João Veras
Não se fala. Não se
lê. Não se cogita.
À imprensa local só
interessa o que levita.
Fora disso, só
muito à boca pequena de acossado.
Esse que teima
enquanto a floresta queima.
O seringueiro virou
feliz para sempre.
Derrubada triste
memória do passado.
O boi na floresta
não faz mais mal.
Queimada só de
quintal.
Fazendeiro é
promoter de vaquejada
um amigo camarada,
esse querido do progresso
Indio nas zoropa
não sai da moda
como é belo esse
exótico de sucesso.
Viva a
sustentabilidade do pedaço que ainda resta
quem viveu os
setenta
não tem outro jeito
senão correr pro abraço!
no dia da Amazônia
em 2017
CONFISSÃO
João Veras
Mudo e canto
vejo nada e leio
poemas
sem gosto e como
sabores
sem ar e sinto
odores
Não penso e crio
Não sei e imagino
Não falo e falo
03/09/17
MELADO DE CANA
João Veras
a fenda
tem beiços que
ecoam universos
a ferro
a carne crua que
enferrujo
é noite
quando pétalas
ressoam versos
no coração do dito
cujo.
Repita
até achar que
adocicou a gosto.
31/08/17
DESLOGAM DO ÓBVIO
IGNORADO
João Veras
Novo dá azia
Acre a cena
Povo é de comer
Governo de mamar
Parceiro envenena
Empreendedor
corrói.
26/08/17
ACRE: O INFINITO DO
FIM
João Veras
Em prosa e verso
aqui virou moda
Todo dia alguém tá
matando alguém
Eis um território
em que gerúndio é lei
e viver exceção
Ante a violência,
este processo contínuo
que nos acostuma a
nos acostumar
Matar alguém virou
ação sem fim
Morrer matado, o
meio da ação
A morte
desnaturalizou-se desnaturalizando-se
Aqui todo mundo vai
virando deus
até não mais
existir.
21.08.17
ABRIGO SEM ECO
João Veras
estou falando para
as paredes
elas que não me
ouvem
eu uma delas também
não as ouço
estamos unidas
divisando o mundo
somos todas paredes
servíveis para não
ouvir umas às outras
tão úteis e
ocupadas nessa sina de separar
envelhecemos sem
retornos
19/08/17
RATOS, QUEM, NÓS?
João Veras
Resolvemos criar
galinhas. Mais pelos ovos.
Umas cinco, seis e
um galo. E logo já chegaram uns pintos.
Pela convivência,
vi que não vou me alimentar de nenhuma delas. Vão morrer de doença, de velhas.
Tal como não me
alimento de cachorros que moram comigo.
Essa turma é gente.
Que empatia!
Ontem, no começo da
noite, ouvimos um constante piar
lá pra bandas de
onde elas dormem. Isso não era normal.
Corremos e vimos um
ratão atracado no pintinho. Que violência!
Conseguimos salvar.
Demos remédio, mas ele não suportou o ataque e morreu com dignidade numa
caminha que lhe reservamos a noite toda dentro de casa.
O desejo nosso era
matar o rato que correu e sumiu.
Filho da puta!
Certamente que ele
devia estar com fome.
E daí? Tinha que
matar o inocente pinto?
E agora uma ideia
não me sai da cabeça:
Como temos sido
ratos!
14/08/17
OSCILAÇÃO DA
POÉTICA RECICLÁVEL
João Veras
O que faço com o
que sobra do poema
Com a parte que
apodrece
Com a que perde
validade
Com a que a gente
esquece
O que faço com
palavra que não interessa
Com as vírgulas e
os pontos descartados
Com as orações que
não acabam
Com o parágrafo da
irrealizável promessa
O que faço com a
semântica desajuizada
Com o que é
insuficiente para a dança da estrela
Com o que é sobejo
demais da conta
Com o que não faz a
donzela vê-la
O que faço com o
que faço
Com o poema que não
ficou bom
Com tanto saldo que
não resta
Com o papel de
bombom
Com tudo que pede
sentido
a tela estúpida
alva
o prumo do rumo vago
a dor que me salva.
12/08/17
PROCURA-SE QUEM ME
PERDEU
João Veras
os poemas estão
fugindo de mim
como quem foge do
diabo
- e eu estou
perdido!
quando os tenho, já
não tenho
- esses gelatinosos
-
esqueci o tema, o
enredo, a ideia...
lá vão em
ziguezagues à toda sumindo no tempo
tudo no vazio cru
outra vez
e de novo noites e
dias a calafrio
e tanto sofrimento
por tudo que é sentido
que é diverso
que me metáfora
fuga insensata que
me tem deixado mudo
eu que sem palavra
inexisto
recompenso bem quem
encontrar um só que seja
todos vestem camisa
amarela listrada de preto
com uma só palavra
grafada nas costas
que agora esqueci
05/08/17
ARECIPROCIDADE
João Veras
Não devo esperar,
espero
Contar, conto
Olhar, olho
Lembrar, lembro.
Se não consigo (e
não consigo)
devo diminuir ao
menos.
Posso. Isso posso.
Mas - ao variar,
alternar, insistir
- se mantém
Ai
espero
Conto
Olho
Lembro
sem dever um só
tostão!
E continuo
sem querer querendo
humano joão...
27/07/17
ESTADO ACRE
João Veras
A conveniência
é um método da
sustentabilidade.
Na rua de um só
boteco
o que resta aos
bêbados dali
senão reverenciar o
seu sóbrio dono?
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