terça-feira, 2 de outubro de 2012

Série A POESIA ACREANA > Prof. Freitas

Isaac Melo


Para Fernando Pessoa o amor é uma companhia. Para mim, a poesia é uma companhia, e já não sei andar sozinho. Não há poetas grandes ou poetas menores. Se é poeta ou não se é poeta. Há poetas menos conhecidos, mas nem por isso deixam de ser menos poetas. A poesia, por não ter fronteiras, só conhece a infinitude do coração humano. E, parafraseando Bilac, só quem ama tem coração capaz de entender a poesia, senti-la como se sente o puro mel suavemente a envolver a boca num misto de prazer e encanto.

Apreciador sou dos clássicos poetas, porém, em meu coração há sempre lugar para os poetas de meu tempo, de meu chão. Leios com o mesmo enternecimento, o mesmo fascínio, pois são eles, hoje, que continuam a fazer o coração da humanidade florir, frente a tantas agruras e mesquinhez. Nenhuma guerra, nenhum reino, nenhum poder vale o sentimento profundo que a poesia pode causar num espírito humano. A sociedade do futuro, e de hoje, há de ser poética ou será esquelética.

A poesia acreana, como expressou o sociólogo Jacó César Piccoli, é feita de vida, feita de amor, palpitante, selvagem, popular. De cada recanto do Estado emerge os seus representantes. Tarauacá, berço de grandes expressões poéticas, como J. G. de Araújo Jorge, é terra em que o veio d’água da poesia nunca deixou de minar, como cacimba boa que resiste ao inclemente sol de verão. Um nome que desponta nesse cenário é o de Francisco Alves Freitas, o prof. Freitas, como é conhecido.

Nascido nas barrancas do Rio Muru e criado às margens do Rio Tarauacá não teria como ser diferente, sua poesia traz a força das águas, a beleza da selva com tudo que ela encerra, e o louvor de sua fé. O estudo, a leitura, as letras, a poesia fez dilatar as fronteiras de seu seringal. E com as asas da poesia ultrapasssou os limites do grande tapete verde e fez seu canto ecoar além do horizonte. Só o fato de se dedicar ao ensino há mais de três décadas é motivo suficiente para um sincero e profundo apreço. Mas, há que se educar além da cabeça, o coração, os sentimentos. E isso foi o que fez. Homem temente a Deus, com toda profundidade e verdade que tal assertiva pode ter ante a carga depreciativa que toma nos dias atuais.

Prof. Freitas possui dois livros publicados “O amor, a natureza e o povo” e “Brados de vida”. Grosso modo, podemos distinguir três temáticas principais que perpassam praticamente toda sua obra: 1) o amor; 2) Deus; e 3) a natureza. O poeta abre seu coração aos enleios do amor, da grandeza do amor humano, que em medida mais sublime, é expressão do amor divivo. Porque o amor divino só é possível à medida que assume a face humana. Por isso, ele canta as benesses do amor, com suas alegrias, dores e saudades. Paradoxalmente, apenas a ‘escravidão’ do coração nos fará livres.

Um poeta tocado e que se deixa tocar pelas coisas simples, que reconhece nos pequenos acontecimentos da vida a grandeza de seu Criador. Então o coração do poeta, como água abundante de fonte a jorrar, se extasia em versos, a lembrar os magníficos louvores entoados pelo povo de Deus ao longo da história, como autêntico salmista de nossos dias: “Meu Deus, como és sublime / Quando contemplo as flores, / O orvalho da manhã, / A fina teia da aranha, / O nascer de um passarinho, / O voo suave de um pássaro, / O sorriso de uma criança, / E dos grandes astros o caminho.” Assim, nos versos do prof. Freitas, recordamos os versos da grande poeta Adélia Prado: “Poesia sois vós, ó Deus / Eu busco vos servir.” A poesia, a mais íntima, é a divina relação da criatura com seu Criador.

Por fim, não está ausente, na poesia do prof. Freitas, a problemática social e ambiental. O poeta é enfático, e ergue seu brado enérgico contra os “homens sem ética, ladrões e profanos, / Assolando o povo com corrupção.” Não é também o brado de todos nós? Ainda mais na atual conjuntura política em que se encontra a política nacional, desacreditada e imoral? Além disso, há a preocupação ecológica, que antes não se fazia necessária, hoje, tornou-se indispensável, frente aos abusos humanos advindos com o aperfeiçoamento da técnica e da tecnologia. Mas tudo isso passa pelo olhar atento do poeta, e, com seus versos, conclama a responsabilidade humana não só por outros seres humanos, mas também por toda natureza, que ‘chora em dores de parto’. Em contrapartida, canta as belezas da floresta, com a diversidade de seus cantos, cores, aromas, paisagens. O coração enfeiurado só se cura com a beleza, a beleza que nasce do próprio coração.

