Santarém é o terceiro
município do Estado do Pará em número de habitantes, fundada no século XVII, a
“Pérola do Tapajós” como é chamada, é uma das cidades mais antigas da Amazônia.
Mas para nós foi apenas um lugar de passagem obrigatória, tanto para ir a Alter
do Chão, quanto para a Floresta Nacional do Tapajós.
O porto e os ônibus
intermunicipais que ligam Santarém às demais localidades, partem do centro da
cidade, local por onde passamos várias vezes. O sol escaldante exigia um suco
de frutas regionais, graviola, cupuaçu, acerola... Opa, esta última não é bem
regional, ou pelo menos não era. Eu só conheci acerola depois de adulta, mas a
fruta é tão abundante na Amazônia que até parece ser originária da região.
Há informações que precisam
ser estudadas e melhor conhecidas, de que a acerola entrou na região como um
dos itens dos chamados “cultivos alternativos”, aqueles que são “sugeridos” em
políticas públicas, com o fim de promover renda aos camponeses, como ocorre em
países produtores de coca, na América. Mas parece que a tentativa com a acerola
tem gerado, para alguns camponeses em Rondônia, uma dívida com o financiamento
que eles não têm conseguido pagar. São essas pequenas realidades que a Amazônia
abriga e ficam ocultas na floresta, onde a grande mídia não quer entrar.
De qualquer forma vale dizer
que a nossa preferência é pelas frutas locais e quando possível, as frutas da
época. Por isso não tomamos nenhum suco de acerola, ao longo dos dois meses de
viagem, mesmo a fruta constando nos cardápios de todas as cidades por onde
passamos.
Foi numa das paradinhas para
tomar um suco, dessa vez de cupuaçu, que o dono do pequeno comércio, julgando
que éramos do sul, devido a aparência de gringo que o Jorge Carlos vem
adquirindo com o passar dos tempos, nos fez a seguinte pergunta – o suco de
cupuaçu é com ou sem caroço? Peguei o cara na virada, respondendo – com caroço,
que é muito melhor! Ele deu uma risadinha sem graça, ao perceber que estava
falando com quem conhece do assunto. E mais sem graça ficou, porque ele não
tinha o suco com caroço, pois nenhum comerciante vende suco com caroço, só se
toma em casa. Mas tudo ficou num bom clima de brincadeira.
Para quem é da região e da
minha idade, sabe que tomar suco de cupuaçu na infância, tinha que ser com
caroços, para chupá-los até ficar liso. Na maioria das famílias, o suco não era
servido em jarras, tinha que ser na panela, tirado com a concha, pois a
meninada era numerosa e mais, o suco era feito manualmente, liquidificador é
coisa moderna.
Ainda hoje, algumas famílias
fazem o suco manualmente. Corta-se a polpa com a tesoura, depois de juntar o
açúcar à polpa e caroços vai mexendo e espremendo com as mãos, até retirar o
máximo de sumo possível, o que é facilitado pelo açúcar. O sabor é muito
diferente daquele suco preparado com o liquidificar, vendido nas lanchonetes.
A brincadeira do dono da lanchonete do suco de
cupuaçu rendeu, pois um rapaz que se encontrava no local, percebendo que
estávamos de viagem, puxou conversa para saber de onde éramos, ao dizermos - do
Acre, ele se desdobrou em cortesias e disse que morou no Acre, na cidade de
Tarauacá, que tinha fazendas, que era amigo do fazendeiro tal, dizia um nome e
perguntava – vocês conhecem? Com a nossa negativa, ele dizia outro nome, e
outros nomes mais, como não conhecíamos nenhum de seus amigos, o jeito foi
mudar de assunto.
O rapaz continuou a falar de
seus bens, inclusive que tinha casa em Alter do Chão, disse que viajar de barco
era desconfortável e outros assuntos que ele puxava ia confirmando que vivíamos
em mundos bem distintos. Ao dizermos que iríamos ao porto, comprar previamente
passagens para Belém, ele questionou várias vezes - por que não vão de avião?
