quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

RÁDIO FENOMENAL

José Chalub Leite (1939-1998)


Garibaldi Brasil, final dos anos 50, comprou sabe-se como em Belém – talvez de algum amigo contrabandista naquela época em que a capital marajoara era o paraíso dos muambeiros – um rádio a pilhas, Transglobe, uma raridade e objeto de desejo cobiçadíssimo. Enfiado em seu terno de linho branco, chapéu na cabeça, charuto Ouro Cubano na boca e portando o trambolho falador subiu as escadarias da Representação do Governo do Território Federal do Acre, na época na acanhada Rua 7 de Setembro. Por acaso estavam presentes o representante Rui Mendes, o agrônomo Francisco Custódio Freire e o ex-governador Valério Caldas Magalhães. O trio gamou no rádio, abismava-se apreciando o Gari captando e sintonizando estações de todo o mundo, sonoramente límpidas, sem interferências. Cobiçaram a prenda, desejavam possuir aquele rádio movido a pilhas grandes e que também funcionava na corrente elétrica. Numa folga da exibição, cada um propôs ao Gari a compra do aparelho. 

– Não está à venda. Comprei-o para a Sílvia, que me acompanha, ela fica o dia inteiro grudada nele ouvindo as novelas da Nacional e da Tupi. Vou levá-lo para o Acre.

Mas o gari sofreu um velho problema: dinheiro. Foi ao Rui Mendes e declinou a sua disposição de vender o aparelho, como não tencionava magoar os outros dois interessados nada lhes dissesse. Mendes pagou na hora, dinheiro vivo. Receberia o rádio na casa da sogra do gari, quando, daí a três dias, voltasse para Rio Branco. Fechou o mesmo negócio com o Valério Magalhães e o Custódio Freire, de forma que os compradores, mantendo segredo, ansiassem pelo glorioso momento de apossar-se da traquitana. Ficou incumbido de recolher o rádio na data aprazada, por expressa recomendação do Gari aos adquirentes, o funcionário da Representação, o Cesário Alencar, capaz de manjar logo marotagem.

Garibaldi e Sílvia viajam. Na representação do Acre os três aguardam em nervosa conversa a chegada do Cesarinho da sigilosa missão. Eis que ele aparece com risinho maroto. Valério, Freire e Rui deram jeito de falar-lhe reservadamente.

– Pegou o rádio do Gari e deixou lá em casa?

Quando o terno feito de patetas pelo Gari soube do golpe sofreu ataque de ódio explícito, jurou matar o sacana, dar-lhe porradas até dizer chega!, cobra na Justiça o dinheiro perdido naquela aquisição abstrata. Cesário contou que a sogra do doutor foi rude e franca.

– Rádio? Que rádio? O Gari na véspera da viagem vendeu para nosso vizinho, à vista, a Sílvia ficou furiosa com o marido porque queria levar para o Acre.

Assim, por causa de três interesses, o Gari lucrou com quatro. 


LEITE, José Chalub. Tão Acre: o humor acreano de todos os tempos II. Rio Branco: Parque Gráfico do TJAC, 2009. p.73-74

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