Estendemos aqui nossa homenagem a esse ilustre poeta acreano-tarauacaense que contra o silêncio dos covardes ergue seus brados de vida, a nos encantar, e nos cantar as belezas do amor, de Deus, da vida e da natureza no altar de nossos corações, “pois os que amam sem amor não terão o reino dos céus”.


FOLHAS CAÍDAS
Prof. Freitas

Folhas caídas, levadas ao vento,
Como uma lembrança
que o tempo apaga,
Esquecemos logo, sai do pensamento.

Folhas caídas, é como o amor;
Que partiu errante,
Deixando saudade,
Ficou o silêncio, matando de dor.

Folhas caídas, é humo certeiro;
Eu estou distante!
Ela está ausente,

É como um sonâmbulo ou um seresteiro,
Que perdeu a amante,
E seu coração ainda está doente!


SONETO ÀS MINHAS MEMÓRIAS
Prof. Freitas

Velha seringueira, onde descansei
Nos dias quentes, comendo meu pão,
Sentado ao teu tronco, lá eu estudei,
Fazendo exercícios; revendo a lição.

Fiz as refeições, sob a tua sombra,
Sobre folhas secas, pensava na vida,
Às vezes alegre, às vezes tristonho,
Com a alma festiva, às vezes abatida.

Velha seringueira, árvore centenária,
Foste derrubada, não tens esperança!
Hoje quando passo, me restam as lágrimas

A recordação, dos tempos de criança...
Mas vem-me à memória: tudo se acaba!
Das coisas da vida, ficam só lembranças.


TEMPO
Prof. Freitas

Tempo que carrega a vida
Que apaga o amor
Que faz esquecer a dor
Das vidas divididas.

Tempo que apaga o olhar
Que muda o coração
É tempo contra mão
De quem deixou de amar.

Tempo sem lembranças
Sem estrelas
Sem beleza
Sem grandeza
Sem esperança

Somos peça
Desse tempo
No negrume
da noite
Apaixonados
Descontentes
Descuidados
Desamados
No universo
Sem sonhos
Sem poesias
Sem versos.

Somos pássaros
Fugitivos
do amor
Da alegria
Que o tempo
Destruiu e apagou!..


E DEUS FALA
Prof. Freitas

Num universo sem definições,
Pássaros cantam duetando com o assobio do vento e com o
ciciar dos insetos,
Como o rugir dos motores dos automóveis,
E com o murmurar do mar.
Sou caminheiro do destino,
Da saudade e da solidão,
Entre pedras, entre areias,
A contemplar o mar, verde mar, nesta imensidão.

Céus que se turvam; se azulam;
Sol que brilha entre as verdes palmeiras e matagais;
Meus sonhos se colorem
Neste verde mar a beijar as pedras,
Teu corpo, a areia, nada mais...

Neste cenário, se perdem os pensamentos meus,
Entre sonhos e realidade,
Entre lembranças e recordações,
Entre preces e saudades
A contemplar a grandeza de Deus.

Fortaleza – 23.11.2001


TEUS OLHOS
Prof. Freitas

Quando vejo teus olhos claros
Sob a luz solar de raios transparentes
E num sorriso teus lábios declaram
Um amor imenso, meigo e presente.

Quando fito teus olhos claros
Sob a luz ardente dos raios do sol
Oh como é difícil! São momentos raros
Ver teus olhos lindos, como o arrebol.

Ah se eu pudesse, se eu pudesse um dia!
Ler teus pensamentos e ler nos teus olhos:
por que fitam longe o azul do infinito?
E sem palavra alguma ungem como óleo.

Ó princesa, não direi teu nome!
Mas tu saberás que falo de ti
Leio em teus olhos que algo te consome
E quase a soluçar pensas em partir.

Sei que teus olhos sonham, sonhos de amor
E fitam ao redor o verde da paisagem
É como um perfume a transpirar odor
Trazendo-me o amor, como uma miragem.

Não esqueço teus olhos, a contemplar o infinito!
As flores, o céu, o azul sem fim!
Os pássaros brancos, a voar bonito
Te quero meu amor, sempre perto a mim.


QUATRO PAREDES
Prof. Freitas

Entre quatro paredes me encontrei,
Num silêncio, que a noite encerra,
No travesseiro eu te procurei,
me senti estranho, como em outra terra.

A escuridão da noite que jazia,
E o silêncio que enchia o quarto,
O coração bate e tem fantasias,
E te procurava entre os meus braços.