Por fim, o rapaz insistiu
bastante para aceitarmos uma carona, no seu tremendo carrão, Hilux, com o ar
condicionado regulado numa temperatura quase 0º, bancos de couro e outros
equipamentos que um veículo moderno de luxo pode ter. Tudo isso, só porque
somos do Acre! Em meio às divergências do modo de vida dele e o nosso, ficamos
agradecidos, na certeza que ele quis mesmo agradar.
A riqueza natural da bacia
do Tapajós, com rio de água clara e abundante, praias a perder de vista,
vegetação diversificada e gente acolhedora, dispensaria qualquer outra beleza
construída pelas pessoas. A cada obra que construímos destruímos outra já
prontinha pela natureza, mas viver humanamente é transformar e destruir.
O planejamento da destruição
das belezas do Tapajós já está elaborado. Atualmente estão previstas, e algumas
em fase de execução, em torno de quarenta hidrelétricas, na Amazônia, cinco
delas no Tapajós, a primeira a ser construída é a usina de São Luiz do Tapajós,
que já vem sendo questionada a nível mundial, por apontar impactos desastrosos
como a inundação das terras de populações indígenas do povo Munduruku, assim
como todo o conjunto catastrófico, próprio da implantação das hidrelétricas.
“Jamaguaringos”
“Jamaguaringos”
As cores são recursos
fundamentais na definição dos caminhos navegados pelos rios, Madeira, Solimões,
Negro, Amazonas, Tapajós e seus tantos afluentes. Águas barrentas, negras,
transparentes, cinza, verde, que banham areias brancas, floresta de múltipla
tonalidade, pessoas de pele dourada do sol. O Sol… componente e contraste na
paisagem, que devido a estiagem naquela época do ano, período das queimadas, a
beleza entristece.
O poente fora substituído
pelo que resolvi chamar de Sol Minguante,
pois ele era engolido pela densa camada de fumaça que se formou no horizonte e
mergulhava no rio, isso foi observado por toda a região, ao longo dos Estados
do Acre, Rondônia, Amazonas e Pará. O colorido tem também a cor da destruição,
que esconde a paisagem, com a fumaça das queimadas. O pôr do Sol, só pôde ser
plenamente contemplado a partir de São Luis do Maranhão.
Sol Minguante
Mesmo
com a luz,
Vive-se
a escuridão,
Fumaça
densa,
Fuligem,
carvão...
Não
há ocaso,
Sol
em chamas
Natureza
clama
Esfumaça
a estação.
Foram mais de vinte dias na
tentativa de fotografar o pôr do sol. Inútil intuito, vermelho, ele era
queimado pela prática adotada na região, para limpar a terra, desnudá-la,
vesti-la de soja, pasto e outras vegetações que o mercado elegeu como as mais
lucrativas. Vale ressaltar que as queimadas ocorrem também nas áreas de
conservação ambiental, como pudemos comprovar na Floresta Nacional do Tapajós –
(Flona Tapajós), muitos foram os focos de incêndios que identificamos, tanto ao
longo das estradas como na margem do rio Tapajós.
Alter do Chão é a porta de entrada para a Flona, mal chegamos àquele lugarejo onde tudo acontece em função do rio Tapajós e de suas praias, fomos tomar uma sopa, numa pequena lanchonete, lá encontramos o velho do rio, Paulo Ganv, como ele mesmo diz - um pirata, que não faz parte da Associação de barqueiros, que não quer envolvimento com turistas sofisticados e por isso vive à margem dos pacotes turísticos e nas margens e leito do Tapajós, com uma programação alternativa, para quem não pode pagar altos preços - os “duristas”, termo que ele usa, para os turistas sem dinheiro, esses são os seus clientes.
Alter do Chão é a porta de entrada para a Flona, mal chegamos àquele lugarejo onde tudo acontece em função do rio Tapajós e de suas praias, fomos tomar uma sopa, numa pequena lanchonete, lá encontramos o velho do rio, Paulo Ganv, como ele mesmo diz - um pirata, que não faz parte da Associação de barqueiros, que não quer envolvimento com turistas sofisticados e por isso vive à margem dos pacotes turísticos e nas margens e leito do Tapajós, com uma programação alternativa, para quem não pode pagar altos preços - os “duristas”, termo que ele usa, para os turistas sem dinheiro, esses são os seus clientes.
