Omar Khayyam, cujo
nome completo era Ghiyáthuddin Abulfath Omar bin Ibráhim Al-Khayyámi, o que vem
depois de Omar significando “filho de Ibrahim, o fabricante de tendas”, nasceu
e morreu em Nishapur, província de Khorassan, na Pérsia (c. 1050-c.1123). Dedicado
ao estudo da matemática e da astronomia, escreveu tratados, um dos quais, sobre
álgebra, tornou-se um livro clássico e foi traduzido no Ocidente por Woepke
(1851). Elaborou a reforma do calendário muçulmano. Em vida era conhecido
sobretudo como matemático e astrônomo. Mas foi poeta também, exprimindo-se em
quadras epigramáticas (rubáyyát é o
plural de rubay, quadra em persa). Compôs algumas centenas delas. A filosofia que
impregna esses breves poemas caracteriza-se pelo seu agnosticismo: não se pode
negar nem afirmar coisa alguma, devemos contentar-nos com saber que tudo é
mistério – a criação do mundo e a nossa, o destino do mundo e o nosso, jamais
saberemos nada, jamais elucidaremos um só dos mistérios do universo; pelo seu
imediatismo: goza o momento que passa, não te preocupes com o passado nem com o
futuro – o passado é um cadáver que se deve enterrar, o futuro é indevassável,
os homens falam de um Paraíso depois da morte, mas é bem possível que ele não
exista e portanto cria um Paraíso para o teu gozo na terra, e que é um Paraíso?
– A sombra de uma árvore, vinho, os sons de alaúde, rosas, canções, uma bonita
mulher de seios cor de neve... e melhor é evitar amá-la, e que ela seja incapaz
de amar-te: Deus deu-nos o amor como a certas plantas deu o veneno; o seu
hedonismo: o prazer é o fim da vida, nosso tesouro é o vinho e a embriaguez,
não penses na morte; depois da morte só pode haver duas coisas – o nada ou a
misericórdia, colhe todos os frutos da vida, deixa-te penetrar de todos os
perfumes, de todas as cores, de todas as músicas, acaricia todas as mulheres...
Seu hedonismo, porém, não era o de um egoísta, não excluía a compaixão pelo
próximo, e o poeta o aconselhava: ao pobre que te pede uma esmola dá a metade
do que possuis; perdoa todos os culpados; não concorras para a tristeza de ninguém.
(Manuel Bandeira, prefácio)
***
O que é melhor?
Sentarmo-nos
Numa taverna e o
exame
De consciência
fazermos,
Ou bem numa
mesquita
Prosternarmo-nos de
alma
Fechada? Não me
inquieta
Saber se um Senhor
temos
E o que fará de
mim. p.10
___
Procede sempre de
maneira
Que de tua
sabedoria
Nunca sofra o teu
semelhante.
Domina-te. Jamais
te entregues
À ira. Se queres
chegar
Um dia à paz
definitiva,
Sorri aos golpes do
Destino,
E nunca batas em
ninguém. p.12
___
Uma vez que se
ignora o que é que nos reserva
O dia de amanhã,
busca ser feliz hoje.
Vai sentar-te ao
luar e bebe. Pois talvez
Não vivas mais
quando amanhã voltar a lua. p.12
___
Satisfaze-te neste
mundo
Com poucos amigos.
Não busques
Tornar durável a
amizade
Que possas sentir
por alguém.
Antes de apertares
na tua
A mão que te
estendem, pergunta
A ti mesmo se ela
algum dia
Não se erguerá para
ferir-te. p.15
___
Nenhum poder sobre
o destino
Te foi dado, sabes.
Portanto
Que adianta a
ansiedade em que ficas
Pela incerteza do
amanhã?
Então, se és um
sábio, procura
Tirar do momento
presente
O maior proveito
possível.
O futuro o que te
trará? p.18
___
Não anda firme em
seu caminho
O homem que não
colheu o fruto
Da verdade. Se
conseguir,
Porém, da árvore da
Ciência
Arrebatá-lo, saberá
Que passado e
futuro em nada
Diferem daquele
enganoso
Primeiro dia da
Criação. p.20
___
Além da Terra e do
Infinito
Eu procurava o Céu
e o Inferno.
