptor
Sendo tudo isso
harmonia
Em que Universo
principia
A existência do
ocaso?
O conhecimento
superintelectual
E a intuição
afinal?
Diz-se da verdade por
dentro?
Acho que estou
perdido
Que Deus julgue-me
desobrigado
Desse indecifrável
enigma. p.75-76
IRONIA
A ironia dilacera
pudor
Porquanto tem duplo
sentido
Não sabe-se quem
atingido
Se o desafeto, ou
zombeteiro autor
Essa
prática mais parece
Ignorância
do que sapiência
Já
que sabedoria é transparência
Sarcastismo
pouco cresce
O irônico mistura
tudo e rechaça
Quando devia
agradecer
A existência
própria do ser
E o oxi que recebe
de graça
Parece
cliente do diabo
Por
que de Deus, nem de longe
Veste-se
na aparência
Como
fazem aos beatos os monges
Geralmente é um ser
revoltado
Por não julgar-se
alvo de preterição
Não lhe acena o
Condão
Daí não temer o
pecado
Esse
tipo de gente
É
um Deus-nos-acuda
Só
o Triângulo das Bermudas
Definiria
essa mente p.81
MARIA
Dedicada à Profª. e
advogada Maria Ferreira Martins, primeira mulher a formar-se pela Faculdade de
Direito do Acre.
Maria, Maria,
estrela que brilho
Desânimo não
assediaram-lhe
Ideias frívolas as
expurgou
Era a luta p’ra
vencer
Alar-se ao pódio
sem temer
Já que a luz nasce
da dor
Esse foi o caminho
Cercada de amigos
sinceros
Firme q’al moeda
cunhada
Sentido o peso real
Não dispondo do vil
metal
Nesse embate de
fogo cruzado
Moça simples e
destemida
Ousada, de
expressões ditosas
Nunca receou-lhe a
ida
Mesmo que fosse o
caminho
Ladeado de flores
ou de espinhos
Suas virtudes,
caule da vida
Abraçou o curso
jurídico
Primogênita da
FADACRE
Receando o ridículo
Dedicou-se com
escravidão
Se o óbvio era a
razão
Oh! Exemplar
discípula
Honrou todo esse
mister
Diplomando-se
afinal
Como quem sabe o
que quer
A exemplo de MARIA
Ao conceber o
MESSIAS,
Elevou-se também
como mulher
Hoje está realizada
Com seus sonhos bem
definidos
Transparente
realidade
Donde, essa estrela
atraente
De nossa justiça
expoente
P’ra sua e nossa
felicidade p.82-82
A VIDA É UM JOGO
P’ra nascer e
morrer
Sistemas de regras
Passatempo e
brinquedo
Zombaria e gracejo
Azar, vitória e
derrota
Apelar de um
arremesso
Manha, astúcia e
peripécia
Luz, movimento e
harmonia
Franco, cirrado e
aberto
Cena, atos e
intervalos
Dramático, simples
e difícil
Bastão, pandeiro e
raquete
Político e
administrativo
De cintura e de
perna
Esconder, dicas e
fontes
Verdade, mentira e
incertezas
Roleta, bola e
sorte
Maldição,
merecimento e fé
Arte, técnica e
ação
Tudo na vida é um
jogo
Até as batidas do
coração. p.83
ANGÚSTIA DE NERO
Poema épico
Admirando o General
Digelino
Comandante do
Exército pretoriano de Nero
Cuja missão era
guardar o Palácio e o Império
Na mão segurando o
aço
Persuadir não
chegava ao belo
Se por trás da
história
Não lhe saia da
memória
As brutais ordens
de Nero
Exclamava certa
feita
Ao público do
Coliseu dizendo
No mar, nada se
queima
Por se água demais
Só engano seu
Já que o entusiasmo
do Imperador
Maior que das ondas
o furor
Vê sacrificado todos
os judeus
Nada lhe convencia
Muito menos comovia
Ao tomar inédita
decisão
Longe da verdade
compreender
Distante estando a
razão
Ordenou o
sacrifício
Como orgulho do seu
artifício
Ferrenho inimigo
dos cristãos
Sendo trágica a sua
ideia
Não ouvindo ele
sequer Pompeia
Assim sentenciou
Prendam esse homem
E seus seguidores,
bem sei
Recolha-os ao fundo
do cárcere
Onde a luz não
passe
Porque eu sou o
Rei.
