À TARAUACÁ, Acre,
cidadezinha de minha infância
Repicou o repiquete
no ventre volumoso do rio.
Barriga d’água de chuvas matemáticas,
lágrimas glaucas de florestas imemoriais
que se distilam na viagem inquieta dos
igarapés,
na face oculta de lagos natimortos,
derramando enchente na carne dos barrancos
nus.
Repicou o repiquete,
rouba canoa,
arranca batelão
leva banheiro de bubuia,
traz balseiro, estranho húmus,
de árvore tombada, veneno de cobra, pássaro
morto.
Vai bater na porta das “raparigas”,
nas águas saciadas de baba e espuma.
A cidadezinha equilibrada em pernas de pau
boia no mar corrente, pobre Veneza,
sem Doges, nem mesmo castelos no ar
(fruto da noite, as raparigas
entornando amarelo de urinóis sonâmbulos).
Que alegria do menino,
cavalgar no repiquete,
garupa azul de cavalo-marinho,
fazer ronda de casas naufragadas,
ouvir sons aturdidos de japiins
no descompasso da paisagem em confusão de
formas.
Menino molhado no limo do flúmen,
canoa (gôndola rude) blindagem da evasão,
vielas anônimas de salsugem do tempo,
medindo altura das águas vivas.
Ah, que tristeza a fuga sub-reptícia do
repiquete,
foi depressa casar com sereia do mar!
TOCANTINS, Leandro. Invenção da floresta. Belém: CEJUP, 1993. p.38
*Desenho de Poty Lazzarotto (1924-1998) que ilustra o poema originalmente.
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