sexta-feira, 15 de junho de 2012

ROCK AND ROLL 55

Luiz Felipe Jardim*


Em fins da década de 1940 e começo dos anos 50, estava pronta, nos Estados Unidos, a fusão principal de ritmos (Blues, Rhythm & blues e Country Music) que resultaria num novo ritmo: o Rock and Roll. Agora era só uma questão de tempo e oportunidade para este poderoso ritmo espalhar-se pelo mundo e materializar sua universalidade.

Em outubro de 1955, o Rock and Roll chega ao Brasil. E chega com muito estardalhaço, como, aliás, é de seu mais nobre temperamento. Chega embutido no filme Sementes da Violência, (Blackboard Jungle) que de rock mesmo só o tinha na sua abertura e encerramento, quando Billy Haley e seus Cometas interpretavam Rock Around the Clock.

Alguns poucos minutos de Rock. Mas foi o bastante para poder se dizer que a partir dali a juventude do Brasil nunca mais seria a mesma.

Durante as sessões nos cines os jovens falavam mais alto, cantavam, pulavam nas poltronas, faziam 'guerras de jujubas e bombons', devastaram o Cine Paulista, na Rua Augusta... e quase devastaram outros.

Após o filme estendiam as brincadeiras e, além de danças em praças públicas, promoviam perigosas corridas de lambretas e carros por estradas e ruas das cidades. Com os faróis dos carros apagados e na contramão, desciam ladeiras em alta velocidade, deixando a responsabilidade pela não colisão para os motoristas que vinham em sentido contrário.

É bem certo que esta descrição está um tanto quanto caricaturada e generalizada, mas cenas como estas, ou parecidas, aconteceram em várias cidades brasileiras por onde o filme passava, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde havia maior concentração de jovens de famílias ricas e de classe média.

Poucos dias antes da estréia do filme, aconteceram as eleições que fizeram Juscelino presidente do Brasil. Campanha e eleições tensas, marcadas por atentados, golpes e contragolpes.

Jânio Quadros que havia sido eleito governador de São Paulo um ano antes, ficou indignado com o comportamento dos jovens e por diversas vezes fez contundentes pronunciamentos em que manifestava sua indignação.

Miguel Couto era o Governador do RJ e, igualmente, fez incisivas manifestações contra o Rock e o comportamento dos jovens. Aliás, este mesmo senhor, alguns anos antes, na Assembléia Nacional Constituinte de 1946, havia proposto uma Emenda Constitucional na qual se declarava a proibição de migrantes japoneses de entrarem no Brasil. Pasme: na votação em Plenário aconteceu empate em 99 votos! Pasme mais ainda, Luiz Carlos Prestes e Jorge Amado votaram a favor da proibição!! O Voto de Minerva, dado pelo presidente da Assembléia, garantiu a continuidade do direito à entrada e permanência de cidadãos japoneses em território brasileiro. Era esse, portanto, o comitê de recepção político que tinha o Rock ao chegar ao Brasil. Jorge Amado, em 1961 ainda assinará um manifesto contra o Rock no Brasil.

Mas, ainda em outubro de 1955, e na onda do impacto sonoro e comportamental que o filme provocara, Nora Ney gravaria a mesma Rock Around the Clock. Nora não tinha exatamente o perfil de uma cantora jovem, mas era a única cantora do cast de sua gravadora que dominava o inglês. Uma semana após o lançamento e o disco já estava no topo da parada de sucessos.

Contraditoriamente, a protagonista do primeiro rock gravado no Brasil, era uma artista que, por gravar boleros, sambas-canções e coisas do gênero estava muitíssimo mais para a Velha Guarda do que para a Jovem Guarda que ali, sem perceber, ela semeava.

Velha Guarda era um movimento musical, surgido após o sucesso do programa 'O Pessoal da Velha Guarda' criado na Rádio Nacional em 1948, pelo compositor, cantor, radialista Almirante. Tal foi o sucesso do programa ao longo dos anos, que, transformado em movimento, em 1954, no Parque Ibirapuera, em Sampa, reuniu 30 mil pessoas no Festival da Velha Guarda. O movimento ganhou certa formalidade e instituiu o dia 23 de abril como o dia da Velha Guarda.