E a cama que parece fria,
Deitado nela, fiquei sem jeito,
Senti teus lábios me acariciando,
E por instantes, eu senti teu peito.

Então compreendi que não era sonho,
Era realidade e fiquei pensando,
Ouvi tua voz, com amor risonho,
Senti tua mão, me acariciando.

Depois parti pela noite adentro...
Calmo e fugitivo na escuridão,
Te levei comigo, em meus pensamentos,
Te deixei sozinha... Mas que solidão!...


CORRUPÇÃO
Prof. Freitas

É inegável, que existe dano,
Em cada escala da administração,
Homens sem ética, ladrões e profanos,
Assolando o povo com corrupção.

Cada bem público custa muito mais,
Sempre que envolve a corrupção,
O povo sofre, não aguenta mais,
Gerando miséria; gerando inflação.

E a impunidade, assola as ruas,
Nunca se fez nada; não tem solução,
Gastam as riquezas, que são minhas e tuas,

Sofrem nossos filhos; comem o nosso pão,
Deixando as cidades, cada vez mais nuas,
Com o vírus maldito da corrupção.


A MORTE DO PLANETA
Prof. Freitas

A terra está muito mudada:
O horizonte já está cinzento;
A camada de estufa, aquecendo o ar,
Particulas voando, fuligem, carbono. . .
Tornando difícil, pra se respirar.

O verde está sumindo,
Surgindo desertos na terra,
Cachoeiras e rios vão ficando secos,
Pássaros, animais desaparecendo
O sol emitindo raios ultravioletas.

Rios e oceanos estão abarrotados:
De esgotos, chumbo e mercúrio,
Sacolas, embalagens, muitos detergentes,
Devastando peixes e microorganismos,
Venenos humanos, estão matando gente.

O planeta terra nos pede socorro!
Poluição sonora e também visual,
Ondas magnéticas estão cortando os ares,
A camada de estufa afetou os pólos,
Meu planeta morre; e deixa pesares!...

O planeta terra está saturado:
Derretendo o gelo, tremores de terra,
Cheias e desertos, ventos, furacões...
É gente demais; já não há espaço,
Falta água potável pros sete bilhões.


POEMAS À MADRUGADA
Prof. Freitas

É madrugada a noite está calma,
O céu azulado, anunciando a aurora,
Lembro-me de ti, a saudade na alma,
A presença de Deus, sinto nesta hora.

É madrugada, o galo já canta,
A brisa refresca a paisagem,
Abrem-se as rosas, que perfumam tanto,
Vemos o horizonte, como uma miragem.

É madrugada, dos sonhos mais lindos,
Ou de quem acorda para sair cedo,
De quem busca a Deus, momentos infindos,

O sol vai nascer, espantar o medo,
Alguns se despedem, pois já vão partindo,
E na cama, alguns, sussurram segredos.

                  II

É madrugada, o capim molhado
É bom que o mundo acorde, o silêncio devasse,
Irradiando luz, clareando os prados,
O que estava oculto, agora se mostrasse.

É madrugada, a lua está branca,
Minh'alma medita, sentindo-se triste,
Aos poucos, o passarinho canta,
Pois na madrugada o amor consiste.

É madrugada, oh meu paraíso!
Vejo a natureza; o mundo colorido,
Esqueço as mágoas, do amor perdido,

Surge a esperança, um novo sentido,
Vem-me a memória o que havia esquecido,
Remove a tristeza, do coração ferido.

                  III

É madrugada, do canto dos pássaros,
Nas lâmpadas caem a última serração,
E quem vai partir: um beijo, adeus, um abraço. . .
Ficando a saudade; fica a solidão.

É madrugada, muitos estão dormindo,
Muitos estão sonhando. . .
As estrelas do céu vão sumindo,
E alguns, uma prece, a Deus ofertando.

É madrugada, começo do dia,
Acordo mui cedo; contemplo o infinito!
Vejo a Via-Láctea; traz-me alegria,

Ouve-se bem longe, do vaqueiro o grito,
Nosso coração cria fantasias,
Tudo é madrugada; oh! Mundo bonito!...


PLANETA MORTO
Prof. Freitas

Meu planeta está muito mudado!
Muitos poluentes
Detergentes
Gases
Fumaças
Que envenenam a gente!

Meu planeta está modificado!
Cheio de venenos
Tudo está morrendo
Radioatividade
Mercúrio
A terra varrendo!

Meu planeta está virando lixo!
Bombas
Que assombram!
Contaminação
Lixo industrial
Pondo nossa vida em risco.

Meu planeta está devastado...
Quase sem florestas
Os montes e arestas
Estão sem animais
Oh! que triste estado!

