terça-feira, 15 de maio de 2012

Série A POESIA ACREANA > EVELINE NINA DA COSTA ZAIRE

Durante sua vida, Nina mesclou sua produção científica com uma poesia “caliente” construída nas madrugadas e em muitas mesas de bares, sobretudo, Nina construiu relações forte, muito fortes, por isso, esse livro que contém seus escritos, foi construído por muitas mãos, de muitos amigos que contribuíram para continuarmos tendo, sempre, entre nós, “uma gota do olhar”, do olhar de Nina para nós e do nosso olhar para Nina!

Cleonice Duarte


Uma estrela é bela não em razão do tempo de sua existência, e sim pela intensidade de seu fulgor. Há poetas que nascem como nascem certas estrelas cadentes, de existir sub-reptício, porém, suficiente para deixar um rastro de luz e de encantamento. Tal é a impressão que tenho da jovem poeta Eveline Nina da Costa Zaire, que voltou a ser estrela em outubro de 2000.

Uma gota de olhar (2003), obra póstuma da poeta, organizada por familiares e amigos, reúne mostras de sua poesia, tão humana, tão sensível, tão tocante. Parecem flores vicejantes em domingos iluminados, a irradiar perfume e beleza, enquanto se aquecem e se rendem às carícias das mãos cálidas do sol.

Nina canta os prazeres da vida, e anuncia os encantos do amor, de amar e de ser amada. O amor é fugidio, apressado, é preciso retê-lo, eternizá-lo no instante em que é: “Não sei... apenas sinto e como seria bom se o mundo acabasse nesse momento que tenho amor e sou totalmente prazer!”. Na fragilidade da vida tão passageira como um relâmpago que clareia no céu, Nina evoca a consistência do amor, pois “tudo é exonerável, porém amar é tudo!”.

Na ânsia de viver, sem pudismos e falsos moralismos, Nina é apaixonante, apaixonada. Não disfarça, nem reprime desejos, sente-os profundamente: “Vem o desejo... esse desejo... que me faz querer molhar tua boca e todo teu ser, invadir teu corpo como a chuva, a terra”. Amor de outro ser. Amor significativo, significante, completante: “Tu nem sabes o quanto estou contigo, me sinto grávida, possuída por uma nova vida”. Presença que a faz se sentir “mais gente, mais mulher, mais bonita”, porque antes semeou o amor dentro de si.

A floresta, os rios, os índios na sutileza poética de Nina invadem seu imaginário, despertam sentidos, puxam lembranças: “O rio do meu Acre, o rio dos olhos de prata... que virá! Os rios que me fazem sonhar e sentir o prazer de voar por entre tudo o que lembre o luar”; ou “que a floresta se traduza em festas, em força que dá o daime, em luzes que cortam o olhar longe”. E, evocando a força da mata contra a insensibilidade e ganância humana, Nina proclama: “Deus ainda sobrevive nos cantos da floresta”.

A poesia de Nina traz um naco da insubordinação de sua geração, daquela ânsia de liberdade, de gritar, de indignar-se contra as arbitrariedades do “sistema”, sem, no entanto, ser panfletária: “Trago comigo a coragem, / vivo de coragem sem saber pra quê / fracos, oprimidos e sem heranças / não fazem nada. (...) A bolsa da Vera Loyola não cai, / Sua pose tampouco / O point é ir pra praia, (...) mais isso é só dor, não faz a bolsa se alterar. / Mas de quem é a bolsa?”. Apesar de tudo, não deixar a alegria de viver, mesmo não tendo todas as soluções possíveis na arte de aprender a viver “a tarefa é avançar na interrogação sem omitir”.

Henrique Silvestre concebeu palavras magistrais para a poesia de Nina: “Não dá pra ler os poemas da Nina de supetão. É arriscado sufocar-se com extrema ânsia de viver que jorra em cada verso. Carece ir devagar. Sorvendo cada gota de palavra. Como se fosse um cálice de vinho tinto seco. Travando na língua, prendendo na garganta. Após, provocando indescritíveis prazeres”.

