quinta-feira, 28 de maio de 2015

O HOMEM DO TEMPO

Leila Jalul


Nome: Bita
Apelido: Bita
Estado civil: Bita
Idade: a idade do Bita

O cenário era assim, necessariamente nesta mesma ordem: da direita para a esquerda, visto de frente, primeiro, lá no fundo, uma construção em alvenaria de 3m x 3m. Era o necrotério, onde, por dias intermináveis, deitavam os defuntos dos arigós e dos indigentes.

Enorme e de madeira, lá estava o pavilhão dos mais ou menos, aqueles em recuperação. Mais ao lado, aquele dos casos mais graves e do centro cirúrgico, que fedia a éter e a mistério. Intransponível. Apenas as freiras e a vontade de sofrer circulavam por lá.

Outro pavilhão era o isolamento dos leprosos e tuberculosos. Tinha uma placa ostensiva, ao alto, em letras garrafais como se dissesse: Atenção! Cuidado! Não se aproximem! O buraco é mais embaixo!

Não estou falando sobre um complexo hospitalar. Ledo engano. Vejamos a última construção, no finzinho, já dando para avistar o Rio Acre. Era lá que estava a construção de lona, onde morava o nosso homem.

Pequeno, magro, sujo e, acima de tudo, respeitado. Pequeno, magro, sujo, respeitado e, à época, a única fonte incontestável das previsões meteorológicas.

Ninguém, ninguém mesmo, com domínio ainda que relativo de suas capacidades, ousava casar, aniversariar, e batizar, sem que antes perguntasse ao Bita. As previsões dele valiam tanto para o hoje quanto para o futuro.

- Bita, vai chover hoje?

- Bita, vai chover dia 8 de dezembro?

Dava certo, acreditem. O terreno não existe mais. Afundou tudo na rua Floriano Peixoto. Os doentes, ou morreram ou ficaram bons. Quem sabe?

O Bita é hoje aparelhado por satélites de altíssima precisão. Céu nublado, com possibilidades de chuva no decorrer do período (da manhã ou da tarde?) e graciosamente apresentado pelas emissoras por lindas criaturas. Sou mais o Bita.

Foi nesse ambiente que adquiri meus primeiros sintomas de pedras nos rins, bexiga arriada, erisipela e frigidez. Nas noites mal dormidas, eu aparava em bacias de prata o sangue das hemoptises e, como quem procura agulha num palheiro, procurava saber sobre a sensibilidade dos meus panos brancos desastrados.

Nos outros dias, restava viver os tempos nebulosos que nem o Bita sabia prever.


*Crônica retirada do blog do Altino Machado.

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