terça-feira, 12 de maio de 2015

ANTROPOCENO: A ÉPOCA GEOLÓGICA DO HOMEM (FINAL)

Evandro Ferreira* e Foster Brown**


A espécie humana moderna tem apenas 200 mil anos de existência, um flash na história geológica de 4,57 bilhões de anos do nosso planeta. Apesar de nossa brevidade, os rastros que temos deixado no planeta são impressionantes. Mesmo os rudimentares utensílios de pedra usados para a caça por nossos ancestrais no período Paleolítico fizeram desaparecer muitas espécies de grandes mamíferos. Nossos tataravôs, provavelmente munidos de armas feitas de bronze, conseguiram a façanha de extinguir há 1,7 mil anos os últimos Mamutes do planeta que haviam se refugiado na remota Ilha Wrangel, no Oceano Ártico, ao norte da Sibéria, quase chegando ao Polo Norte. A façanha a que nos referimos se deve às dificuldades para chegar, mesmo nos dias atuais, à referida ilha em meio ao gelo e clima extremo. Nada disso impediu a extinção dos Mamutes que, ao que tudo indica, só teriam escapado à sanha destruidora dos humanos se tivessem abandonado o planeta.

Orgulhamo-nos de ter criado a agricultura, as cidades, a revolução industrial. Mas ao mesmo tempo lançamos dezenas de bombas nucleares na atmosfera, eliminamos mares interiores, gigantescas áreas florestais e desertificamos extensas áreas agricultáveis. Se formos honestos, veremos que fizemos e fazemos de tudo, de bom e de ruim. A agricultura alimenta a todos, mas ocupa espaço de florestas e outros seres vivos. As cidades oferecem conforto, segurança e comodidade, mas geram poluição de todo tipo. Em síntese, o homem aproveitou o clima estável e ameno da época do Holoceno – iniciada 11 mil anos atrás – para se multiplicar e ‘desenvolver’ o planeta. Mas uma crise ambiental derivada de suas ações está se instalando e parece estar começando a cobrar um preço: o aquecimento do planeta.

Temos alertado que o aquecimento global tem causado e causará graves problemas sociais, ambientais e econômicos. Alguns descrentes teimam – por pura teimosia mesmo, pois não apresentam provas do que falam – em não acreditar que isso está acontecendo, mesmo com eventos climáticos extremos repetindo-se com uma frequência nunca vista. Agora mesmo no Acre, depois de presenciarmos a maior cheia da história de Rio Branco, estamos testemunhando chuvas praticamente diárias há quase 60 dias. Isso não é normal! Será que alguma anomalia climática está em gestação? O que teremos nesse verão? Uma seca como nunca vista? Tudo é possível, até o inimaginável. Afinal, quem poderia prever que em 2005 e 2010 florestas virgens pegariam fogo no Acre? Esses eventos são, pelas contas dos mais antigos, absolutamente impensáveis. Mas aconteceram!

Dá para negar que já estamos vivendo uma crise ambiental? O bom senso indica que não. Tanto que as nações mundiais tem se reunido com frequência para resolver questões ligadas à emissão de gases poluentes, destruição de fontes de água potável, florestas e outros assuntos relacionados com o meio ambiente planetário. Apesar de nada decidirem, procrastinando a tomada de decisões importantes para garantir o futuro do planeta, os líderes globais têm, indiretamente, dado uma grande contribuição à causa ambiental: visibilidade. Graças a isso, ela é hoje manchete de destaque na imprensa mundial.

A questão ambiental, que em última instância poderá se transformar no caminho para a destruição da civilização humana no planeta, está se tornando uma barreira para a auto realização e a emancipação individual, bem como a autodeterminação coletiva do homem. As correntes políticas liberais e socialistas abraçaram as ideias do homem como um ser acima de tudo, dominador e mestre de tudo e todos, da apropriação de uma terra generosa, e uma narrativa de liberdade e progresso para todos (embora esses ideais nunca tenham sido desfrutados por todos).

Mas será que poderemos em breve contemplar um planeta sem nós?

Uma narrativa crítica do Antropoceno, a idade geológica que vem sendo forjada pelo homem há cerca de 200 anos, pode nos ligar ao planeta e seus outros habitantes – todas as coisas e as forças vivas ou não vivas – de uma forma que nenhuma narrativa progressiva e modernista da humanidade atual consegue. Enquanto as revoluções desencadeadas pelas ideias de Copérnico e Darwin erodiam a ideia do homem como o ser supremo do planeta e do universo, o Antropoceno nos oferece uma lição ainda mais preocupante de humildade. Ele nos leva a contemplar a possibilidade e o significado do impensável: uma terra sem humanos.

O Antropoceno nos obriga a repensar as condições e conceitos do que entendemos ser autonomia humana e progresso. Precisamos discutir que tipo de autonomia poderia ser a mais adequada para todos os habitantes do planeta, incluindo na discussão o planeta – e os não humanos que o habitam – do qual dependemos. Ao invés de nos levar a pensar em barreiras ecológicas ou limites como uma restrição à liberdade humana, o Antropoceno nos ajuda a reconhecer que estes fatores limitantes são, na verdade, os que fornecem as condições para a manutenção da nossa sobrevivência e liberdades individual e coletiva.

O Antropoceno também fornece uma base para voltarmos nossa atenção para o hibridismo e a coevolução. Se observarmos o planeta com a perspectiva de um sistema, não haverá divisão ontológica clara entre o nacional e o estrangeiro, o humano e o não humano, a natureza e a cultura, o doméstico e o selvagem, ou o natural e o tecnológico. O hibridismo demanda uma questão essencialmente política para o debate democrático: como nós, meros terráqueos humanos, deveremos coevoluir com os outros terráqueos? Que tipos de práticas tecnológicas e que formas de resistência a práticas tecnológicas são mais consistentes com a democracia e a ecologia?

Em resumo, a ideia do Antropoceno é uma garantia de que a crescente crise democrática de responsabilidades na prestação de contas entre aqueles que geram e/ou se beneficiam dos riscos ecológicos e aqueles que sofrerão as consequências não ficará oculta. Se nós humanos, que vivemos e dependemos do planeta para sobreviver, tivermos que convocar todas as sociedades e tomadores de decisão do planeta para prestarem contas de suas atitudes, o papel da democracia nessa discussão será mais indispensável do que nunca.

No entanto, se você leitor acredita que os líderes globais jamais chegarão a uma decisão consensual e democrática para o enfrentamento da crise ambiental, então ofereça uma alternativa para que essa decisão seja tomada e implementada sem que para isso tenhamos que passar a viver em uma era de autoritarismo político-ambiental. Nós, os autores desse artigo, confessamos que estamos confusos em razão da inércia e da leniência com que os problemas ambientais são tratados. Somos pessimistas e nos perguntamos repetidamente: teremos como escapar desse futuro ambiental e político sombrio?


Imagem: Instituto Humanitas Unisinos
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Para saber mais: recomendamos a leitura do artigo (em inglês) “Anthropocene raises risks of Earth without democracy and without us”, de Robyn Eckersley, professor de Ciência Política da Universidade de Melbourne, Austrália e publicado no site The Conversation.

*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC

**Foster Brown é Pesquisador do Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da (UFAC. Cientista do Experimento de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consorcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).

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