MUNDURUCÂNIA
Mundurucânia é a minha Terra. um dia
um povo altivo, de alma resoluta,
lança um brado de angústia e rebeldia
e marcha decidido para a luta...
Sua voz guerreira o grande vale escuta,
e eis que em breve história preludia;
e a brava gente, destemida e arguta,
para sempre a injustiça destruía...
Louvo-te, minha Terra, nestes versos
por onde, entre emoções, andam dispersos
meus sentimentos... Estes versos são
Alguma cousa do teu solo. O traço
que junta, pelo tempo e pelo espaço,
o meu ao teu vibrante coração! p. 47
O GUARANÁ
Cerêçáporanga
era a mais bela
da taba dos “Maués”...
Por isso aquela
afeição dos selvagens
que a resguardavam
muito mais que às suas irmãos...
Eis que surge, no
entanto, em seu caminho
um índio viril
e, de pronto,
violenta paixão
lhe irrompe
no coração...
Resistência tenaz
foi-lhe, porém, oposta
a essa união!...
Mas, Cerêçáporanga,
insubmissa,
resiste à opressão...
Foge, com o bem
amado!...
A tribo se levanta!...
Tambores vibram!
Índios, afoitos, percorrem
a selva
de flecha
à mão...
É s caça ao sedutor!...
Mas... ante o espanto
dos “Maués”,
do bando ante o torpor,
ao pé de velha árvore,
fulminados
por um raio certeiro,
dormiam, para sempre,
os dois enamorados...
E dos olhos de Cerêçáporanga,
tempos depois,
no solo verdejante
nascia o Guaraná...
E de seu amor
verdadeiro
– amor desfeito pela
sorte má –
ficou esta lenda
comovida,
que diz do amor e da
vida
dos “Maués”... p. 49-50
AJURICABA
Altivo e crepitante, indômito valente
sentindo dentro d’alma um resplendor de sóis,
tu foste a própria vida deste sangue ardente
que ilumina e fecunda esta raça de heróis...
cortando com nobreza a audácia do invasor
que tentava levar o teu irmão, jamais
voltaste sem trazer em tua fronte o fulgor
das conquistas febris, das conquistas reais...
Abatido, afinal, depois de luta insana
eis que reprimes ainda a cruel e tirana
mão que te ousa deter em amarga atrocidade...
E atirando-se ao rio – ampla baía revolta
sumiu-se a tua figura luminosa envolta
na martirização sem fim da LIBERDADE!...
p. 53
CATEDRAL DOS MEUS SONHOS
A André Araújo – grande
pelo
pensamento e pelo
coração
Na catedral magoada dos meus sonhos
vibram, chorando, os sinos da saudade...
Longe se vão os cânticos risonhos
das límpidas manhãs de alacridade...
Hoje, gemendo dentro a soledade
rezam o rosário da melancolia
E, como outrora, no festim da tarde
não mais arpejam em notas de poesia...
E oh! Catedral dos sonhos meus doirados
que iluminaste o meu cantar de moço
entre o esplendor de líricos noivados,
Como estás triste, como estás dorida!
Não mais em ti o íntimo alvoroço
dos teus cantos de amor na minha vida. p. 58
MEU CANTO
(Ao acadêmico Pe. R.
Nonato Pinheiro,
fulgor das letras Amazônicas)
Eu faço versos como quem respira!
Da sístole e diástole da vida
minh’alma inquieta e sôfrega retira
a palavra no tempo prometida...
Plúmbleo que seja o céu ou de safira
eu me deslumbro, irmão, e sobre a terra
lanço meu canto em cuja voz se encerra
a pureza do sonho em que delira...
Olho os lírios do campo, olho as estrelas,
as rosas dos jardins que pra colhê-las
antes me curvo em genuflexão...
Meus versos falam pelas cicatrizes
das dores mudas, pelos infelizes
que têm fome de amor, de luz e pão!... p. 114
VITAE
Nós morremos, irmão, a cada instante!
E a cada instante há uma ressurreição.
Se temos hoje u’a hora de diamante
teremos o amanhã só de aflição...
E em meio desse amor e transição
pensamos nos mais rútilos castelos.
Sonhos atormentados, sonhos belos
erguendo e derrubando o coração!...
E nessa mutação pelo destino
imposto, nossas vidas vão correndo,
ora em paz, ora em triste desatino...
Há sempre em nós uma ilusão querida!
Mas por ela também vamos morrendo
num sabor de chegada e de partida... p. 162
LEÃO, Homero de Miranda. Mundurucânia: poemas.
2ª ed. Fortaleza: Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, 1988.
Homero de Miranda Leão.
Arquivo da família
Homero de Miranda Leão, poeta e político amazonense. Nasceu em Maués-AM, em 01 de janeiro de 1913, filho de Manuel José de Miranda Leão e Eponina Martins de Miranda Leão, casou-se com a Sra. Letícia Faraco de Miranda Leão com quem teve seis filhos. Faleceu em Manaus, em 08 de agosto de 1987. A primeira edição de “Mundurucânia” saiu em 1960, pela Sérgio Cardoso Editores.
Um comentário:
RARIDADE E BELEZA...
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