Mas uma voz solene
disse-me:
– “Procura-os
dentro de ti mesmo.” p.20
Nada mais me
interessa. Ergue-te,
Traz-me vinho!
Amiga, esta noite
Tua boca amorável é
a
Mais bela rosa do
Universo.
Vinho! Vinho
vermelho como
Tuas faces! E que
os meus remorsos
Sejam leves, leves,
tão leves
Como os cachos dos
teus cabelos! p.21
___
Mais rápidos que a
água do rio,
Que o vento do
deserto, escoam-se
Os dias. Dois não
me interessam:
São o de ontem e o
de amanhã. p.24
___
Não posso evocar o
dia
Do meu nascimento,
nem
Dizer quando
morrerei.
Que homem saberá
fazê-lo?
Vem, minha amada! À
embriaguez
Quero pedir que me
faça
Esquecer que neste
mundo
Jamais saberemos de
nada. p.26
___
É inútil, Khayyam,
penares
Por teres pecado
tanto.
Depois da morte só
existe
O nada ou a
Misericórdia. p.28
___
Nos conventos, nas
sinagogas
E nas mesquitas é
costume
Irem refugiar-se os
fracos
Que a ideia do
Inferno apavora.
O homem que conhece
a grandeza
De Deus não acolhe
em sua alma
As sementes más do
terror
E da imploração
lamentosa. p.28
___
Na primavera vou,
às vezes,
Sentar-me num campo
florido.
E se uma bela
rapariga
Vem trazer-me um
copo de vinho,
Não penso em minha
salvação
No outro mundo. Se
me deixasse
Dominar por esse
cuidado,
Valeria menos que
um cão. p.29
___
O vasto mundo:
apenas
Grão de poeira no
espaço.
Toda a ciência dos
homens:
Só palavras,
palavras.
Povos, animais,
flores
Dos sete climas:
sombras.
Resultado de toda
Tua meditação: nada.
p.29
___
Convence-te disto:
Um dia tua alma
Deixará teu corpo
E serás lançado
Para trás do véu
Que há flutuando
sempre
Entre este Universo
E o desconhecido.
Enquanto esse dia
Não chega, procura
Ser feliz. Esquece
Todo outro cuidado.
Pois não sabes de
onde
Vens, tampouco
sabes
Para onde irás
Depois de tua
morte. p.31
___
Os doutores e os
sábios mais ilustres
Caminharam nas
trevas da ignorância.
O que não impediu
que em vida fossem
Tido por luminares
de seu tempo.
Que fizeram?
Pronunciaram
Algumas frases
confusas
E depois
adormeceram
Para toda a
eternidade. p.32
___
Ninguém pode
compreender
O que é mistério,
ninguém
Pode ver o que se
esconde
Debaixo das
aparências.
Nossas casas, salvo
a última
– A terra, são
provisórias.
Amigo, bebe o teu
vinho!
Trégua às palavras
supérfluas! p.33
___
Sono sobre a terra
Sono sob a terra.
Sobre e sobre a
terra
Corpos estendidos.
Nada em toda parte.
Deserto do nada.
Homens vêm
chegando.
Outros vão
partindo. p.38
___
O vento sul veio
fanar a rosa
Cuja beleza os
rouxinóis cantavam.
Choraremos por ela
ou por nós? Mortos
Nós, outras rosas
desabrocharão. p.40
___
Disputam o bem e o
mal
A primazia na
terra.
O Céu não é
responsável
Pelas voltas do
destino.
Não agradeças
portanto
Ao Céu, nem
tampouco o acuses...
O Céu é indiferente
A tuas dores e
alegrias. p.47
___
Cairemos na estrada
do Amor
e o Destino nos
pisará.
Ergue-te, moça, ó
linda taça!
Beija-me antes que
eu seja pó. p.54
___
Ah, não procures a
felicidade!
A vida dura o tempo
de um suspiro.
Djemchid e
Kai-Kobad hoje são poeira.
