terça-feira, 5 de setembro de 2017

JOÃO VERAS: alguns poemas

AMAZÔNIA. VIVA A FLORESTA ENCANTADA!
João Veras

Não se fala. Não se lê. Não se cogita.
À imprensa local só interessa o que levita.
Fora disso, só muito à boca pequena de acossado.
Esse que teima enquanto a floresta queima.
O seringueiro virou feliz para sempre.
Derrubada triste memória do passado.
O boi na floresta não faz mais mal.
Queimada só de quintal.
Fazendeiro é promoter de vaquejada
um amigo camarada, esse querido do progresso
Indio nas zoropa não sai da moda
como é belo esse exótico de sucesso.
Viva a sustentabilidade do pedaço que ainda resta
quem viveu os setenta
não tem outro jeito senão correr pro abraço!

no dia da Amazônia em 2017


CONFISSÃO
João Veras

Estou surdo e ouço música
Mudo e canto
vejo nada e leio poemas
sem gosto e como sabores
sem ar e sinto odores
Não penso e crio
Não sei e imagino
Não falo e falo

03/09/17


MELADO DE CANA
João Veras

a fenda
tem beiços que ecoam universos
a ferro
a carne crua que enferrujo
é noite
quando pétalas ressoam versos
no coração do dito cujo.

Repita
até achar que adocicou a gosto.

31/08/17


DESLOGAM DO ÓBVIO IGNORADO
João Veras

Novo dá azia
Acre a cena
Povo é de comer
Governo de mamar
Parceiro envenena
Empreendedor corrói.

26/08/17


ACRE: O INFINITO DO FIM
João Veras

Em prosa e verso aqui virou moda
Todo dia alguém tá matando alguém
Eis um território em que gerúndio é lei
e viver exceção
Ante a violência, este processo contínuo
que nos acostuma a nos acostumar
Matar alguém virou ação sem fim
Morrer matado, o meio da ação
A morte desnaturalizou-se desnaturalizando-se
Aqui todo mundo vai virando deus
até não mais existir.

21.08.17


ABRIGO SEM ECO
João Veras

estou falando para as paredes
elas que não me ouvem
eu uma delas também não as ouço
estamos unidas divisando o mundo
somos todas paredes
servíveis para não ouvir umas às outras
tão úteis e ocupadas nessa sina de separar
envelhecemos sem retornos

19/08/17


RATOS, QUEM, NÓS?
João Veras

Resolvemos criar galinhas. Mais pelos ovos.
Umas cinco, seis e um galo. E logo já chegaram uns pintos.
Pela convivência, vi que não vou me alimentar de nenhuma delas. Vão morrer de doença, de velhas.
Tal como não me alimento de cachorros que moram comigo.
Essa turma é gente. Que empatia!

Ontem, no começo da noite, ouvimos um constante piar
lá pra bandas de onde elas dormem. Isso não era normal.
Corremos e vimos um ratão atracado no pintinho. Que violência!
Conseguimos salvar. Demos remédio, mas ele não suportou o ataque e morreu com dignidade numa caminha que lhe reservamos a noite toda dentro de casa.
O desejo nosso era matar o rato que correu e sumiu.
Filho da puta!
Certamente que ele devia estar com fome.
E daí? Tinha que matar o inocente pinto?

E agora uma ideia não me sai da cabeça:
Como temos sido ratos!

14/08/17


OSCILAÇÃO DA POÉTICA RECICLÁVEL
João Veras

O que faço com o que sobra do poema
Com a parte que apodrece
Com a que perde validade
Com a que a gente esquece

O que faço com palavra que não interessa
Com as vírgulas e os pontos descartados
Com as orações que não acabam
Com o parágrafo da irrealizável promessa

O que faço com a semântica desajuizada
Com o que é insuficiente para a dança da estrela
Com o que é sobejo demais da conta
Com o que não faz a donzela vê-la

O que faço com o que faço
Com o poema que não ficou bom
Com tanto saldo que não resta
Com o papel de bombom

Com tudo que pede sentido
a tela estúpida alva
o prumo do rumo vago
a dor que me salva.

12/08/17


PROCURA-SE QUEM ME PERDEU
João Veras

os poemas estão fugindo de mim
como quem foge do diabo
- e eu estou perdido!

quando os tenho, já não tenho
- esses gelatinosos -
esqueci o tema, o enredo, a ideia...
lá vão em ziguezagues à toda sumindo no tempo

tudo no vazio cru outra vez
e de novo noites e dias a calafrio
e tanto sofrimento por tudo que é sentido
que é diverso
que me metáfora

fuga insensata que me tem deixado mudo
eu que sem palavra inexisto

recompenso bem quem encontrar um só que seja
todos vestem camisa amarela listrada de preto
com uma só palavra grafada nas costas
que agora esqueci

05/08/17


ARECIPROCIDADE
João Veras

Não devo esperar, espero
Contar, conto
Olhar, olho
Lembrar, lembro.

Se não consigo (e não consigo)
devo diminuir ao menos.

Posso. Isso posso.

Mas - ao variar, alternar, insistir
- se mantém

Ai
espero
Conto
Olho
Lembro
sem dever um só tostão!

E continuo
sem querer querendo
humano joão...

27/07/17


ESTADO ACRE
João Veras

A conveniência
é um método da sustentabilidade.

Na rua de um só boteco
o que resta aos bêbados dali
senão reverenciar o seu sóbrio dono?

21/07/17 


* Poemas e foto retirados de sua página no Facebook.

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