O amor nos conduzirá à utopia de Nina, ao grande seringal astral. Sua poesia é um brado de vida, de liberdade, da ânsia de amar. Afinal “que será de nós se estivermos cansados da verdade do amor”. |Isaac Melo|




Sons de clarins
me fazem assim, assim...
Totalmente em mim
O som penetra em meus olhos
Deixando-me cega,
As imagens criam-se e penetram por meus poros
Tudo se faz loucura e me transporta
Sinto longe a voz tua, tua voz forte...
É a sintonia perfeita para o encontro
Tudo é exonerável, porém amar é tudo!

*

Diamantes e cristais
não valem tal poder
contos de luar
ou a história dos homens
Lua vaga vem brincar
e manda teus sinais
que será de nós se estivermos cansados da
verdade do amor.

*

E o céu é azul
Azul da cor do teu
amar de mar.

*

Pressiona o pincel com a
tinta do meu ser... Crie
magias e então o voo se dará.
Que voraz!... Teu corpo
nasce de novo

*

Sou um ser...
talvez absorvido pela única certeza de estar
vivendo.

*

A chuva cai lá fora
e aqui a sala se invade por
um vento de ar molhado
qual a árvore na chuva...
Linda e úmida se encontra a imagem de
outras épocas
em meu pensamento...
Vem o desejo... esse desejo...
que me faz querer molhar tua boca e todo
teu ser,
invadir teu corpo como a chuva, a terra.

*

Queria te possuir
como a noite possui o dia
e te revelar as entranhas.

*

Entre a claridade do quarto
empilhado de sol, roupas e corpos,
ainda há a ilusão de belezas.

*

Pinta, com teu sorriso,
o meu corpo pálido,
à espera de energia transparente,
tão vista e perceptível
aos olhos e corpo da gente.

*

A saudade me invade
De tua praça
de teus homens
de tuas mulheres
do casarão de nossas vidas
de nossa aventura
de nossa luz rompendo as
trevas da noite de Aquiri
de teus encantos de rio,
correndo em nossas veias,
pulsando ao encontro de outros,
que se quer e sente rio também.

*

Corante
que tira a cor do rio,
que mata os peixes,
que fere as veias...
imensidão verdejante
presença em infinito
Deus ainda sobrevive nos cantos da floresta.

*

Na sombra da tua imagem
que passa
deslizam as mãos que te inventam.

 *

Lembras da rosa azul?
Eu a vejo,
e entre sua existência
pertinente persistência,
sua âncora no peito
sou um porto em fim, aonde jamais
outros ventos do mar ousaram bailar
Ao vento, notícias de amar.

*

Fragmentos...
Luzes de versões
de histórias bem amadas
de vontades veladas
de coisas e gente
que fincam o olhar tortuoso
na curva de teus ombros decentes
taciturna fronte
de amante ontem
à brasa de dois carvões a queimar,
e hoje de cinzas a esfriar.

*

E um dia já fui um
dentro do mundo azul do
seringal
que é um barato
um verdadeiro astral!
O total será o reencontro…
No seringal astral.

*

É muita correria no pensar
se atropela ao tentar de dia falar
preciso já!
muito o que fazer,
pouco o que sonhar.
Os sonhos... esses tão ludibriosos encantos,
são sufocados a cada instante.
O átomo dilacerado do tempo atual,
o veneno de nossa alma,
luz refratária de nossos desejos...
homens sem carne, mulheres sem dor,
jovens sem brilho
no mundo tudo mudou.

*

Recriar o paraíso agora
Para merecer quem vem depois...

*

Na canção que invento
você se reflete em poesia
em cada verso, desverso...
e outra descoberta.



REFERÊNCIA
ZAIRE, Eveline Nina da Costa. Uma gota de olhar. Rio Branco: Fundação Elias Mansour, 2003.
* Agradeço ao poeta Clodomir Monteiro por me ter presenteado Uma gota de Olhar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nina se foi cedo demais...
Leila Jalul