Pixinguinha, em 1955, com o seu ' Grupo da Velha Guarda', lança seu primeiro LP (formato de disco recém chegado ao Brasil) Carnaval da Velha Guarda. Ainda em 1955, com o mesmo grupo, lançará o LP A Velha Guarda e em 1956 o Festival da Velha Guarda.

Nora Ney estava identificada com esse movimento, que abrigava em seu seio, segmentos muito ricos, belos e expressivos da música brasileira. Onde gênios compositores e instrumentistas como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Carolina Cardoso de Menezes e cantores geniais como Francisco Alves, Augusto Calheiros, Aracy de Almeida, cultuavam gênios do passado como Noel Rosa, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, entre outros. Nora, que não gravara mais rock, em 1960, lançará a 'Estou cansada de rock', umas das cem músicas mais tocadas no ano.

Cauby Peixoto, em 1957, lançará a gravação do primeiro rock feito por brasileiro e em português: Rock and Roll em Copacabana, de Miguel Gustavo.

Ainda em 1955, 1956 e 1957, vários artistas gravariam canções de rock no Brasil. Agostinho dos Santos, Carlos Gonzaga, o acordeonista Aluísio Figueiredo, Lana Bitencourt, Heleninha Silveira, Cauby Peixoto, Bola Sete, Bolão e seus Rockettes entre outros. A maioria já não tão jovem, ou em outras palavras, “jovem há mais tempo”. Mas isso não era novidade. O próprio Bill Haley já tinha mais de 30 anos em 1956.

E é em 1956 que nos chega o filme 'Ao Balanço das Horas' com Bill Haley, The Platers e outros. Este sim com bem mais tempo de rock and roll na fita. O filme foi realmente impactante a ponto de Caetano Veloso, ter sentido “medo de ser possuído por alguma força irracional”. Raul Seixas ficou realmente ‘possuido’ e nunca mais se distanciou do rock. Algumas previsões sobre o comportamento dos jovens ao assistirem o filme se realizaram. Agitação nas salas dos cines, confusão nas praças, balbúrdia no trânsito, quebra-quebra nos cinemas, e por aí vai. Desta vez o cine devastado foi o Cine Roxi de Copacabana.
Jânio Quadros, governador de São Paulo, tenta proibir a exibição do filme no seu estado. Não consegue seu intento mas promove grande discussão e fortalece a oposição institucional àquele comportamento 'estranho, desviante e indesejável’ dos jovens.

O secretário de Segurança de São Paulo aproveita e baixa Portaria proibindo o filme para menores de 18 anos sob o argumento de que “o novo ritmo é excitante, frenético, alucinante e mesmo provocante, de estranha sensação...".

Isso também não era novidade. Nos EUA e na Europa, setores mais conservadores da sociedade, promoviam campanhas apaixonadas contra o rock, impedindo a realização de shows, dificultando a obtenção das licenças públicas para os eventos, incentivando a tomada de atitudes policiais e policialescas diante dos jovens roqueiros, etc.

Não obstante as enérgicas ações de sua oposição, o Rock'n’ Roll foi se impondo pelo mundo a fora e conquistando público em quase todos os lugares do planeta. Juventude e Rock foram se fundindo a ponto de se tornarem quase que sinônimos. Para tanto, o Rock foi assumindo, além de suas batidas rítmicas mais frenéticas, outras mais brandas, mais suaves, mas de linguajem igualmente universal como as da balada p ex. Essa capacidade de autotransformação, de adaptação, de tomar para si as fisionomias que o ambiente cultural que o continha necessitava para a promoção de algumas de suas inevitáveis mudanças, deu ao Rock possibilidades fenomenais de ampliação de si próprio e de sua importância no mundo.

No Brasil, o Rock chegou com força tanto nos espaços urbanos e suburbanos como em muitas cidades do seu interior. E é exatamente do interior que lhe chega sua primeira Rainha do Rock Brasileiro: Cely Campelo. Vem de Taubaté, interior de São Paulo e é “eleita” em 1961, quando já existia intensa movimentação em torno do novo ritmo em todo o Brasil. Ou seja, poucos anos após a apresentação do filme Sementes da Violência, o Rock, além de definitivamente enraizado no país, apresenta ao mundo aspectos próprios, particulares das fisionomias que assumia no Brasil.

