Numa de minhas
viagens pela BR 364, no tempo dela em barro, quando para se chegar mais rápido,
ia-se trocando de carona de atoleiro em atoleiro, peguei uma carona com o
senhor Zezinho e ia pensando que uma boa maneira de retribuir a gentileza seria
dedicar-lhe uns versos, para além de bater os pneus, verificar o óleo, limpar o
para-brisa ou servir de companhia, combatendo a solidão da estrada e a tortura
do sono. O tema para os versos seria as diferentes coisas e costumes das terras
por onde íamos. Começou assim, o que chamei de Do Norte e do Sul, meu primeiro
cordel:
“Seu” Zezinho me
levou
Na boleia do
“alfão”
Lhe dedico esses
versos
Com muita admiração
Pois é um grande
motorista
Esteio desta Nação
De Norte a Sul
viajando
Comecei a reparar
Que as coisas mudam
de nome
Dependendo do lugar
Às vezes, mudam as
coisas
E, algumas, vou
comentar
Ia por aí... até
falei da jabuticaba, minha tão bem conhecida, me vingando dos cupuaçus e
graviolas que provocavam risos com o meu estranhamento e que hoje todo mundo
conhece com a globalização.
Quando voltei da
viagem, procurei os amigos gráficos da UFAC e imprimimos uns cem exemplares da
brincadeira. Outras ideias vieram e rapidamente saiam para as ruas e bares
vendidas de mão em mão. E olha, que durante pelo menos um ano e meio, comi
graças aos livretos de cordel. Até dizia que, no Brasil só eu e o Jorge Amado
vivia de literatura, guardando as devidas proporções. Ele, o outro Jorge, comia
bem.
Tudo podia servir
de tema. Até uma briga conjugal terminou em versos onde entrei com sextilhas e
a mulher com quadras. Foi o deleite do público que pagava para saber mais
detalhes do que o que a imprensa só noticiava superficialmente.
A política era um
bom tema. Para ludibriar a censura com o Transformações, juntei no mesmo
livreto o Sou Homem de Xapuri, Cabra Macho Pra Lascar, que dissertava
comicamente sobre o fato de Xapuri ser a cidade do Acre eleita para as gozações
sobre as opções sexuais dos homens nela nascidos.
Apertos mesmo, só
os passei quando editei o A Guerrilha do Araguaia, de Raimundo Nonato da Rocha,
poeta de Brasiléia, de quem já havia editado o Espártaco. Esses dois tive que
os fazer praticamente sozinho e a distribuição era feita muito na calada até
que sofri uma ameaça quando divulguei o A Guerrilha... no I Encontro de
Escritores de Rondônia. Disseram que não poderia vendê-los ou... um tapa de
leve na cara foi um bom pretexto para desistir da venda durante o encontro e
entregar todos os exemplares para o pessoal da resistência camponesa que os
distribuiu gratuitamente em Guajará-Mirim. Saiu melhor que a encomenda.
Durante um
Congresso Nacional de Professores, em Vitória, Espírito Santo, a verba que o
Estado destinara para a participação acreana emperrou-se na burocracia. Como
muitos dos participantes tinha levado castanha que serviriam para troca de
mimos com participantes de outras regiões do país, resolveu-se colocar à venda
numa banca à porta do auditório. Rapidamente, saíram alguns versos de criação
coletiva falando dos valores nutritivos da Castanha do Brasil (antiga do Pará),
que os palhaços Tenorino (Dinho Gonçalves) e Trimpulim (eu) cantamos
apregoando. De volta, saiu o livreto De Como Quando e Porque o Professor
Acreano Vendeu Castanha. A renda foi entregue à Associação dos Professores para
não depender tanto da burocracia estatal em outros eventos.
Do meu tempo de cordel fica o eterno agradecimento aos operários da
gráfica universitária que muitas vezes se viam obrigados a fazer o serviço às
escondidas, em horas mortas. Também ao saudoso Nivaldo, da gráfica da Fundação
Cultural do Acre. E aos mimeógrafos!
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