Meu planeta está ficando quente!
Muitos furacões
Desertos, sertões,
Secas,
Tempestades
Estão matando gente!...

Meu planeta está por um triz!
Bonito que era
Azul. . . primavera,
Verde, colorido,
Mas hoje ferido
É muito infeliz!...
Não é verde mais,
Hoje está cinzento,
Morfo, fedorento,
Águas poluídas
Animais sem vidas
Se ouvem seus ais!...


LIBERDADE
Prof. Freitas

Ó liberdade, me ilumina agora!
Ao som de harpas e guitarras famosas,
Quero-te sempre, todo dia toda hora,
Na terra dos viventes, és a mais gloriosa.

Não quis os pedestais, e não tenho saudades,
Nada substitui os valores dela,
Por nada troco minha liberdade,
Das bênçãos da terra, tu és a mais bela.

Ó liberdade, eu nunca te esqueço!
Meu coração palpita no berço do teu ninho,
Nada pagará; valerá teu preço,
Quero-te raiando sempre em meu caminho.

Liberdade é o sonho intenso de quem vive,
Quero adormecer, eternamente em teus braços,
Nada me importa! MAS QUERO SER LIVRE,
Longe das algemas, dos grilões, dos laços.

Ó liberdade, bem mais precioso!
Pra todo ser vivo, até o passarinho,
Quero ter o vento soprando no rosto,
O sol, as estrelas, pelo meu caminho,
De tudo que eu sei, de tudo que eu conheço. . .
A maior riqueza, meu maior apreço,
pois MINHA LIBERDADE, NUNCA TERÁ PREÇO!...


EU E VOCÊ
Prof. Freitas

Somos peças
Desse tempo
Que não pára
Que não muda
Como incêndio
De coivara
A queimar tudo.

Somos mensageiros
Do amor
Companheiros da saudade
Triste, aventureiros
Do amor,
Do destino, da fatalidade!

Eu e você
Somos assim
Flores sem perfumes,
Pássaros a voar sem fim,
No vazio, na escuridão,
Nas lembranças,
perdidos na solidão.

Eu e você
Dois pontos na imensidão...
Preocupados
Sem motivos, sem razão.
Divididos, amados,
Quase perdidos
Escravos do coração.

Indiferentes ao preconceito
Com sonhos
Com esperança
Às vezes magoando o peito
À luz de tantas lembranças
presos no mundo dos laços
Sem razão, sem jeito,
Sem espaço,
No mundo indefinidos
Como chumaços proibidos.


JANELA
Prof. Freitas

Vi pela janela passarem os ventos,
A brisa suave, que refresca o quarto,
Quando estou deitado, um pequeno tempo,
vejo as estrelas, que povoam o espaço.

Quando é noite fria, a deixo fechada,
Mas quando amanhece, o sol logo bate,
Raia a claridade em sua fachada,
E abrindo vejo, meu pé de tomate.

Janela querida, dos sonhos mais lindos,
Quando ainda escuro, vejo os passarinhos,
De lá posso ver o vizinho sorrindo.

Dela vejo a horta, quando é bem cedinho,
Vejo meus cachorros, ainda dormindo,
por ela Deus ver, todos os meus caminhos.


CARTÃO POSTAL
Prof. Freitas

Pequena lembrança, que o tempo amarelou,
Mas que falam muito, pela vida inteira,
Cartão de natal, cheio de amor,
Com inspiração, pura e verdadeira.

Amiga de outrora, meiga e pequena,
O tempo passou; não foste esquecida;
Amiga querida, rosa de açucena,
Hoje estás distante, e vives outra vida.

Pequeno cartão, com grande mensagem,
Falando de Deus, que está presente,
Lembro seu poder, oh! Bela paisagem!

Todos nós mudamos; hoje é diferente!
Vamos pela vida como carruagem,
Teu cartão relembra, e faz-me contente.


LEMBRANÇAS
Prof. Freitas

Há na vida:
Uma indiferença
No amor
Na dor
Sem tua presença.

Há em cada instante:
Uma saudade louca
De te abraçar
De te apertar
E beijar tua boca.

Há em cada sonho:
Uma eterna lembrança
De cada beijo
De desejo
E muita esperança.

Há no teu perfume:
Uma recordação
Vivida, sonhada,
Amada, guardada,
No coração.



*Poesias disponíveis no blog Asas da Liberdade, do prof. Freitas.

FREITAS, Francisco Alves. Brados de Vidas. Rio Branco: Printac: Gráfica e Editora, sd.
FREITAS, Francisco Alves. O amor, a natureza e o povo. Edição do autor.

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