Capa e segunda capa de "Por que aconteceu?", folheto de Matias. Desenho da capa: Péricles Silva.
POR QUE ACONTECEU?
José Marques de Souza (Matias)
Caros leitores,
Estou falando estas coisas do
companheiro Chico
Mendes num
momento de tristeza, por se tratar de um grande amigo. Através destas rimas
(que podem nem ser do seu agrado), talvez nós possamos conservar o companheiro
na memória, pois para mim ele não morreu e continua vivo. E muito inteligente. Esta
inteligência ele herdou de berço. Gostaria que esta inteligência fosse transferida
para as Universidades, pois aquela simplicidade, aquela humildade, aquela pureza,
destacava-se do egoísmo humano, do preconceito.
Que os grandes sábios tenham o Chico vivo entre os seus
atos, pois mesmo que eu esteja tomado de emoção, ele foi e é aquele que sempre
admirei e admiro. Ele vai continuar vivo no nosso pensamento, no ensino, na
diversão, no trabalho.
Nestas sentenças eu convido você a
pensar:
– Em nosso País, em quem nós devemos
confiar?
Eu escrevi estas linhas. Conto com você.
Não podemos esquecer que ele não queria
morrer.
MATIAS
I
Eu olho para o por do sol.
Para mim é uma beleza.
Olhar o sol nascer
é beleza da natureza.
Ninguém pode escapar.
Vivendo na mata,
Tem o prazer de acompanhar,
A alegria dos pássaros,
Para ver o sol nascer.
Chico Mendes. Ele não queria morrer.
II
Como vivemos sem segurança,
A paz do dinheiro é que vence,
O homem que vive na floresta,
Que se esforça pra sobreviver,
Trazer o sustento da família,
É capaz de morrer.
São os poderosos que gozam do poder.
Chico Mendes. Ele não queria morrer.
III
Chico olhava a floresta,
Não era por vaidade.
Ele olhava o Brasil
E ao mesmo tempo pensava
No futuro da mocidade.
O esforço do companheiro,
Todo mundo podia ver.
Chico Mendes. Ele não queria morrer.
IV
Do jeito que ele lutava
Não queria nem saber,
Que a terra é pra todos,
Não adianta trabalhar pra morrer.
Somos seres humanos,
Temos o direito de viver.
O direito à vida digna,
É direito de todos.
Tanto pra mim quanto pra você.
Chico Mendes. Ele não queria morrer.
V
Chico não queria morrer.
Ele queria viver.
Não gritou só para o mundo,
Mas pra todos que quisessem ver.
A sua valiosa vida,
Ele não queria perder.
A luta pela floresta,
Em benefício de todos.
Chico Mendes. Ele não queria morrer.
VI
E foi isso que aconteceu.
Tanto que o companheiro pediu
Que não queria morrer.
Ele queria viver.
Tinha pena de um trabalho
Que tinha começado
E queria terminar de fazer.
Chico Mendes. Ele não queria morrer.
VII
Quando uma pessoa
Pede clemência,
que nada pode fazer,
Os poderosos pouco se importam
Com o que vai acontecer.
Para eles seria uma beleza
Se ele chegasse a morrer,
Pois ficavam livres
E tudo poderiam fazer.
Chico Mendes. Ele não queria morrer.
VIII
Ele pediu socorro às autoridades.
Ele não queria morrer.
Queria viver pra dedicar
A vida à floresta.
Foi nela que ele nasceu.
Foi nela que ele cresceu.
Por ela queria estar vivo.
Lutar para evitar o que poderia acontecer.
Chico Mendes. Ele não queria morrer.
IX
Sua vida era boa.
Saudável e divertida.
Sempre implorou em defesa da vida.
Gostava da terra.
Gostava da natureza.
Por ela via as coisas nascer.
Chico Mendes. Ele não queria morrer.
X
Índios e seringueiros,
Que somos da mesma nação,
Sempre vivemos juntos,
Pois temos a mesma opinião.
Para viver na floresta,
Não tem ninguém melhor que nós,
Para a sua proteção.
Vamos sustentar esta luta,
Pois nada será em vão.
XI
Os grupos internacionais
Não são, na minha opinião,
Para meter-se nesta história,
Pois deveria ser resolvida
Por esta nossa Nação.
Mas até valeu a pena.
Aparece que desta vez,
O morto vai ter coração.
XII
Tenho visto tanta coisa
Que faz cortar coração.
Marrosa era bandido,
Vivia fazendo confusão.
Mas pra mim não devia ser morto
Pois ele gritou por proteção.
Afinal a cadeia pública
Não é pra fazer prisão?
Pois ele foi morto.
E morto por um pelotão.
XIII
As mortes vêm acontecendo,
Até parecem pedir bis.
Será que a morte de Chico Mendes,
Não foi culpa do País?
Chico era um homem pacato
E lutava pela Nação.
Quantas vezes ele clamou
Pela sua proteção?
Por isso digo:
Sua morte foi culpa da Nação.