Ele tem que provar
Algo importante a
demonstrar
Para o meu
convencimento
Fazer também
juramento
Das coisas do além
Se é filho de Deus
Que sentimento
prega aos seus
Do contrário
pagará, por mal ou por bem
E como ele não
falou
Estranho o
Imperador achou
Dizendo: foge ao
meu entendimento
Determinando que o
seu julgamento
Fosse feito pela
multidão
Cuja cena lamentável
Foi a prisão de
Jesus,
Por Barrabás, o
ladrão
Arrancou do cárcere
Angelina
Pois queria vê-la
sacrificada
Na praça do Coliseu
amarrada
Exposta a um touro
valente
Dizendo: esse é o
sonho meu
Vê-la morrer à
vista de Marco Antônio,
Prisioneiro também
Por haver seguido
os Judeus
Ela por Deus se
salvou
O touro Gigante
matou
Cena de suspense no
Império
Esclareceu-se da
incineração
O incendiário foi
Nero
Que recolheu-se ao
Trono
Onde em pleno
abandono
Suicidou-se ao frio
ferro p.86-87
LOUCURA NEM SEMPRE
É DOENÇA
(Quando da morte de
Chico Mendes)
Insustentavelmente
me sinto
Na frieza dos dias
de hoje
Sussurro baixinho
minhas preces
Como se houvesse
pressa ao socorro
Inconsequente sei
que não sou
Intimorato dos
homens também não
Nessa investida ao
tempo
Onde está o
condão?...
Encharcados estão
os meus olhos
Envergados meus
nervos a açoite
As pegadas do tempo
nos ensina
O homem há de ser
afoito
Louco por todos
chamados
Forasteiro, errante
e impulsivo
Contanto que de
tudo use e se faça
Verrume a barreira
e sobreviva...
Loucura nem sempre
é doença
É desmando, inveja
e crispada vocação
Abelha suga a flor,
sai o néctar
DO cumaru-ferro faz
o homem o carvão
Riqueza vulnerável
às leis da isonomia
Cetro de muitos
arrogantes (UDR)
Ferozes como jacaré
no arpão
Em bando, iguais a
chacais em euforia p.88
AS ROLINHAS DO
CORONEL
Adentrando a
madrugada
No Distrito vizinho
Deparei-me sem
querer
Com um bando de
rolinhas
Contemplando o
panorama
E as estrelas lá do
céu
Visível era a
ausência
Do proprietário, o
coronel
Pouco
se sabe da ausência
Se
por trabalho ou finanças
O
grupo querendo ser discreto
Manteve-se
à distância
A
nada prestava atenção
Onde
lia-se no olhar
Muita
coisa a desejar
Tamanha
a preocupação
Logo se retirou
Não se sabendo o
destino
Se pro Distrito de
origem
Se pro Norte ou Sul
prosseguiram
Mas, não querendo
exagerar
Nem imacular a
imaginação
Pelo que me parece
Levantaram voo pro
Barracão
Lá
chegando
Oh!
Deus meu
Quem
quiser pode analisar
Bicho
de pena é assim mesmo
Gosta
mesmo é de voar
Vulneráveis
por ser da terra
Ao
contrário das do céu
Lamento
a fatídica sorte
Do
proprietário, o coronel
Rolinha só presta
assada
P’ra tira-gosto de
cachaça
Existem muitas por
aí
Em bandos lá pela
praça
Semelhante às
mariposas
Admiradoras da luz
e do céu
Sempre à procura de
um trouxa
Assim como, o
coronel
O
bando é sui-generis
Tem
velhas, jovens e coroas
Levam
tudo pela proa
Cipó,
garrancho e balseiro
Enfrentam
a correnteza
Como
faz o peixe em desova
Não
são de muita prosa
Mas
adoram a brincadeira p.93-94
SANTANA, João
Crescêncio de. Poeira cósmica: registros históricos, satíricos, líricos e
outras memórias. Rio Branco: Indústria Gráfica e Editora tico-tico Ltda, 1994.
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