Paulo conversava com um
argentino, que havia chegado à Santarém, no mesmo barco que nós, fato que
ajudou na aproximação de Paulo, para fazer a propaganda da excursão que
realizaria no dia seguinte, quinta-feira, saindo de Alter do Chão para as
comunidades de Jamaraquá e de São Domingos, na Flona Tapajós, retornando no
sábado.
Mapa das Comunidades da Flona Tapajós
Fonte: Oliveira de Castela, 2015
Paulo é um sonhador que
improvisa na viagem, a convivência familiar entre desconhecidos que fazem o
passeio. Ele sugeriu que comprássemos os alimentos de nossa escolha, mas ao
entrar no barco, o propósito era cozinhar juntos e harmoniosamente. Assim,
fizemos a viagem juntamente com uma família de colombianos integrada por um
jovem casal de artesãos, Carol e Camilo e as mães de cada um deles, Lilibette e
Pilar. Além dos colombianos foi também, o filho do Paulo de mesmo nome do pai e
sua namorada Adriana, um total de nove pessoas, para um barco com capacidade de
doze passageiros.
A viagem foi uma aventura
que durou de quinta-feira de manhã, ao fim da tarde de sábado, quando
retornamos a Alter do Chão. Nossa primeira parada foi para o almoço, na praia
do Pindobal. Paulo filho e Camilo voluntariaram-se para fazer a comida. Paulo
Ganv afastou-se do grupo, sem se deixar perceber, para recolher uma
considerável quantidade de lixo deixada por outras pessoas na praia. Enquanto
os demais nadavam nas mornas águas do rio Tapajós. Andamos um pouco pela praia de areia branca,
apreciando as pequenas árvores que forneciam boa sombra para fugir do forte sol
e até para armar uma rede, se o tempo permitisse, mas logo após o almoço
seguimos viagem.
Rio Tapajós
Fonte: Oliveira de Castela,
2015
Navegar pelo rio Tapajós dá
a sensação de estar no mar, tanto pelo volume das águas, que não permite ver a
outra margem, quanto pela turbulência que oferece eminente risco de virar o
barco, se não for a habilidade do barqueiro. No final da tarde chegamos à
comunidade de Jamaraquá, na casa de Nice, Rosevaldo e seus cinco filhos, que
nos receberam com amabilidade, fornecendo hospedagem e alimentação por um preço
muito acessível.
Na floresta de céu
estrelado, o silêncio foi o pano de fundo dos cantos, piados, esturros e outros
ruídos indecifráveis, o que fez a insônia companheira noturna. O redário, termo
local, é onde as redes são armadas. É uma casinha, sem paredes, com finos
troncos bem rústicos, que dão suporte à cobertura de palha, denominada jará,
muito usada para esse fim. A proximidade entre o redário e a floresta faz supor
que a qualquer hora pode-se receber a visita de um animal, um onça por exemplo.
Em toda a região de praia,
que costuma receber visitantes, os moradores constroem redários, normalmente
com a mesma estrutura descrita acima, apta a atender ao descanso durante o dia,
pois o sol obriga a sesta, e claro, a dormida noturna. Não só na Flona, mesmo
em Alter do Chão, há vários redários, por ser uma hospedagem de baixo custo que
atende a um público específico, como mochileiros e artesãos de vários lugares
do Brasil e do exterior. A galera do turismo alternativo.
No dia seguinte, após o saboroso café da
manhã, preparado pela Nice, quando foi servido, sucos naturais, frutas, tapioca
e café com leite, o grupo foi dividido, alguns foram fazer o passeio na trilha,
conduzido por Rosevaldo, eu e Jorge ficamos com Paulo, para fazer uma caminhada
pela estrada até o Igarapé de águas claras e gelada de doer nos ossos, o que só
permitia rápidos mergulhos e sair correndo em busca do sol.