XIV
Eu quero dizer
E deixar clara minha opinião.
Gostava do companheiro
E admirava sua ação.
É pena não viver com ele
Para um ao outro dar proteção
Por isso me despeço do Chico
dizendo: Vamos em frente meus irmãos.
XV
Seringueiros que disseram,
Que sua morte foi tão falada,
Quando muitas vezes eles mesmos
Lutaram com o Chico,
Pra falar com autoridades.
Às vezes a gente fica pensando,
Que isso é coisa de maldade.
Quantas vezes viajaram
Pra resolver coisas na cidade?
E tudo ficava pendente
Por causa da má vontade.
XVI
Os bandidos perigosos
Será que precisavam matar?
Quem matou Wilson Pinheiro?
Alguém sabe donde estão?
Quem matou o filho do Abraão?
Vocês sabem onde estão?
Por isso companheiros,
Temos algo pra pensar.
A gente paga a segurança,
Pra nos dar conforto ou
Pra nos assustar?
XVII
Chico Mendes não sabido.
Nunca frequentou Universidade.
Era filho de seringueiro,
Já tinha se casado.
Era um homem de idade,
Defendia o seringueiro,
Uma vida digna, com igualdade.
XVIII
Alguns muitas vezes pediam
Pro Chico parar.
Mas ele achava difícil
Porque pra ele.
A luta não podia acabar.
Resistia com coragem,
Pois a covardia
Em seu vocabulário não existia.
XIX
O Chico esteve lutando
Pela causa que serve pra mim
E pra você.
Nossos filhos estão crescendo,
A floresta tá acabando.
Os ricos não tão nem aí.
Depois nós é que ficamos chorando.
Abre o olho companheiro,
Pois eu tô te alertando.
XX
Vamos unir as forças,
Pois a preservação da floresta,
Juntos nós podemos evitar.
As grandes derrubadas,
Não servem pra nós.
Só pros grandes fazendeiros,
Que só pensam em enricar.
XXI
Chico lutou muito
Pra defender aqueles
Que viviam do seu lado
E muitos viu até nascer.
Era companheiro
Que lutava pra sobreviver.
Aí Chico ficava triste,
Quando falava que ia morrer.
E dizia: – Isso não é possível!
Luto não é só por mim.
É também pelos companheiros,
Que batalham para sobreviver.
Conto com vocês,
Pra não ver essa coisa acontecer.
XXII
A Polícia é paga pela Nação
Para dar segurança ao povo.
E muitas vezes escraviza
Aqueles que nunca têm razão.
Chico vivia na floresta,
Unidos com seringueiros
De braços dados com índios,
Se alimentando das castanheiras.
Ainda existe sabido
Dizendo que ele fazia aresia
Para subir na carreira.
Deixou de se candidatar
Pra ficar ao lado dos companheiros.
Por isso que o povo diz
Que isso tudo é ilusão.
Vieram balas da UDR
E cortaram seu coração.
XXIII
O Chico não queria morrer
Por isso pediu proteção.
Clamou ao Chefe da Nação.
Queria continuar sua missão.
Era desejo dele,
Defender a floresta,
Defender o seu torrão.
Índios e seringueiros,
Eram seus irmãos.
Vieram as balas da UDR
E cortaram seu coração.
XXIV
Eu peço às autoridades,
Que tenham um pouco de compreensão.
Às vezes que pedia clemência,
É porque Chico não queria
Deixar sua missão.
Para o bem da floresta
Que era a raiz do seu coração.
E as balas da UDR
Cortaram seu coração.
XXV
Se a floresta falasse,
Não sei o que ia dizer.
Oitenta e duas mortes
Com a do Chico acabou de ocorrer.
Será que a Polícia não sabia,
Ou não quis se comprometer?
XXVI
Para Ministro, Presidente
Ou Governador,
Chico gritou por defesa.
Ele queria viver
Pra defender seus irmãos
Que precisavam da sua proteção.
A floresta é tão boa
E é a defesa da Nação.
Chico Mendes estava sem proteção.
XXVII
Que país é este que a gente morre
Por proteger a Nação?
E matam e não tem punição?
Chico muitas vezes pediu proteção.
Seu trabalho era em defesa do
seu irmão.
Mas as balas da UDR
Cortam o seu coração.
XXVIII
O mundo todo falou
Que o chico era um homem simples,
Mas que tinha seu valor.
Com sua morte,
O mundo todo clamou.
Foi um silêncio profundo,
Homem de bigode nesse momento chorou,
No seu coração pedia justiça,
Para aquele crime de horror,
Pois essa tal de UDR,
Só veio trazer o clamor,
A triste sina do Chico,
Que a UDR levou.
XXIX
Chico muitas vezes
Clamou para não morrer.
Agora não adianta chorar.
É só juntar as forças
E cobrar aos homens do poder.
Que a justiça tem que ser feita,
Isso doa a quem doer.
SOUZA, José Marques de (Matias). Por que aconteceu?.
Rio Branco: Fundação Cultural do Estado do Acre, 1989.
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