É bem certo que o Rock foi perdendo muito do seu ímpeto inicial e assumindo formas mais adocicadas em suas batidas e muitas de suas letras como em 'Lacinhos cor de rosa', e em 'Estúpido Cupido'. Mas ainda assim é protagonista de mudanças significativas na sociedade.

Num Brasil onde a mulher não podia andar sozinha nas ruas; onde mulheres que dirigiam automóveis eram permanentemente importunadas por isso; onde as mulheres não podiam ir a bailes, bares ou cinemas sozinhas, e às vezes nem podiam escolher seus namorados ou mesmo maridos - falar dessas coisas com a naturalidade e a extroversão que o rock sugeria, era algo que naturalmente promovia reflexão e movimento. E isso trouxe resultados altamente positivos tanto para a ampliação do diálogo entre os jovens, quanto para os diálogos entre as diferentes gerações.

Ademais, o Rock reinventava as formas de se ouvir música e de dançá-las, também. Ao contrário da ópera ou do samba-canção, p ex., onde o ouvinte é convidado a acompanhar emocionado, mas passivamente, o drama apresentado na canção, ou a dançá-la com movimentos indefinidamente repetitivos, o Rock chama à participação intensa, ao movimento ágil, criativo, seja com estalar de dedos, com vocalizações, guerreando com pipocas, etc, seja dançando. Ao contrário do Bolero, ou da valsa, o Rock (e também seus derivados como o twist e o hully-gully) estimulava que se dançasse 'solto'. Em pares ou em grupos, mas 'soltos'. Ou seja, ampliava as possibilidades de liberdade e de liberdade de movimentos.

Por isso as três notas básicas (os tais acordes simples e quadrados), mais a batida do Rock, e letras mesmo que ingênuas, ou aparentemente sem sentido, provocavam tanto movimento, tanta agitação. Por trazerem implícitas no seu conjunto a sugestão de liberdade, de busca de liberdade.

Essa sugestão permanente de liberdade, de sua busca e de sua afirmação é um dos mais poderosos e fascinantes atrativos do Rock'n'roll desde o seu nascimento. Ao identificar-se com a sua estética, ao alinhar-se à sua ‘causa’, que apontavam no sentido das liberdades, de um modo geral, o jovem potencializava suas qualidades naturais e se fazia mais humano e criativo. Por isso o Rock passou a ser natural porta voz, rito de passagem para uma juventude que atualizava sua fisionomia no mundo, que se afirmava como segmento demográfico de características próprias, com velhos, novos e novíssimos desejos; com antigas e novas aspirações. Com renovados questionamentos e eternas buscas.

Há mais de 55 anos que o Rock and Roll chegou ao Brasil. Simples assim. Mas esta verdade oculta outra igualmente simples e importante. A de que, em cada um desses mais de vinte mil dias, descompromissado, irreverente e divertido, ele esteve a nos dizer ou sugerir - nas rádios, nos discos, nas roupas, nos bailes, nos cines, nos templos, nas praças, nas escolas, nos lares, nas ruas e onde mais pudesse ele estar - que os desejos de liberdade movem as sociedades e que os sonhos de amor e paz dão asas, cores e vida aos sonhos da humanidade.



* Luiz Felipe Jardim é historiador.

4 comentários:

Anônimo disse...

Fosse viva, dando gargalhadas, diria a professora Wolitz, mãe de Cheirosinho, Bebezinha e Dinda:
- "Meu Deus, como esse menino Felipinho é inteligente! Como é que ela sabe dessas coisas? Sei não, vou abrir os olhos da Wandinha!!!"
Amei, Felipe, amei de verdade essa viagem. Continuo na velha guarda. E velha!
Beijos
Leila Jalul

Anônimo disse...

