Tarauacá em 1953. Foto: Tibor Jablonski |
Leandro Tocantins (1919-2004)
A ponte, arquiteta
do amor,
oculta no pasto dos
prazeres.
O carmim no rosto,
suores vermelhos,
na noite regada de
fúria e paz.
Mulher da ponte
mulher puta
na imaginação
transfigurada do menino,
mulher lírio que
brota do estrume proscrito,
ressurge na luz da
manhã amarela,
do sol presente (ou
da luz ausente),
estente a mão
impura (ou pura),
ingênua precisão
de afagar de leve o
rosto do menino
que passa na ponte
imponderavelmente obscura.
O desejo à espreita
de passos ainda ausentes
no desassossego da
morna transfiguração.
Mulher puta?
Mulher lírio?
Puta ponte.
seringal seringueiro
Leandro Tocantins
(1919-2004)
Os crótons cantam o
Hino Nacional
(ou será o Hino da
Bandeira
apelo matinal da
esperança)
nas folhas
verdeamarelamente patriotas.
Esperança não mais
esperança,
apenas lamento
inconsútil
nos olhos
alucinados de ontem.
A pátria chegando
tímida
no barranco
sussurrante de rio,
na barraca vômito
da floresta.
Rio pérfidos
agarrando seres
pra escraviza-los
na mansão deserta
do tempo verde
consumindo caminhadas.
Golpes na
carne-essência das árvores,
menstruação vegetal,
espasmos de seiva,
hibernação de
sangues brancos,
rigidez de formas
quase petrificadas.
Soluços de solidão
nas nuvens de periquitos,
estrelas gritantes
na sombra do ser sozinho
que poreja no corpo
os dias-mortos os anos-mortos
de existência
embalsamada no ausente que jamais virá.
seringal ao som da
sonata ao luar
Leandro Tocantins
(1919-2004)
O piano inglês
no seringal
faz música de luar
beethoveanamente
notas batendo
nas folhas
adormecidas
a floresta
orquestra sinfônica
acorda nos sons de
luar
Luís de Beethoven
autor de 32 sonatas
17 quartetos
9 sinfonias
saberá reger
que espalha luar
na floresta
no mundo esquecido
do seringal?
TOCANTINS, Leandro.
Cosmoinfância. Rio de Janeiro: Artenova, 1969. p.31, 33, 41.
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