No fim da tarde de
sexta-feira, demos início à caminhada pela trilha que nos levou de volta ao
barco, quando pudemos observar os detalhes da diversidade da vegetação, as
grandes e médias árvores de troncos marrons, retorcidos, entrelaçados, com
muitos nós na madeira, beleza que não foi vista no dia anterior, quando
chegamos à Jamaraquá, pois estava prestes a anoitecer, o que dificultaria a
caminhada na trilha.
São Domingos foi a última
parada da excursão. A comunidade já se encontra fora da área da Floresta
Nacional do Tapajós, mas desfruta de toda a riqueza ambiental da Flona.
Chegamos juntos com a noite, atracamos na praia, sob a luz da lua cheia, que
caprichosamente clareava o rio, a areia branca, os pequenos galhos secos caídos
ao chão e as pequenas árvores que povoam a praia.
A claridade facilitou a
instalação do acampamento, fazendo par com a boa recepção do senhor Luiz, nosso
anfitrião em São Domingos. Ele nos aguardava na praia e deu toda a orientação
para o grupo que se espalhou, escolhendo os lugares para armar as redes. Ali
passamos a melhor noite da excursão e de muitos dias da minha vida.
O universo de lendas e fatos
completava-se sem limites e sem separação, nas histórias contadas pelo Senhor
Luiz. Aquela noite na imensa praia branca, enluarada, de céu repleto de
estrelas e objetos voadores não identificados, vistos pelos amigos que estavam
conosco, rendeu muitas conversas na manhã seguinte e serviu de motivação para
se pensar num breve retorno ao local.
Ao despertar no sábado,
pôde-se ver outra beleza da praia que passara a ser iluminada pelo sol de São
Domingos, depois do cafezinho no barco, seguimos em caminhada pela trilha até a
casa de Luiz, o homem da floresta, que estava encantado com a possibilidade de
publicar um livro.
Embora ele não o tenha
escrito, mas foi ele quem deu todas as informações para uma moça que efetuou a
pesquisa. Ele não nos disse o objetivo da pesquisa, demonstrou não saber
exatamente, ou talvez não quisesse explicitar. O fato é que ele tem uma boneca
do livro, ilustrado com diversas espécies vegetais da floresta do Tapajós,
exibindo frutos, folhas, raízes ou sementes, bem como, algumas das propriedades
das plantas, de acordo com o uso popular.
Luiz fez algo, que nada tem
de novo, que é oferecer o conhecimento tradicional sobre as plantas, para
pesquisadores e/ou pessoas de má fé que se aproveitam da facilidade, combinada
com a dificuldade de fiscalização e a boa receptividade dos habitantes das
florestas. São os laboratórios, empresas de cosméticos e outros grupos
econômicos, os beneficiários dessas práticas.
Segundo Luiz, a moça levou com ela as
informações da pesquisa, para efetuar a publicação do livro, deixou com ele um
exemplar impresso, encadernado em espiral e não deu mais notícias, desde que
saiu de lá, por volta de um ano, embora ele tenha tentando falar com ela, sem
obter sucesso.
É importante esclarecer que
este registro em relação a Luiz e a provável pesquisadora, não é uma denúncia,
isso por desconhecer os reais motivos que possam se caracterizar como atos
criminosos, tanto no que se refere aos propósitos da moça, a quem não posso
fazer nenhuma acusação, quanto ao que foi acordado entre ela e Luiz. Porém,
considero pertinente trazer à tona, a pirataria da biodiversidade que é uma
prática recorrente, no Brasil, não apenas na Amazônia.
Mas Luiz está muito animado,
acredita que ela dará retorno e realizará o seu sonho de ter o livro publicado.
O livro é resultado de um trabalho que ele nunca havia realizado antes, algo
diferente do seu cotidiano. Tal possibilidade o transporta para o mundo das
letras, mesmo ele não sabendo ler. A boneca é exibida em suas mãos com imenso
orgulho. É o desejo que temos de entrar no mundo do outro e vivenciar o
desconhecido.
LUIZ
LUIZ
Tu,
Índio, caboclo, ribeirinho,
pescador...
