Profa.
Inês Lacerda Araújo
Filosofia de todo dia
Filosofia de todo dia
O sentido habitual em que se
emprega o termo "idealismo" remete à busca de condições ótimas para
realizar um projeto de vida considerado o melhor possível. Quando se diz
que uma pessoa tem um ideal, significa que ela pretende atingir esse
objetivo, mesmo que difícil, até mesmo próximo de um sonho impossível.
O sentido filosófico do termo remete a ideia, isto é, o pensável, portanto, oposto a real, a material, a sensível.
Platão celebrou a Verdade, o Bem e o Belo |
Platão foi o primeiro
filósofo idealista. Os seres reais, sensíveis e materiais podem ser
destruídos, se decompõem e essas mudanças impedem que se chegue à pureza
da essência, à permanência, àquilo que nossa alma inteligível, e apenas
ela tem acesso. Mas como são as ideias, quer dizer, de que elas são
feitas, qual é seu ser, como podem elas existirem se são ideias?
São concebíveis pelo
intelecto, em um mundo à parte, o mundo inteligível. Sem ideia de cada
coisa seria impossível o saber, a própria filosofia. Sem ideias os seres
não passariam de um emaranhado tosco, impossível pensar, conhecer e,
portanto, comunicar. O sensível é cópia do inteligível, mas o comum das
pessoas se engana, toma aquilo que vê e sente como ser verdadeiro,
quando não passa de sombra do mundo das ideias: "os que contemplam a essência imortal das coisas têm conhecimento nítido e não opiniões", escreveu Platão.
Kant celebrou a razão |
Do século IV a. C. vamos
a Kant (1724-1804), cujo idealismo é transcendental. Enquanto o mundo
perfeito platônico é transcendente, acima do sensível, apenas
inteligível - para Kant o inteligível depende do sensível. Sem o
material da sensibilidade organizado por meio de sua obrigatória
inserção no tempo e no espaço, o conhecimento seria vazio. Tempo e
espaço formatam o material sensível a fim de poder representá-lo, pois
de outro modo seria caótico. As categorias e conceitos do entendimento
são o nível seguinte, permitem formular juízos. Todo ser humano é dotado
dessa capacidade ou dessas propriedades formais de sua subjetividade e
isso não é algo pessoal nem sentimental, não pertence à nossa vida
prática, território da moralidade. Pertence ao entendimento puro e a priori,
quer dizer, os objetos que se conhece passam por um tipo de regulação
para representar todos os fenômenos, dentro dos limites da razão pura.
Ao contrário de Platão, é impossível chegar ao ser em si ideal, nossa
capacidade de conhecer depende do que é concebível, e o concebível
depende de formas, de regras, de leis como o princípio de causalidade.
"O pensamento é o conhecimento mediante conceitos", diz Kant, e
"transcendental" é o conhecimento que "não se ocupa tanto com objetos,
mas de nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser
possível a priori".
Hegel celebrou a cultura |
O idealismo de Hegel
(1770-1831) é objetivo. As ideias não estão no mundo inteligível de
Platão, nem no modo como as conhecemos, na pureza da razão kantiana.
Elas foram forjadas pela história. Sem as transformações a que estão
sujeitas por meio da cultura, do espírito humano em suas obras (arte,
filosofia, religião), não haveria ideias nem humanidade, não haveriam os
resultados da ação do espírito encarnado em realizações, não
haveria sequer sentido (entenda-se por "sentido" tanto as significações
da linguagem como caminho, rumo, progressão). O evoluir dialético das
ideias culmina no Espírito Absoluto, sua realização nesse itinerário da
consciência: a realidade do mundo humano é feita de saber, há lógica e
saber em todas as obras humanas, desde a cultura antiga, passando pelo
cristianismo até a conciliação do espírito consigo mesmo com a liberdade
outorgada a todos nos Estados constitucionais modernos.
As críticas a esses
pensadores idealistas vieram do realismo, do ceticismo, do materialismo e
de pragmatismo. Ficam para próximo (s) post (s).
* INÊS LACERDA ARAÚJO - filósofa, escritora e professora aposentada da UFPR e PUCPR.
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