Manoel Urbano em 1889. Foto: Fotos de Fatos |
Os selvagens fazem
muitas festas, porém, ha uma no anno que são obrigados a fazer e onde contam as
historias antigas conforme as tribus.
Festa
de annos
Depois de todo
preparado, tratam de convidar as outras tribus, e reunidos todos começam a
tocar os instrumentos. N’isto fazem um silencio e um dos chefes diz que vae
contar as historias antigas.
Diluvio
Ha muito tempo
houve signaes no sol que ficava escuro e ao mesmo tempo encarnado. Acontecia o
mesmo com a lua. De noite ouviam-se muitos tropeis e batidos pelos paus,
grandes estrondos ser ora debaixo da terra, ora no céu. Os animaes espantados
corriam d’uma parte para outra, os que eram ferozes ficavam mansos se alguem se
aproximava. Depois ouviram-se grandes estrondos que partiam de todos os lados,
parecia que a terra estava se desfazendo, viram uma escuridão do céu à terra
que trazia vento e grande chuva. Com este movimento já morria muita gente de
susto, a agua cresceu com uma velocidade espantosa matando muita gente, só
escapou Safará, Uaçu, suas mulheres e algumas pessôas; os paus altos ficaram
com os ramos de fóra; sustentavam-se com folhas e que estas ficaram doces.
Depois que baixaram as águas trataram de fazer jangadas com medo de novo
acontecimento, mas vendo que não havia mais nada deixaram as jangadas à tribu
Paumary que até hoje ainda as usa. Dando por terminada a historia começa o
chefe a seguinte:
Conta que em outro
tempo o dia ficou feito noite e durante este tempo ouviram muito barulho. Mas
não sabiam qual o motivo: uns diziam que o sol se tinha acabado, outros que
tinha ido illuminar outros povos. Foi escurecendo das dez horas para às onze
horas do dia, porém pouco durou; às quatro horas da tarde pouco mais ou menos
parecia que ía amanhecendo tornando a escurecer novamente. O dia seguinte
esteve no seu natural. Entra outro e conta a historia do urary ou hervadura:
Os antigos
reparavam no gavião real quando ia procurar a preza: primeiramente aranhava a
arvore da hervadura, elles então vendo isto também esfregavam lá a ponta das
flechas na occasião de irem para as caçadas. Reparavam que as caças que
flexavam ficavam repentinamente enfraquecias; reconhecendo, que faziam grande
vantagem tratavam de engrossar mais, raspando e cosinhando a casca da
hervadura. Vendo que matavam com mais rapidez, engrossavam ainda mais e d’esta
forma descobriram o meio de preparar. Findas as historias é que dançam tanto os
homens como as mulheres e gastam com esses festejos tres dias. As historias que
contam por essa occasião são muitas.
Casamentos
Os casamentos tem
muitas cerimonias, porém, só fallo das ultimas. Amarram uma maqueira muito
comprida e fazem sentar o noivo e a noiva de costas um para o outro. Vem uma
velha aconselhar a noiva ensinando como é a vida de cazada; o mesmo faz com o
noivo um velho. Depois duas velhas examinam se a noiva sabe fazer balaio,
panella, toupé, abano, tacy e outras obras pertencentes a mulher; outros dois
velhos examinam se o noivo sabe fazer arcos, flexas, sarabatanas, panacú,
curahy, etc. Acabado isto fazem sentar a noiva direito e puxam-lhe os dedos das
mãos e dos pés, põem um panellão d’agua junto d’ella e vem uma porção de
mulheres com o seu raminho na mão dançando ao redor, mettendo o ramo n’agua e
sacudindo na noiva; a esse tempo já os
outros estão dançando, em seguida enxugam bem o corpo da rapariga, enfeitam-n’a
de pennachos e levam para a casa da festa. Lá chegados elles põem os braços
d’ella por cima dos hombros do noivo e outros fazem grande alarido em signal de
alegria. Quando acabam d’estes festejos o pae e a mãe não têm mais poder nas
filhas. As que não tem a felicidade de se casar dão o nome de maiçáque quer
dizer solteira.
Baptismo
Tambem o baptismo é
festejado. Depois de tudo preparado juntam as crianças que têm de ser
baptisadas pelo maioral de sua religião, ao qual dão o nome de Mendy, Joimatê
ou Carimandê, e furam-lhe os beiços; os padrinhos levam uma lambada com os
braços suspensos em paga do baptismo. Em seguida tratam-se por Uçairy que
significa compadre. Além d’estas ainda ha outras ceremonias.
Há tambem pelo
inverno, e em certo dia marcado, outro festejo. Fazem uma reunião, os homens
tocam os tourés grandes. O som é rouco, e n’esta reunião guardam um grande
silencio ouvindo-se apenas o som dos tourés. O sustento d’elles, n’esse dia, é
peixe.
Pegam na cana dos
braços dos homens mais notaveis, já fallecidos, que houve entre elles, e salta
um dos chefes no meio do são fazendo todos os gestos d’essa pessôa quando viva,
dizendo:
“Este foi quem
venceu tal guerra!”
“Este foi quem nos
ensinou a fazer tal couza!”
E tudo quanto fazia
quando vivo. Acabado isto entra outro dizendo da mesma forma o que fazia o
fallecido. Este festejo só é feito aos homens mais notaveis que houve entre
elles. Depois de acabada a festa, guardam os ossos dentro d’um panellão
dependurado.
Enterro
Quando morre
qualquer um d’elles ha grande choradeira entre grandes e pequenos. O choro é
cantando. Depois fazem uma sepultura redonda e enterram o defuncto sentado
acompanhado de enorme choradeira. Uma vez enterrado ainda choram sobre a
sepultura e passados dois dias levam algum sustento para o finado.
Ainda ha outras
ceremonias e historias que deixo de mencionar, devido a grande occupação que
tenho.
Rio Purús –
Canutáma, 24 de Agosto de 1882.
MANOEL URBANO DA
ENCARNAÇÃO.
Referência
ENCARNAÇÃO, Manoel
Urbano da. Carta sobre costumes e crenças dos Indios do Purús, dirigida a D. S. Ferreira Penna por Manoel Urbano da Encarnação. Boletim do Museu Paraense de
Historia Natural e Ethnographia (Museu Goeldi), Belém, 3(1/4): 94-97, 1902.
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