sexta-feira, 8 de maio de 2015

PROVOCAÇÕES SOBRE O AMOR E O DESEJO EM NIETZSCHE

Jorge Araken Filho


Na obra “Além do Bem e do Mal ou Prelúdio de uma Filosofia do Futuro”, Friedrich Wilhelm Nietzsche lança um desafio às nossas concepções sobre o amor e o desejo:

“Acabamos por amar nosso próprio desejo, em lugar do objeto desejado.” (Nietzsche, Friedrich Wilhelm. Além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro. Tradução de Márcio Pugliesi. Curitiba, Hemus Livraria, Distribuidora e Editora. 2001. Quarta Parte: aforismos e interlúdios. n. 175. p. 94).

Ainda estou meditando sobre este aforismo de Nietzsche, que reflete, talvez, a fantasia narcísica e a visão do outro como espelho. É uma doce provocação que nos desafia a pensar além do senso comum.

Assim, amamos o desejo pela imagem antecipada que temos do outro, e não propriamente o outro, que nunca vemos como ele realmente é. É o que Freud chamaria de ideias libidinais antecipadas:

"Se a necessidade que alguém tem de amar não é inteiramente satisfeita pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de cada nova pessoa que encontra com ideias libidinais antecipadas.” (FREUD, Sigmund. A dinâmica da transferência: O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Edição Eletrônica Brasileira das Obras Completas de Freud. Rio de Janeiro: Editora Imago. CD-ROM. Baseada na Edição Standard Brasileira (1969-1980). v. XII

Em outras palavras, ligamos o objeto do nosso desejo, neste caso o outro (familiares, amantes, etc.), a uma das representações preexistentes em nosso imaginário, que podem ser deslocadas, modificadas ou ressignificadas como figuras substitutas de outras pessoas do passado, os primeiros objetos dos nossos sentimentos, que foram “perdidos” de alguma forma ou em alguma medida, mas sobrevivem em nossas ideias libidinais antecipadas.

E assim, deslocando a memória de uma figura antiga para o objeto atual do desejo, vemos o outro conforme as nossas ideias antecipadas sobre ele, e não como ele realmente se apresenta. Desejamos experimentar o desejo pelo que ressignificamos do outro, isto é, o desejo por uma ideia antecipada que temos dele. O outro que desejamos não é o outro, real e concreto; é a nossa ideia sobre ele, o que nos leva a pensar que amamos o desejo por essa imagem ressignificada, e não o outro, que nunca enxergamos. Só percebemos no espelho o que projetamos, e é por esse objeto idealizado e preexistente em nossa memória que caímos de amores.

Na verdade, o que nos move é a busca de gratificação para os desejos, que ocorre quando há o investimento libidinal, isto é, quando o afeto é descarregado pelo enlaçamento do outro, que, por vezes, não é real. Mas não importa se o outro, de fato, corresponde às nossas projeções, assim como também não importa se ele dirige para nós, em retribuição, um investimento libidinal, já que amamos o desejo pela fantasia que alimentamos sobre ele. O que nos gratifica é o investimento libidinal no objeto dos nossos desejos, enfim o prazer da caçada, e não o eventual sentimento pelo outro.

O que queremos, afinal, é construir caminhos que nos possibilitem a satisfação do desejo, ou seja, atender ao “impulso de recuperar a perda da primeira experiência de satisfação”, poder-se-ia dizer em linguagem freudiana (In: “Interpretação dos Sonhos”).

Concordando com Nietzsche, ao menos neste ponto, podemos dizer que “acabamos por amar nosso próprio desejo, em lugar do objeto desejado”.

O outro não importa, mas, sim, a gratificação que temos ao investir a libido na busca do prazer, descarregando, nesse processo, os impulsos sexuais. Se o desejo se dissipa, porque o investimento libidinal deixou de gerar prazer ou, em última análise, porque não recupera a perda da primeira experiência de satisfação, o outro deixa a cena dos nossos investimentos, mostrando que era o próprio desejo, e não o outro que nos movia.

Pode ser esta a ideia de Nietzsche no aforismo. Imagino, ao menos, que este foi o seu caminho.

Não vou dizer, sem meditação mais profunda e sem conhecimentos filosóficos e psicanalíticos, que a subscrevo integralmente. Faltam-me saber, engenho e arte, para concordar ou discordar.

Entretanto, estou propenso a acompanhar, ao menos parcialmente, o pensamento de Nietzsche, porque, de fato, amamos nosso próprio desejo, ou seja, amamos a busca da experiência de satisfação, que Freud chamou de princípio do prazer. Mas será que o amor se esgota nesse investimento libidinal no outro?

Acusem-me de romântico, mas não me sinto confortável para negar o amor ao outro, quando o sentimento sobrevive ao princípio da realidade, isto é, quando o amor permanece depois que, abandonando as nossas ideias libidinais antecipadas, paramos de ver o outro como espelho. E este insight pode acontecer eventualmente, embora reconheça a sua raridade em um mundo de relações superficiais e transitórias.

Dúvidas e mais dúvidas...

Mas esse é o bom e velho Nietzsche, dando nós, ao invés de desatá-los, fazendo curvas em nossas mentes previsíveis, cheias de retas e sem imaginação! Mas o que seria da vida sem as curvas que fazem da caminhada um terno flerte com o imponderável?

Para encerrar, uma indagação:

Você ama o desejo ou ama ser desejado?

Vou olhar o meu coração! Quem sabe consigo despertar e, assim, com olhos sensíveis, encontro a resposta...


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