Inês Lacerda Araújo
Os bens e produtos que compõem nossa vida são
cada vez mais numerosos, exigem tempo e dinheiro, são considerados necessários,
mesmo imprescindíveis.
Meios para expandir tudo o que é básico,
desde vestuário, alimentação, moradia, se banalizam, ficam ao alcance de um
toque nas telas, de uma volta em shoppings, de visualizações na mídia. O desejo
se retroalimenta por esses meios. A simplicidade e a austeridade se perdem,
aliás, o que seria vida simples e austera nas urbes e nos meios sociais hoje?
O que é de fato necessário e o que é
supérfluo? A linha que os separa ficou diluída com a revolução industrial, com
a expansão das comunicações, com a sofisticação do mercado de trabalho, com a
especialização das funções. Ao que tudo indica, o supérfluo se tornou
necessário. Quase impossível abrir mão de produtos de "última
geração", o preço é ficar alijado e mesmo alienado pelo desconhecimento ou
pela rejeição do mais atualizado artefato tecnológico.
Evidentemente que para produzir, transportar
e comunicar é obrigatório investir em tecnologia e conhecimento, se não o risco
é, como se diz "ser engolido pela concorrência".
Essa disputa nunca tem o vencedor final, além
de deixar no caminho muitos perdedores.
Nesse quadro, como agir, como reagir?
Delineando para si projetos de vida em que a
informação, o senso crítico, o discernimento, a renúncia à multiplicação
desproporcional do desejo de consumo e a busca por certo despojamento façam
parte do modo de ser.
Problema: esse tipo de reflexão, que modo de
vida escolher e quais valores preferir -, sequer passa pela cabeça da maioria.
No lugar da simplicidade e do despojamento, a
competição e o total envolvimento com as atrações e novidades.
Sem que houvesse quem compra supérfluos estes
não seriam comercializados e a produção mudaria talvez para outro tipo de
consumidor, e poderia atender as reais necessidades de enorme parte da
humanidade, que sofre com fome e guerras fratricidas.
Um bom exercício de desprendimento seria
contemplar o céu que se abre por detrás de nuvens, em um azul que leva o
espírito a ir mais além, para diante, para o mistério. Saber-se mortal e frágil
pode levar as pessoas a olhar com certa distância a acumulação de bens, as
mesquinharias, o egoísmo, a pressa, a competição e tantas barganhas do dia a
dia.
Sêneca (século I) escreveu em Da
tranquilidade da alma:
Minha alma, que não está habituada a choques,
padece com a menor humilhação; ao sofrer alguma injúria (como é comum encontrar
em toda a existência humana), ou alguma contrariedade, bagatelas, que me têm
tomado mais tempo do que valem a pena, volto-me à ociosidade e, como os
animais, por mais cansados que estejam, acelero o passo ao retornar ao lar. E
decido então encerrar-me em casa: que ninguém me roube um dia, pois ele jamais
me indenizaria de tal perda; que minha alma não se incline senão para si mesma
... que não se ocupe de nada que a distraia, que a submeta ao julgamento
alheio. Apreciemos uma tranquilidade que seja estranha a todas as preocupações
públicas ou particulares. ... É possível à alma caminhar numa conduta sempre
igual e firme, sorrindo para si mesma, comprazendo-se com essa sensação, sem se
afastar jamais de sua calma, sem se exaltar, nem se deprimir. Isso será
tranquilidade. Equilíbrio, que os gregos chamam de “euthymia”.
* Inês Lacerda Araújo - Professora de Filosofia durante 40 anos, na UFPR, e nos últimos anos na PUCPR. Autora de livros sobre Epistemologia, História da Filosofia e Teoria do Conhecimento. Atualmente aposentada.
** Fotografia de Vitor Fernandes (modices.com.br)
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