Oi, Leila
Henriques e Felipes, era assim que prof Wolitz chamava e mim e a meus irmãos Jorge e Henrique. Uma forma inteligente e divertida de não ter o compromisso de identificar visualmente quem era quem. Henriques e Felipes éramos todos e isso simplificava tudo.
Mas, Leila, minha tia Helena e tio Amiraldo, moravam ao lado da casa da prof. Wolitz, ali na esquina onde hoje é a OCA.
Quando eu tinha 5 e 6 anos de idade, havia épocas em que todas as tardes eu ia para a casa de tia Helena. Casa grande de dois andares, com uma grande varanda lateral que dava para a casa da prof. Wolitz.
Indo para a casa de minha tia, aí pelas duas horas, eu passava pela casa da prof. eu já via que ela estava dando aulas na sala de aulas que ela tinha em sua casa e que tinha janelas que davam tanto para o lado da Av. Brasil, quanto para o lado da casa de meus tios.
De alguma forma que não me lembro, descobri que a prof. Wolitz, como boa profissional do ensino que era e sintonizada com a melhor pedagogia e com a melhor didática da época, de vez em quando dava palmadas nos alunos com uma palmatória que ficava na parede, ao lado do quadro negro e que era visível a todos os que passavam pela rua.
Lá da varanda da casa ao lado, esticado numa rede e no meio da tarde, eu ficava espreitando o momento exato do ápice da relação ensino aprendizagem da época, o momento certo das palmadas. Não sei bem como aprendi isso, mas eu ficava atento ao tom rouco da voz da professora. Ele anunciava o momento certo. Quando o percebia eu corria da rede para uma mangueira enorme que ficava ao lado da sua casa e que viveu até poucos dias. Dali, eu via a sala de aulas e, como bom menino que era, ficava torcendo para que o tom da voz da prof. enrouquece-se ainda mais. Era palmada na certa.
Às vezes ela ia até onde o aluno estava sentado aplicar-lhe a didática manual. A esses eu via tranquilamente oculto pelo tronco da mangueira; outras vezes o aluno ia até o quadro negro tomar as palmadas em pé. Esses eram os meus preferidos. Só que a melhor posição para ver a cena era do lado da rua. E eu tinha que correr dar a volta pela frente da casa da prof. e chegar à janela meio que disfarçadamente como se estivesse simplesmente por ali passando.
Fiz esse percurso muitas vezes, Leila: da varanda para a mangueira, da mangueira para a janela, da janela para a mangueira, dai para a varanda.
Comentando isso com minha mãe, ela me disse que prof. Wolitz não dava palmadas e que a palmatória era só decorativa, só isso: pura decoração.
Se isso é verdade, Leila, o que eu te disse ainda há pouco não o é. Ou seja, o que eu te disse é ficção.
Talvez mais uma das muitas ficções dessas que trazemos fixas na memória como se fossem expressões ainda vivas de antigos acontecimentos, de antigas realidades. Não tenho certeza, mas se isso é verdade quero crer que tal ficção foi me foi fixada enquanto, estirado numa rede na varanda da casa da tia Helena e no meio das tardes eu dormia meus sonos de menino de 5 e 6 anos de idade tendo ao lado um pé de mangas que vestia com suas sombras de boa mangueira a sala de aulas da prof. Wolitz e a varanda onde uma rede me embalava.

Uma vez, um caipira assim falou sobre a História: " A nossa História é uma coisa interessante: a gente se alembra, se alembra... De repente se esquece. Daí, um dia, a gente não tá nem naquele sentido... De repente se alembra..."

Ou seja, às vezes é preciso perder o 'sentido' de certas coisas para poder se 'alembrar', para poder 'ver' o que aconteceu, para saber-lhes o sentido. Em realidade e em ficção. Sim porque muitas vezes a ficção é uma realidade que se diferencia da pura realidade unicamente por não ter acontecido como a realidade gostaria que tivesse acontecido. Na verdade a ficção é pura ficção por puro capricho da realidade. Uma vingança por aquela se realizar em espaços imaginários, fora dos totais e absolutos controles da realidade nua e crua, pura e verdadeira. Bjs
Luiz Felipe

Alma Acreana disse...

Felipe teu texto é belíssimo!

Uma sugestão: bem que poderia nos brindar com uma crônica acerca da profa. Wolitz.

Olivia Maria Maia disse...

Concordo com você Isaac. A crônica da prof. Wolitz já está prontinha; traduzida com graça e poesia.
Vai, Felipe! dê esse presente pra nós, seus leitores. (só "arrendondar e publicar", depois correr pro abraços...)