Luiz Bacellar (acritica.com) |
Bem haja o sol e a
brisa neste canto!
Cá fico maginando a
tarde inteira
deixando relaxar
nesta cadeira
de embalo o corpo
bambo de quebranto.
Brincam nas folhas
da saputilheira
brilhos
metalescentes, cor de amianto
saltitam sanhaçus
de curto canto,
aranhas tecem prata
na trapeira.
As telhas
debruçadas dos beirais
vão com as calhas
de lata, lá entre elas,
coisas de chuva e
vento conversando
quais velhinhas comadres;
nos varais
a roupa brinca de
navio de velas
minha infância
perdida reinventando...
(Frauta de barro)
O que se pode ver,
neste poema?
O primeiro verso
pede sol: “Bem haja o sol e a brisa neste canto!”
“Bem haja”, aqui,
significaria “seria bom”.
O poeta está preso,
preso em casa pela chuva (como morava mal nosso poeta, num humilde quarto
alugado no centro da cidade, atrás do Colégio Estadual, onde estudei). Chove
muito, o poeta não sai. O quintal é imaginário. Quintal da infância. Quintal do
passado. O “embalo” da cadeira marca a cadência das ondas do embalo do tempo,
das ondas do tempo, do tempo passado, do tempo perdido. Quebranto da realidade,
depressão, solidão (o poeta era solteiro, solitário), o morno quadro do passado
do bairro dos Mocós, onde passou a infância.
O embalo bambo,
frouxo, indeciso, vacilante de quebranto que dedilha descortina sua maestria
poética: em... ba... bam.. bo... bran... – a cadeira macia do tempo, a cadeira
elétrica de quem vive, a cadeira de quem sentado espera o sonho a morte o
porvir.
Mas os sanhaçus
brincam, pulam, cantam. O sanhaçus existem. Cor de amianto, cor do saputi. A
árvore da vida, árvore mágica. Árvore mágica da vida. Onde as aranhas tecem o
fio do destino como parcas. Da vida.
Trapeira janela
sobre o telhado. Fios de prata, fios do destino. Da vida, da morte.
Depois vem o
episódio das telhas.
Luiz Bacellar era
um poeta de Manaus, e esta era a cidade das telhas, das chuvas, das soleiras.
Mas Bacellar
morreu, Manaus não é mais a mesma.
Sem Bacellar a
cidade morre, apaga, muda.
Ele era o profeta
da sua cidade. Seu grande cantor, seu artista máximo. Ninguém soube cantar
aquela cidade como ele.
As telhas, velhas
comadres, vão conversando. Coisas de calhas de lata, coisas de chuva. Só
Bacellar deu alma àquelas velhas casas. Sem ele, as casas perderam suas almas,
suas significações. Depois da morte de minha mãe e da morte de Bacellar não
mais voltei a Manaus. Pouca coisa sobrou ali, além dos beirais das casas que
sobraram. O mundo morre, as casas morrem, morrem as cidades. E os bairros. Por
exemplo, para mim, Copacabana morreu. Alguma coisa desapareceu ali. Não sei o
que foi.
Mas o poeta está
nu, suas roupas ficaram no passado, nos varais do passado, nos navios de vela
dos varais.
Oh, sim, preciso
urgentemente reler Luiz Bacellar... A Bíblia desse nosso canto. “Frauta de
barro”, cujo prefácio da 6ª edição escrevi.
Já se vão tantos anos...
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