Quero
ler teu livro,
Sem
virar páginas,
Mergulhar
em teu rio,
Verde,
cinza, turbulento Tapajós…
Eu,
Viajo
em teu universo,
Tu
viajas no meu.
Quero
entender da seiva
Que
da árvore escorre
E
tu conheces.
Tu,
Sem
conheceres as letras,
Queres
escrever um livro
Assim
como escrevo.
Eu,
Mergulho
no Tapajós,
Busco
em profundidade.
Do
rio tu emerges,
Buscas
em superfície.
Dois
mundos que se entrelaçam
Na
busca de cada um
Querendo
ler o mundo do outro.
“Deus por Nós” é o nome do
barco do Paulo Ganv. Ele não quer que seu barco seja chamado de bajara, termo
local denominado às embarcações de menor capacidade, pois afinal, a dele dispõe
de coletes salva-vidas, colchonete, fogão e utensílios de cozinha. Mas todos esses instrumentos não são
suficientes para enfrentar a turbulência das águas do Tapajós, é preciso
habilidade do condutor e quietude dos passageiros, um movimento brusco e
inesperado pode ameaçar a estabilidade do barco. Algumas vezes é necessário
esperar as águas acalmarem para seguir viagem. Ainda bem que não precisamos
esperar, pois no barco faltava um equipamento fundamental, o farol, por isso a
luz do sol foi imprescindível para concluir a viagem.
A tarde findava quando
chegamos ao porto em Alter do Chão. Quando digo porto, não me refiro a um local
com infraestrutura para tal, é apenas um lugarzinho na margem, perto da casa do
barqueiro, onde algumas pequenas árvores povoavam a margem e dentro rio, sendo
preciso navegar com cuidado, pois algumas árvores ficam submersas na época do
ano em que nos encontrávamos. Face à pouca visibilidade e como dito antes, a
inexistência de farol, nosso barco chocou-se com uma das árvores, causando
certa apreensão em todos, atenuada pelo fato do impacto ter sido leve e já nos
encontrarmos muito próximo à margem.
Finalmente em terra firme,
depois de tantas emoções era o momento de encontrar uma hospedagem de baixo
custo. Pretendíamos passar mais uma semana por lá. Paulo, o barqueiro já havia
oferecido a hospedagem na Casa das Garrafas, a casa de seu irmão, o Pré. Este
oferecia hospedagem semelhante ao redário, redes, café da manhã, (pão, café,
manteiga, leite em pó), com baixo custo, muitas regras de boa convivência e de
preservação da Casa.
A Casa das Garrafas é
coberta de palha, sem paredes e claro, sem portas, um quarto na parte superior,
que foi colocado a nossa disposição, mas pouco usamos, porque bom mesmo era
ficar balançando na rede, o que não era possível no quartinho de cima, senão a
casa iria ao chão, devido a sua frágil estrutura.
Pré é uma figura muito
interessante, assim como o seu irmão Paulo, os dois são gêmeos, barqueiros e
amantes daquele paraíso que engloba o rio Tapajós, a cidade de Alter do Chão, a
Flona e as comunidades da região. O Pré não economiza em divulgar a beleza
daquele lugar, enquanto ambiente potencial a qualidade de vida de gente e de
bicho, por isso divulga somente para as pessoas que passam pelo seu crivo. Após
uma investigação informal que ele faz, observando o comportamento de quem lá se
hospeda.
Uma vez atendendo aos
requisitos do dono da Casa das Garrafas, o hóspede aprovado é detentor de total
confiança. Foi o nosso caso, ele nos presenteou com dois documentários sobre a
região, onde ele figura como um dos atores. Os filmes tratam da beleza do lugar
e das cidades, Fordlândia e Belterra, as quais eu já conhecia suas Histórias,
razão da criação e o que levou ao fracasso do projeto que idealizou a formação
das duas cidades. Os filmes nos levaram de volta à Flona. Dessa vez não mais de
barco, mas pela estrada.
