segunda-feira, 10 de junho de 2013

ARTE POÉTICA

Verlaine (1844-1896)


Música sim mais antes de tudo,
O Ímpar prefere e jamair o Par,
Mais vago e mais solúvel no ar
E sem que nele pese um veludo.

Procurar dever se for preciso
Tuas palavras com desamor:
Procura amar ária furta-cor
E que o Preciso une ao Indeciso.

É belo olhar por detrás dos véus,
Hora a tremer quando é meio-dia
Por uma tarde de outono fria,
O caos azul dos astros nos céus!

Na meia-tinta a minha arte ponho,
Jamais a cor, só a meia-tinta!
Só a esperança, a cor indistinta,
Frauta à buzina e mais sonho ao sonho!

Deixa bem longe a Ponta daninha,
O que é mordaz e a Risada impura,
Fazem chorar os olhos da altura,
E todo este alho que há na cozinha!

Mata a eloquência mas de asfixia!
Tendo o valor porém, ó poeta,
De tua rima tornar discreta,
Sem teu cuidado aonde ela iria?

E quem dirá os males da rima?
Que criança surda ou que negro louco
Fez esta jóia que vale pouco,
Que soa falso se a toca a lima?

Música ainda, música sempre!
Seja o teu verso algo a voar,
Fuga de uma alma a ir por um ar
De céus de que ninguém mais se lembre.

Seja o teu verso esta boa aventura
Esparsa ao vento, cru, matutino,
Que vai florindo menta mais timo...
E tudo o mais é literatura. 



VERLAINE, Jean-Marie. Poemas. (Trad. Jamil Almansur Haddad). São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962. p.191-192

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