Jorge Araken Filho
Na obra “Além do Bem e do Mal ou Prelúdio de
uma Filosofia do Futuro”, Friedrich Wilhelm Nietzsche lança um desafio às
nossas concepções sobre o amor e o desejo:
“Acabamos por amar nosso próprio desejo, em
lugar do objeto desejado.” (Nietzsche, Friedrich Wilhelm. Além do bem e do mal
ou prelúdio de uma filosofia do futuro. Tradução de Márcio Pugliesi. Curitiba,
Hemus Livraria, Distribuidora e Editora. 2001. Quarta Parte: aforismos e
interlúdios. n. 175. p. 94).
Ainda estou meditando sobre este aforismo de
Nietzsche, que reflete, talvez, a fantasia narcísica e a visão do outro como
espelho. É uma doce provocação que nos desafia a pensar além do senso comum.
Assim, amamos o desejo pela imagem antecipada
que temos do outro, e não propriamente o outro, que nunca vemos como ele
realmente é. É o que Freud chamaria de ideias libidinais antecipadas:
"Se a necessidade que alguém tem de amar
não é inteiramente satisfeita pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de
cada nova pessoa que encontra com ideias libidinais antecipadas.” (FREUD,
Sigmund. A dinâmica da transferência: O caso Schreber, artigos sobre técnica e
outros trabalhos. Edição Eletrônica Brasileira das Obras Completas de Freud.
Rio de Janeiro: Editora Imago. CD-ROM. Baseada na Edição Standard Brasileira
(1969-1980). v. XII
Em outras palavras, ligamos o objeto do nosso
desejo, neste caso o outro (familiares, amantes, etc.), a uma das
representações preexistentes em nosso imaginário, que podem ser deslocadas,
modificadas ou ressignificadas como figuras substitutas de outras pessoas do
passado, os primeiros objetos dos nossos sentimentos, que foram “perdidos” de
alguma forma ou em alguma medida, mas sobrevivem em nossas ideias libidinais
antecipadas.
E assim, deslocando a memória de uma figura
antiga para o objeto atual do desejo, vemos o outro conforme as nossas ideias
antecipadas sobre ele, e não como ele realmente se apresenta. Desejamos
experimentar o desejo pelo que ressignificamos do outro, isto é, o desejo por
uma ideia antecipada que temos dele. O outro que desejamos não é o outro, real
e concreto; é a nossa ideia sobre ele, o que nos leva a pensar que amamos o
desejo por essa imagem ressignificada, e não o outro, que nunca enxergamos. Só
percebemos no espelho o que projetamos, e é por esse objeto idealizado e
preexistente em nossa memória que caímos de amores.
Na verdade, o que nos move é a busca de
gratificação para os desejos, que ocorre quando há o investimento libidinal,
isto é, quando o afeto é descarregado pelo enlaçamento do outro, que, por
vezes, não é real. Mas não importa se o outro, de fato, corresponde às nossas
projeções, assim como também não importa se ele dirige para nós, em
retribuição, um investimento libidinal, já que amamos o desejo pela fantasia
que alimentamos sobre ele. O que nos gratifica é o investimento libidinal no
objeto dos nossos desejos, enfim o prazer da caçada, e não o eventual
sentimento pelo outro.
O que queremos, afinal, é construir caminhos
que nos possibilitem a satisfação do desejo, ou seja, atender ao “impulso de
recuperar a perda da primeira experiência de satisfação”, poder-se-ia dizer em
linguagem freudiana (In: “Interpretação dos Sonhos”).
Concordando com Nietzsche, ao menos neste
ponto, podemos dizer que “acabamos por amar nosso próprio desejo, em lugar do
objeto desejado”.
O outro não importa, mas, sim, a gratificação
que temos ao investir a libido na busca do prazer, descarregando, nesse
processo, os impulsos sexuais. Se o desejo se dissipa, porque o investimento
libidinal deixou de gerar prazer ou, em última análise, porque não recupera a
perda da primeira experiência de satisfação, o outro deixa a cena dos nossos
investimentos, mostrando que era o próprio desejo, e não o outro que nos movia.
Pode ser esta a ideia de Nietzsche no
aforismo. Imagino, ao menos, que este foi o seu caminho.
Não vou dizer, sem meditação mais profunda e
sem conhecimentos filosóficos e psicanalíticos, que a subscrevo integralmente.
Faltam-me saber, engenho e arte, para concordar ou discordar.
Entretanto, estou propenso a acompanhar, ao
menos parcialmente, o pensamento de Nietzsche, porque, de fato, amamos nosso
próprio desejo, ou seja, amamos a busca da experiência de satisfação, que Freud
chamou de princípio do prazer. Mas será que o amor se esgota nesse investimento
libidinal no outro?
Acusem-me de romântico, mas não me sinto
confortável para negar o amor ao outro, quando o sentimento sobrevive ao
princípio da realidade, isto é, quando o amor permanece depois que, abandonando
as nossas ideias libidinais antecipadas, paramos de ver o outro como espelho. E
este insight pode acontecer eventualmente, embora reconheça a sua raridade em
um mundo de relações superficiais e transitórias.
Dúvidas e mais dúvidas...
Mas esse é o bom e velho Nietzsche, dando
nós, ao invés de desatá-los, fazendo curvas em nossas mentes previsíveis,
cheias de retas e sem imaginação! Mas o que seria da vida sem as curvas que
fazem da caminhada um terno flerte com o imponderável?
Para encerrar, uma indagação:
Você ama o desejo ou ama ser desejado?
Vou olhar o meu coração! Quem sabe consigo
despertar e, assim, com olhos sensíveis, encontro a resposta...
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