O que estava planejado para
acontecer em dois dias, quando pretendíamos ficar apenas em Alter do Chão, foi
realizado em dezessete dias, graças aquele encontro do “acaso” com o Paulo Ganv
que nos apresentou a Flona e nos levou até o seu irmão Pré, este, que nem
perguntou se gostaríamos de assistir aos documentários acima referidos, colocou
os DVDs, um seguido do outro e nós fomos tomados pela curiosidade, no final de
semana seguinte, pé na estrada. De Alter do Chão para Santarém, de lá para
Belterra, onde passamos apenas uma tarde visitando a estrutura deixada pelo
americano Henry Ford.
Belterra, de acordo com os
documentários, preserva as construções feitas na década de 1930, pela Companhia
Ford, de Henry Ford, o que pudemos comprovar. As casas com arquitetura
tipicamente americana, igreja e outras construções de um projeto falido, que
construiu o nada, no meio do tudo. Digo assim para contrapor aos que
consideraram que estavam construindo um “tudo no meio do nada”, como está dito
em um dos documentários.
Percebemos que em Belterra
já havíamos cumprido nossos interesses, melhor foi seguir viagem para a Flona,
onde a agenda pode ser interrompida, mas nunca cumprida totalmente, sempre
faltará mais alguma coisa para dar uma olhadinha, seja um pássaro, uma planta
ou a lua, em qualquer uma de suas fases. Fordlândia ficou para outra
oportunidade.
Em Belterra tomamos um
ônibus direto para Jamaraquá, onde permanecemos por três dias. O caminho de
volta de “Jamaguaringos” para Santarém foi feito a pé no trecho, de Jamaraquá
até São Domingo, passando pela comunidade de Maguary, daí criamos o termo
“Jamaguaringos”, para englobar as três localidades. O percurso é de mais de
sete quilômetros, se seguir direto pela estrada, mas resolvemos esticar um
pouco mais a caminhada, descendo algumas vezes até o rio para tomar banho,
refrescar o calor e caminhar descalços pela areia. Um passeio sem pressa.
> Terceira crônica que integra o livro,
ainda não publicado, intitulado “Pelos rios ao sabor da fruta”, relato da
viagem dos artistas Eliana Castela e Jorge Carlos, realizada no período de
setembro a novembro de 2015, do Acre ao Ceará, com paradas em algumas cidades,
a buscar a relação que se estabeleceu entre as pessoas da Amazônia e do
Nordeste, a destacar as condições de vida das populações na atualidade. ELIANA
CASTELA é natural de Rio Branco. Ativista cultural, é formada em Geografia
(bacharelado e licenciatura) pela UFAC, especialista em História da Amazônia e
mestre pela Universidade Federal de Viçosa. Leia aqui a segunda crônica da série.
6 comentários:
Aproveito sempre para viajar junto com vocês, amigos muito queridos! Estou gostando muito da fidelidade nos relatos...
Maravilhoso Eliana. Parabéns!
Encanta-me a descrição das paisagens da Amazónia, das frutas, das águas, das gentes, etc., mas fico satisfeito com o olhar crítico dos 'duristas' que se detém com perspicácia sobre a destruição do ambiente motivado pela ganância. É bom saber isso. Obrigado Eliana
Reinaldo
Amigos, vossos comentários é uma nova viagem. Obrigada!
Gostei que o meu amigo Reinaldo Ribeiro me tivesse dado a conhecer a crónica. Também me sensibiliza esse conteúdo de viagem, tudo o que é dito, que é uma aprendizagem para mim, que sou português, e daí só o que irmã minha me diz, que vive numa zona de Sergipe. Lamento que, tal como aqui, se continue a destruir a Natureza, a construir barragens. Muita coisa de mau está a acontecer por causa de o homem destruir o que é a Natureza. Até quando vai continuar. Continua sem parar. Uma desgraça.
O mais interessante do seu texto é o valor dado às pessoas humildes, o povo. Se fosse uma mera descrição da natureza, do relevo e rios que sentido teria???????
A natureza é linda porque existe o homem para contemplar
...e o mais importante é que seu olhar vem de baixo, é a voz dos " esquecidos".
Postar um comentário