Marcos Vinícius Neves
Neste mês de junho o Acre completa cinquenta anos desde que deixou de ser Território Federal e se tornou um estado autônomo da federação. Por isso, ao longo de todo o mês, essa coluna trará uma série de artigos dedicados ao tema.
Porque...
Nas esquinas da história acreana já se tornou antológica a bem humorada e contundente crítica feita ao governo por ocasião do cinquentenário da Revolução Acreana, em 1952. Diante da total inação governamental um jornal acreano publicou uma primeira página totalmente preta com letras brancas que diziam "Ficam adiadas para o centenário as comemorações do cinquentenário!"
Muitos historiadores se especializaram em criticar, nos últimos anos, a atuação do governo que vem se empenhando em não deixar que essa história se repita e tem desenvolvido diversas e intensas atividades comemorativas de alguns dos principais acontecimentos da história acreana que, diga-se de passagem, é tão cara para a sociedade em geral. Até porque esta é, inclusive, uma das obrigações constitucionais do estado brasileiro em seus diversos níveis.
Aliás, não devemos ignorar o fato de que a adoção de novos parâmetros curriculares transversais no sistema educacional, bem como a substituição do vestibular pelo Enem como forma de avaliação para o ingresso na universidade pública no Acre, vem trazendo um enorme prejuízo para as novas gerações de acreanos que crescem sem ter o mínimo conhecimento da história local. Mas parece que isso não integra o rol de principais preocupações daqueles historiadores especialistas em criticar as ações governamentais de valorização e difusão da história acreana.
Ouso até dizer que se dependêssemos apenas da produção acadêmica e não fosse o notório interesse dos acreanos, a atuação do governo e, ainda mais recentemente, de alguns jornalistas e blogs independentes que se dedicam a divulgar a história acreana, estaríamos diante da eminência de algum jornal local ter que publicar uma primeira página totalmente em branco, porque não haveria sequer o que dizer diante de tamanha inércia... Mas, deixemos de conversar miolo de pote e passemos ao que de fato interessa...
Como...
Não seria possível compreender a importância deste momento em que o Acre completa cinquenta anos desde que se tornou estado se antes não entendermos como isso afetava a vida dos acreanos nos sessenta anos anteriores a essa conquista. Aliás, de maneira geral, o processo histórico que resultou na criação do estado do Acre deve necessariamente ser analisado a partir de três diferentes processos.
O primeiro diz respeito ao período em que o Acre permaneceu na condição de Território Federal e que durou 58 anos, de 1904 a 1962. O segundo trata da batalha legislativa que aconteceu no Congresso Nacional, entre 1957 e 1962, e que resultou numa intensa batalha política aqui no Acre, na qual se digladiaram os mais diversos segmentos sociais acreanos, através do PSD e do PTB. E o terceiro que é constituído pelos últimos cinquenta anos propriamente ditos em que o Acre já tornado um Estado autônomo da República brasileira precisou encarar o desafio de decidir e buscar seu próprio caminho.
Mas mesmo antes de dar início à análise destes três diferentes processos não podemos prescindir de tratar, ainda que brevemente dos antecedentes da criação do Território Federal do Acre.
Antes...
São amplamente conhecidas as histórias da Revolução Acreana, que se estendeu de 1899 a 1905, período no qual se lutou contra a dominação boliviana no vale do rio Acre e peruana no Purus e no Juruá. Porém, poucos refletem sobre o fato de que a assinatura do Tratado de Petrópolis (1903) com a Bolívia e do Tratado do Rio de Janeiro (1909) com o Peru não encerrou a luta dos acreanos para conquistar seu direito à cidadania brasileira, pelo contrário.
Até o final da Questão do Acre não havia no Brasil o sistema de territórios federais. O país tinha acabado de concluir uma enorme mudança política com o fim da Monarquia e o início da República (1889) e passou a ser constituído por uma federação de estados autônomos. Isso vinha de encontro ao desejo republicano de descentralização em oposição ao forte papel desempenhado pelo governo central no período monárquico.
Mas, com a vitória dos revolucionários acreanos contra a dominação estrangeira de imediato puseram-se em confronto os interesses do Amazonas, que queria que as terras acreanas lhe fossem anexadas; do Pará, que não queria o aumento da participação amazonense no mercado internacional da borracha; e dos próprios acreanos que esperavam ver o Acre transformado no mais novo estado da República brasileira.
Ao vitorioso nesse confronto caberiam as ricas rendas da alfandega do Acre, maior produtor da borracha de melhor qualidade (a famosa Acre fina) de toda a Amazônia. Contrariando e surpreendendo a todos o Governo Federal decidiu, então, criar o esdrúxulo sistema de Território Federal, a ser administrado diretamente pelo poder central. Matava-se, com isso, vários coelhos com uma só cajadada! Evitava-se acirrar ainda mais a disputa entre o Amazonas e o Pará, impedia-se também o aumento do poder dos seringalistas acreanos que passaram a ser temidos depois de vencer um conflito internacional às suas próprias custas e, não menos importante, passava-se a engordar o Tesouro Nacional com a ambicionada renda da borracha acreana.
Um comentário:
Gosto do seu estilo de escrita, Marcos Vinícius. Parabéns, pelo excelente texto.
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