Foi no verão de
1914. Na casa do Comendador X, realizava-se grande baile comemorativo ao
aniversário de sua filha.
Numa roda de
intelectuais, prendia a atenção, com seus chistes e trocadilhos, Emílio de
Menezes.
Eis que se aproxima
uma senhora, toda donairosa, e, entre mil perguntas pueris, dirige-se ao grande
boêmio: Sr. Emílio! Sabe quais são os encantos da mulher?
– “Sei-os”, minha
senhora. p.117
Certa vez,
encontraram-se Emílio de Menezes e Teixeira Mendes, que era o chefe da religião
positivista. Depois de muito conversarem, Teixeira, ao despedir-se, falou:
– Até à vista,
Emílio. Eu agora vou para o apostolado.
– E eu vou para o
“lado oposto” – retorquiu Emílio. p. 117
F. alcançara, muito
moço, uma cadeira de deputado; com fama de grande talento, muito dele se
esperava. Passam-se, porém, os anos e F., já maduro, vegeta na mais rasa das
mediocridades.
Referindo à
carreira do “raté”, Emílio diz:
– Este sujeito tem
um brilhante futuro atrás de si... p. 114
Certa vez, S., um
poeta sem estro, apareceu a Emílio, na confeitaria, sentou-se, e disse:
– Escrevi ontem
dois sonetos. Hoje burilei um deles. Aqui está. Vou ler e você me dirá a sua
impressão. Amanhã trarei o outro.
Leu com ênfase,
martelando as tônicas, sob silêncio. Ao cabo inquiriu, triunfante:
– Que tal?
Muito calmo,
cofiando os longos bigodes, Emílio redarguiu:
– Gosto mais do
outro... p. 115-116
Tornara-se
indesejável a permanência de certo figurão no cargo de ministro, e, entretanto,
não pedia exoneração...
Era assim comentado
na roda de amigos de Emílio de Menezes:
– É uma injustiça
combate-lo pois é um estadista insigne!...
Emílio aproveitou a
deixa para trocadilhar:
– É um “insigne...
ficante!” p. 116-117
A passo tardo,
andava o poeta pela Avenida, matutando talvez sobre algum “capítulo”
orçamentário, quando dele se abeirou um dos mordedores da espécie “gentil” que
por ali faziam ponto.
– Amigo Emílio,
como vai a bizarria? Você me dá a palavrinha?
– Pois não; mas
anda depressa, que tenho necessidade de chegar cedo em casa.
O mordedor gentil,
honrando a espécie, entrou a “dedilhar” o fraque negro do poeta, sacudindo com
arte as partículas de poeira que lhe descobri no fato.
Avistando um fiapo,
com os dedos em tenaz, lançou-o ao solo enquanto dava o bote:
– Estou, meu caro
Emílio, numa prontidão única! Arranja-me aí uns dez mil réis..
O poeta, após o
natural sobressalto, protestou:
– Dez mil réis?!...
E, apontando a gola
do casado:
– Põe já o fiapo no
lugar. p. 112
O sr. Elói Pontes
em “A vida exuberante de Olavo Bilac”, narra-nos estas:
Fala-se, na roda,
de críticos. Alguém alude a José Veríssimo, para dizer:
– O Zé Veríssimo
trata os novos com tamanha má vontade!
Emílio comenta, de
pronto, com mordacidade:
– É. O Zé Veríssimo
é um crítico que furta no peso... p. 110
Falava-se do
diplomatas, da vida que levam na Europa certos “gros bonets” da diplomacia, sem
fazer nada em bem do país que representam.
– Alguns fazem
literatura... diz um do grupo; e citou nomes.
– E ainda assim, observa
Emílio, quando se metem a fazer literatura é como o Graça Aranha, fazem “mal às
artes”.
Graça Aranha
acabava de representar em Paris a sua tão discutida peça “Malazarte”. p. 111
Fomos buscar no sr.
Leôncio Correia em seu livro “A boêmia do meu tempo”, várias pilhérias de
Emílio, que reproduzimos a seguir:
Sherlock Holmes
morreu, anuncia o boêmio, desolado. Ao bater à porta do céu, são Pedro
recusou-se a recebê-lo. Insistências. Negativas. Enfim o astuto detetive venceu
a resistência do santo chaveiro.
– Você entra, dizia
este; mas só ficará aqui, sob uma condição.
– Qual?
– Descobrir o pai
Adão, que, em vão, há séculos, procuro.
– Está feito.
E diante de ambos,
espíritos materializados começaram a desfilar durante horas, dias, semanas,
meses... Sherlock já desesperava de fixar-se na morada dos bem-aventurados.
– Eis o homem que
procurais! Exclamou, num transporte de júbilo, apontando um barbaças de andar
trôpego.
– És o pai Adão?
– Em carne e osso,
meu bom santo.
– E por que você o
conheceu? Indaga, meio aturdido, São Pedro, ao inigualável polícia:
– Porque é o único
que não tem umbigo! p. 1108
Entre as figuras de
relevo que serviam de alvo habitual à sátira impiedosa de Emílio de Menezes,
estava Capistrano de Abreu, historiador ilustre, sábio respeitadíssimo, em
torno do qual se criara uma glosadíssima lenda de desleixo, de abandono
próprio, e, mesmo, falta de higiene. Utilizando essa versão popular, contava o
poeta:
– Uma vez, o
Capistrano mandou à tinturaria, para ser lavado, um terno com que andava há
doze anos. Uma semana depois, apareceu-lhe à porta um empregado da tinturaria,
e entrega-lhe um embrulho pequenino, que lhe cabia na mão.
E como lhe
perguntavam o que seria, Emílio concluía, invariável:
– Eram os botões,
menino! A roupa, de puída e velha, havia se dissolvido n’água. p.106
Uma tarde, estava
Emílio de Menezes à porta da confeitaria Pascoal, em companhia de um amigo,
quando passou pela calçada, arrogante, charuto ao queixo, um cavalheiro de alta
representação, conhecido na cidade pela sua aversão ao pagamento das dívidas.
Ferido pela soberba do tipo, Emílio voltou-se para o companheiro,
perguntando-lhe, à queima-roupa:
– Em que se parece
aquele sujeito com um botão?
O outro não atinou
com a chave do enigma, e ele completou, perverso:
– É que ele também
não paga a casa em que mora... p. 106
MENEZES, Raimundo
de. Emílio de Menezes, o último boêmio. Rio de Janeiro: Saraiva, 1949.
Nenhum comentário:
Postar um comentário