A vida é um sonho;
o mundo, uma miragem. p.55
___
Não temo a morte.
prefiro,
Irmãos, esse
inelutável
Ao outro imposto ao
nascermos.
O que é a vida
afinal?
Um bem que me foi
confiado
Sem o meu
consentimento
E que eu com
indiferença
Restituirei um dia.
p.58
___
Ouço dizer que os
amantes
Do vinho vão para o
Inferno.
Não há verdades na
vida,
Mas há evidentes
mentiras.
Se porventura os
amantes
Do amor e do vinho
vão
Para o Inferno,
então vazio
Deve estar o
Paraíso. p.60
___
Falam da estrada do
conhecimento...
Uns dizem tê-la
achado, outros procuram-na
Mas um dia uma voz
há de exclamar-lhes:
“Não há estrada
nenhuma, nem vereda!” p.68
___
Dizem: “Não bebas
mais, Khayyam!”
Respondo: “Quando
bebo entendo
O que dizem rosas,
tulipas,
E até o que não diz
minha amada.” p.72
___
Encheu de rosas a
aurora
A copa do céu. No ar
límpido
Modula seu canto o
meigo
Derradeiro rouxinol.
O odor do vinho é
mais leve.
Pensar que há agora
quem sonhe
Glórias e honras! Que
sedosos
São teus cabelos,
querida! p.74
___
Que possuo em
verdade?
Que restará de mim
Depois de morto? É a
vida
Breve como um
incêndio. p.78
___
Convicção e dúvida,
Verdade e erro são
Palavras vazias
Como a bolha de ar.
Irisada ou baça,
Essa boca oca
É a imagem mesma
Da existência
humana. p.79
___
Não deixes de
colher os frutos
Que a vida te
oferece. Corre
A todos os festins
e escolhe
As copas que forem maiores.
Não creias que Deus
leve em conta
Os nossos vícios e
virtudes.
Nunca desprezes
qualquer coisa
Que te possa fazer
feliz. p.83
___
Os sábios não te
ensinam nada,
Mas ao acarinhares
os longos
Cílios de tua
bem-amada
Sentirás a
felicidade.
Não te esqueça que
tens os dias
Contados. Assim,
compra vinho,
Busca um retiro
sossegado
E no vinho a paz, o
consolo. p.91
___
Senhor, ó Senhor,
responde-nos!
Deste-nos olhos,
permitiste
Que a beleza das
criaturas
Perturbasse os
nossos sentidos.
Dotaste-nos da
faculdade
De ser felizes, e
pretendes
Todavia que
renunciemos
A gozar dos bens
deste mundo?
Mas isto é-nos mais
impossível
Que virar, Senhor,
uma taça
Para o chão, sem
que se derrame
O líquido que ela
contém. p.96
___
Fecha o teu Corão. Pensa
livremente,
E encara livremente
o Céu e a Terra.
Ao pobre que
passar, pedir-te esmola,
Dá-lhe a metade do
que possuíres.
Perdoa sempre a
todos os culpados.
Não concorras
jamais para a tristeza
De nenhuma
criatura. Se tiveres
Vontade de sorrir,
esconde-te. p.105
___
Mil armadilhas
colocaste,
Senhor, na estrada
que trilhamos,
E depois disseste: “Ai
daqueles
Que não souberam evitá-las!”
Tudo vês e sabes. Sem
tua
Permissão nada
ocorre. Somos
Responsáveis por
nossos erros?
Podes censurar-me a
revolta? p.123
___
Olha em torno de
ti. Verás somente
Angústias, aflições
e desesperos.
Teus melhores
amigos já morreram,
Tens por só
companhia, hoje, a tristeza.
Mas levanta a
cabeça! Abre os dois punhos!
Agarra firmemente,
caso o avistes
À mão, o que
desejas. O passado
É um cadáver que
deves enterrar. p.130
___
Pobre homem, nunca
saberás
Nada; jamais
explicarás
Um só dos mistérios
do mundo.
E já que as
religiões prometem
Depois da morte o
Paraíso,
Busca tu mesmo
criar um
Para teu gozo aqui
na Terra,
Pois o outro talvez
não exista. p.135
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